sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A Guerra do Mundo

Escrito por um dos meus historiadores favoritos, "A Guerra do Mundo" é um livro sobre a história do ódio no século XX e sobre as vítimas que este causou, passando pelos pogroms, as guerras mundiais, os genocídios judaico, arménio, tutsi, entre outros. A lista de vilões é enorme e os seus actos dignos de alguns dos piores carniceiros de toda a história. Mas "A Guerra do Mundo", numa assumida associação ao livro de ficção de H.G.Wells, acaba por ter um problema grave de âmbito. Ao juntar eventos extremamente complexos como a segunda guerra mundial, a guerra fria, a guerra civil de Angola ou a guerra Russo-Japonesa de 1905, Ferguson acaba por não conseguir dar o detalhe necessário e as explicações necessárias para cada um dos temas.

Mas, não obstante as suas falhas, a "Guerra do Mundo" é um belíssimo livro que consegue captar o ocaso dos Impérios Europeus (Austro-Húngaro, Otomano, Russo, França e Reino Unido) as décadas de ascenção das novas super-potências (Estados Unidos da América e União Soviética) e o movimento de desafio do que poderiam ter sido os novos impérios do mundo (Alemanha, Itália e Japão). No fundo, o séc.XX acaba por ser analisado do ponto de vista da segunda guerra mundial, com 40 anos de precedentes (como o tratado de versailles, a ascenção das novas potências ou a grande depressao) e outros 40 de resultados (como as super-potências, as guerras de independência em África e na Ásia, o conselho de segurança das Nações Unidas ou as guerras do Afeganistão e Angola).

Niall Ferguson é também um verdadeiro comunicador, perfeito nos seus programas de televisão e brilhante na sua escrita. Os seus livros são fáceis de ler e agarram o leitor da primeira à última página. Mas devo dizer que os seus momentos mais espectaculares estão na defesa de realidades históricas alternativas, como no seu "Virtual History: Alternatives and Counterfactuals" de 2000, Esse será provavelmente o seu lado mais único, quando utiliza uma análise histórica para provar que muitas decisões e desfechos poderiam, com uma probabilidade razoável, ter sido bastante diferentes.

Conseguimos ver algum deste brilho em "A Guerra do Mundo", mas o livro peca por um final cada vez mais acelerado, onde os grandes eventos do fim do século, como a ascenção do radicalismo islâmico e os conflitos do Médio Oriente (que de facto tomaram o palco central da política e diplomacia internacional) a serem tratados de forma muito superficial.

Resumindo, um livro interessante e bem escrito que não exige conhecimento prévio especializado sobre os temas tratados e claramente direccionado ao grande público. Aconselho a sua leitura sem quaisquer reservas.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Atacar para...?

O mesmo mundo que ignorou as centenas de milhares de mortos na Síria, na Ucrânia ou no Iraque prepara-se agora para corajosamente bombardear até à Idade da Pedra, essa enorme ameaça global que é o Estado Islâmico. Isto claro, sem colocar "botas no chão" não vá acontecer alguma desgraça. Para isto, uma coligação semi-formal de mais 50 países juntou-se a um grupo de outros ex/futuros inimigos que também lutam contra o EI, tais como a Síria de Bashar Al Assad (que ainda anteontem ia ser bombardeada pelos EUA e a França) ou o Irão dos Mullahs (que na semana passada era a maior ameaça à segurança mundial).

Não tenho dúvidas quanto ao nível medieval, fundamentalista e violento desse grupo terrorista e já aqui tive oportunidade de escrever bastante sobre o assunto, mas pergunto-me se esta intervenção trará algo de bom. Até compreendo a noção de que algo tem que ser feito, mas não vejo de que maneira o bombardeamento (que certamente arruinará a economia desse proto-estado e as suas capacidades militares convencionais) poderá levar a algo que não seja o entricheiramento dentro das enormes cidades que ocupam. Alguém acredita ser possível bombardeá-los para fora de uma cidade como Mosul, com quase dois milhões de habitantes sem colocar tropas no terreno ou causar enormes baixas civis "colaterais"?

Por outro lado, já vimos isto antes: as potências mundiais gastam milhares de milhões de dólares a destruir um país e depois não mostram grande capacidade de o reconstruir ou ajudar no processo de democratização de que tanto falaram inicialmente.

O mais curioso é que não existe melhor exemplo histórico de um conquistador conseguir tornar o conquistado em aliado do que os EUA no final da segunda guerra mundial, quando a Alemanha, Japão e Itália (entre outros), graças a uma ocupação benigna, processos judiciais relativamente limpos (como o Tribunal de Nuremberga) e um investimento massivo por parte do vencedor (o Plano Marshall), colocaram as três potências do Eixo entre os seus melhores amigos no pós-guerra. Ainda mais relevante será o facto de, muito rapidamente, se terem tornado em três super-economias altamente desenvolvidas, tecnologicamente avançadas e pacifistas, algo que nem Iraque, nem Afeganistão, nem Líbia se podem orgulhar.

Infelizmente, tudo indica que esta operação não passará do habitual das últimas décadas. As bombas vão cair e quanto mais tentarem erradicar os fundamentalistas mais vítimas civis provocarão. O Estado Islâmico vai cair enquanto entidade e provavelmente o seu líder será morto. Mas no seu lugar milhares de outros se levantarão dos escombros de um país arruinado e que se auto-convencerãi da perfídia dos americanos e da necessidade de se aproximarem do que acreditam ser o caminho do Profeta, do comunismo mais radical ou qualquer outra forma violenta alternativa.

Talvez existisse uma hipótese de se evitar este inesgotável ciclo de violência se fosse colocado tanto esforço na reconstrução e verdadeira democratização do país como certamente vai ser colocado no seu arrazamento.