sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O triunfo do derrotismo

Os últimos dias trouxeram-nos provavelmente a maior manifestação de indignação sentida nas últimas décadas no nosso país. Os motivos são óbvios e compreensíveis: as medidas anunciadas pelo Primeiro Ministro são duríssimas e são colocadas em cima duma população que tem aguentado estoicamente sucessivos aumentos de impostos, um desemprego recorde e crescente, uma contracção de quase todas as áreas económicas do país e um declínio contínuo que não parece dar tréguas.

Ao contrário de outros países onde medidas de austeridade levaram a actos de violência nas ruas colocando as capitais a ferro e fogo, como aconteceu na Grécia durante meses ou na Inglaterra de forma mais breve, Portugal beneficiou até agora de um povo que finalmente mereceu o antigo, e até há pouco tempo injusto, título de sereno.

As derrotas sucedem-se com os números oficiais a provarem-se quase sempre piores do que o esperado e as previsões em constante actualização em baixa. Os portugueses emigram a uma escala cujos únicos precedentes comparáveis foram autênticas fomes e guerras. Não existe, para onde quer que se olhe, um ténue brilho de esperança a que nos possamos agarrar. Não mais. Esgotou-se.

Durante muitos meses, acompanhamos as vindas da troika, seguindo a forma previsível como assinavam a aprovação de novas tranches quase de cruz, já que ao contrário de outros em situação semelhante, Portugal assumia orgulhosamente as suas responsabilidades e cumpria o combinado. E isso dava-nos alguma esperança.

Os mercados internacionais começavam a ver-nos como um caso muito diferente da Grécia. As nossas ruas tinham menos carros, os transportes públicos mais gente, mas as ruas não estavam bloqueadas por manifestantes nem os dirigentes políticos eram alvo da ira pública. Os sindicatos organizavam as suas greves e demonstrações de forma pacífica e ordeira exigindo direitos, salários e contratações, mas sempre sem inflamarem as ruas. E isso dava-nos alguma esperança. 

A indústria e os serviços, compreendendo as dificuldades do país e o rápido esgotamento da capacidade financeira dos bancos, das empresas e das famílias portuguesas, adaptaram-se de um modo formidável e vimos as exportações crescerem para a Europa, mesmo estando em crise, e redobraram esforços nas suas vendas para fora desta de forma espectacular. Acalentamos então a esperança de que mais uns anos assim e teríamos um novo Portugal, mais poupado, menos consumista e mais produtor e exportador. Como que uma pequena Alemanha. E isso dava-nos alguma esperança.

Vimos um novo governo nascer, conseguindo uma coligação estável e de maioria parlamentar à qual se juntava o maior partido da oposição, todos juntos na determinação de cumprir o acordo com os financiadores de portugal, a troika. E isso dava-nos alguma esperança.

Na Europa, as palavras de apreço de ministros, líderes de governo e chefes de estado, mostravam-nos que não estávamos sozinhos nesta luta e que desde que estivéssemos à altura dos acontecimentos, que estes nunca nos deixariam cair. E isso dava-nos alguma esperança.

E subitamente, toda a esperança desapareceu. Os eleitores sentem-se defraudados. A coligação governamental treme. A economia gela de medo. Os consumidores não compram. As empresas não investem. Os bancos não emprestam. A própria Europa assusta-se com a reacção dos portugueses. 

Todos gritam a injustiça das últimas medidas, mas não se ouvem alternativas. Todos clamam que este caminho é o mais errado possível mas não se atrevem a defender o caminho que nos trouxe até aqui. A governação do nosso ingovernável país parece mais do que nunca uma pena em vez de um prémio. Os próprios partidos, tão ávidos de poder, dão sinais de não quererem ficar com o bebé nos braços. Os deputados dos partidos do governo, normalmente tão obsequiosos face aos seus líderes partidários tentam esconder-se ou lavar as suas mãos de responsabilidades de uma situação calamitosa e pela qual não se querem chamuscar.

Mais assustador ainda, é o facto de subitamente velhas ideologias provadas erradas vezes sem conta levantarem de nova a sua voz. Comunistas e fascistas emergem dos buracos onde estiveram escondidos durante décadas para nos relembrarem que as suas opções teriam evitado este descalabro.

Estamos perante nada menos do que o triunfo total e em toda a linha do próprio derrotismo. Neste momento a rua portuguesa sente que simplesmente não existem possibilidades de alguma vez ultrapassarmos a catástrofe. E isso é pior do que todas as derrotas que sofremos antes. Porque a certeza da derrota é também o garante da derrota. O derrotismo não é condição sine qua non para a derrota. Podemos perder mesmo com o maior dos optimismos. Mas é certamente condição suficiente. A minha maior revolta não é para com as dificuldades crescentes por que temos que passar. É sim para o fatalismo com que todos à minha volta olham para a certeza da destruição total do país. Sem alternativas, sem ideias, sem energia, sem sequer o sonho de um dia melhor.

Não haverá ninguém que dê um murro na mesa? Que grite ao país que, não obstante todas as dificuldades porque hoje passamos, não há nada que nos impeça de sermos um país rico daqui a duas ou três décadas? Que não há nada de errado com a genética ou cultura dos portugueses? Que sobrevivemos a invasões, guerras civis, ditaduras e crises de todos os tipos e sempre fomos capazes de nos levantar novamente?

Nestas alturas a última coisa que precisamos é de um Primeiro Ministro que chore connosco, que partilhe connosco as suas dificuldades e incertezas como pai e cidadão. Nós não o elegemos para ser igual a nós. Não precisamos da sua compreensão. Esta é altura para dar um estalo e acordar o povo português da letargia e colocá-lo em acção. Mostre o caminho. Mostre esperança. Mostre certeza. Não dê parte de fraco a ninguém, nem mesmo a si próprio.   

11 comentários:

  1. Respostas
    1. ahahhah

      Não ando nesse jogo.

      Curiosamente alguém me disse algo parecido na semana passada. Acho que a minha resposta foi que "gosto demasiado de política para me meter no meio dessa corja..." :)

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  2. O problema é que um Líder, lidera pelo exemplo. E parece que esta corja não quer perceber isso, e prefere não mexer nas suas regalias..

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    1. Concordo consigo que deveriam dar o exemplo. Mas não acredito que no total fizesse uma grande diferença.

      Bem mais perigoso - devido aos volumes envolvidos - serão provavelmente os negócios entre partidos, empresas privadas e governos. Uma calamidade causada pela lei de financiamento partidário que leva à dança das cadeiras (e dos milhares de milhões de euros) entre estas três entidades. Todas sanguessugas e com o povo a sustentá-las...

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    2. «Mais assustador ainda, é o facto de subitamente velhas ideologias provadas erradas vezes sem conta levantarem de nova a sua voz. Comunistas e fascistas emergem dos buracos onde estiveram escondidos durante décadas para nos relembrarem que as suas opções teriam evitado este descalabro.»
      Quem assim se exprime não é mais do que um ingénuo (partindo do princípio de que está de boa fé), isto para não lhe chamar ignorante absoluto em termos políticos. Se o regime que vivemos é um democracia, então porque trouxe este povo a tamanha desgraça? E qual é a sua alternativa a isto, clamar à classe política do arco do poder para fazerem o favor de serem honestos? Tenha juizo!
      Por fim, Vc. é um opinador e eu respeito isso, mas não enverede por afirmações que só o colocam ao nível dos mais enganados de entre todos. Política é uma ciência. É preciso estudá-la para se poder vir falar em ideologias, das que são boas, das que são más. Sabe o que é a praxis política? É aquilo que devia colocar na prática os ideais duma filosofia política que, regra geral, devia ser para o bem e a felicidade de todos os cidadãos. Na fundo, nem comunismo, nem fascismo, enquanto regimes governantes,puserem em prática a obediência rigorosa aos seus ideais. Uns porque foram permanentemente assolados e boicotados, outros porque se afundaram num elitismo das classes dominantes e se esqueceram de que todos somos filhos do mesmo deus. Agora, clamar aos corruptos e homens sem alma para escutarem os clamores do povo, é o mesmo que pedir aos incendiários para apagarem o fogo que atearam.
      Vc.não tem soluções para este regime? Eu tenho!Dêem-me voz. Há imensas soluções que podem numa decada transformar este país de alto a baixo onde cada cidadão se sinta feliz e não um escravo ou candidato a emigrante.

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    3. Caro Anónimo

      Se quer acusar-me de ser ou ingénuo ou de má fé, convinha que explicasse melhor o seu ponto de vista. É que são acusações graves e que deviam ser poupadas para quando são realmente necessárias.

      Sou ingénuo por ver perigos no comunismo e no fascismo? Quantos mais milhões de inocentes precisa o senhor para perceber que devemos ter muito cuidado com os que querem regressar a esses tempos? Quanto a estar de má fé, nem faço ideia onde poderia ir buscar essa ideia. Se estar de má fé é preocupar-me com os problemas do país, estar atento aos movimentos extremistas que não lidam bem com a liberdade de impressão, de associação, de religião, então temos um problema de definição de conceitos muito mais grave do que saber o que é a "praxis política".

      E o caro anónimo está completamente errado quando diz que só estudando política se pode falas em política. A democracia, ao contrário de muitas outras ideologias, é de todos os cidadãos e não só dos iluminados. É aí que a democracia tem as suas forças e as suas fraquezas. No comunismo e no fascismo, os cidadãos são "poupados" a tomarem essas difíceis decisões políticas. Isso fica guardado para gente que paira acima do povo e cuja enorme preparação lhes permite governar o país em nome do povo, sem que este seja alguma vez chamado a intervir. E os resultados estão à vista. Não houve um único país comunista ou fascista cuja aplicação prática tenha sido sequer razoável. Todos levaram à pobreza, à falta de liberdade e - em grande parte dos casos - à violência interna e externa. Independentemente dos idealismos de quem as imaginou inicialmente.

      Diz que o problema se resolve dando-lhe voz. Escreva. Publique. O seu problema não é falta de voz, porque isso felizmente esta democracia, com todos os seus defeitos, ainda nos dá.

      PS: Já agora, em que momento eu disse que a solução era "clamar aos corruptos e homens sem alma para escutarem os clamores do povo"?

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  3. Bem posto António!... não sei se já viste esta notícia fresquinha do economist http://www.economist.com/node/21563352
    passa-se de bestial a besta num instante...
    "In two short weeks Portugal has gone from being a model pupil, praised in Brussels and Frankfurt for steadfastly pressing ahead with a reform programme tied to a €78 billion ($101 billion) bail-out to a cautionary example of the dangers facing governments which attempt to push austerity beyond the tolerance of long-suffering voters."
    Ao que parece ninguém entende nem se entende! E este estado de espírito conduz a uma condição geral de falta de referencias, bases e animo...
    Pedro Santiago

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    1. Olá Pedro

      Ouvi falar dele na rádio e acabei de o ler agora. De facto, é um artigo extremamente interessante e que resume de forma brilhante a situação em que o país político se encontra. Penso que apenas faltou falarem também das divisões políticas dentro do próprio PSD, onde é possível que alguns deputados cheguem ao ponto de votarem contra o orçamento.

      Vamos a ver o que acontece nos próximos tempos. Parece-me que o PM vai emendar a mão e voltar atrás com esta medida. Pode ficar mal na fotografia, mas talvez lhe evite o desemprego...

      Abcs

      António

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  4. Toninho estou de acordo contigo, mas aquilo que mais me choca, pois é o que mais contribui para o sentimento derrotista, é a atitude execrável da comunicação social. Deliberadamente dão más notícias, escondem tudo o que é positivo e não são minimamente isentos. Outro dia numa coisa tão simples como "O Bom Português" na RTP, a frase escolhida era "Primeiro-Ministro demite-se". Estamos a falar da televisão que supostamente presta um serviço público. Dão total cobertura a situações pontuais de injustiça numa escola, ou num hospital, (que com ou sem crise sempre existem) e nas vésperas da manifestação da CGTP, fartaram-se de fazer publicidade. Ninguém teve dúvidas sobre horas e locais de encontro. Omitem deliberadamente as centenas de milhões de euros perdidos com as greves, que prejudicam o turismo, o investimento interno e externo, as exportações etc, desestabilizando o país que tanto precisa de tranquilidade. Pessoalmente considero que a falta de confiança e a atitude derrotista dos Portugueses vem principalmente da comunicação social.

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    1. Normalmente sou relativamente benevolente com a comunicação social na sua acção de manter os governos todos em cheque. Acho isso positivo e só tenho pena que não o tenham feito mais quando apareceram indícios de crimes efectivos cometidos pelos nossos governantes, que depois acabamos por saber que era do conhecimento da CS durante muitos anos.

      Mas não sabia desse caso do programa "O Bom Português". Parece-me de extremo mau gosto e a ultrapassar todos os limites da decência e neutralidade que se espera de qualquer televisão, quanto mais de uma pública.

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