segunda-feira, 25 de março de 2013

O Rei apoia Rui Moreira

Em Portugal os media procuram ser neutros e imparciais em relação aos candidatos e políticos. Na realidade nunca o poderão ser totalmente, mas é a tradição no nosso país que tentem fazê-lo. Noutros países, como os EUA, as coisas funcionam de forma diferente e cada meio de comunicação social apresenta em editorial a sua preferência para cada eleição. Seguindo esse formato anglo-saxónico, aqui declaro formalmente o apoio do blog O Rei Vai Vestido à eleição de Rui Moreira para a Câmara Municipal do Porto.

Antes de mais, penso que é importante referir que ninguém ligado a este blog tem qualquer relação pessoal, profissional ou política com Rui Moreira[1] ou qualquer um dos outros candidatos à Câmara Municipal do Porto.


Grande parte dos portuenses conhece Rui Moreira enquanto comentador do programa da RTP Trio D'Ataque[2]. Sendo Moreira apoiante ferrenho e conhecido do Futebol Clube do Porto, gostaria de acreditar que essa fama seria totalmente indiferente para a eleição municipal, mas acho que não consigo ser tão ingénuo. Não digo que serão muitos os eleitores que colocarão o seu voto neste homem pelo seu apoio à equipa de futebol, mas provavelmente muitos terão mais interesse no que tem para dizer e uma certa simpatia por ele que é crucial para se ganhar eleições. Na realidade, os portuenses há muito que deram uma lição de democracia ao país quando votaram em Rui Rio, contra a vontade expressa de Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente "vitalício" do Futebol Clube do Porto. Esta demonstração de independência da política em relação ao futebol foi muito positiva para a cidade (embora este dossier tenha sido mal gerido) e acabou com o mito que reduzia o valor da cidade ao do seu principal clube. Acredito por isso que a notoriedade de Rui Moreira enquanto comentador desportivo lhe será benéfica, mas não decisiva.

Mas, naturalmente, Rui Moreira é muito mais do que um comentador de futebol e certamente não será pelas suas preferências futebolísticas que O Rei Vai Vestido lhe dá o seu apoio. A sua coluna de opinião, no Jornal de Notícias[3] dá-nos uma ideia melhor do quem é e do que pretende para o país. O seu livro, "Ultimato, o Antes e Depois do 15 de Setembro", uma análise ao país actual e à reacção à manifestação de 15 de Setembro de 2012 mostra-nos ainda mais claramente o que Rui Moreira é e o que pretende do país. 

Rui Moreira é um homem que dá valor à economia, é um homem que vem da indústria e do comércio, que conhece e vive o Porto. E acredito que é isso mesmo que o Porto precisa neste momento. Os dois últimos presidentes da câmara do Porto deixaram marcas profundas na cidade. Nuno Cardoso[4] e Rui Rio[5]. O primeiro procedeu a uma recuperação da cidade que, embora tenha custado muito em termos de qualidade de vida aos portuenses durante a sua construção, deixou a cidade mais organizada, mais limpa e mais bonita para que vive e quem visita a cidade. Infelizmente para a história o nome de Nuno Cardoso ficará provavelmente mais associado aos problemas legais em que esteve envolvido e às relações obscuras com o maior clube da cidade do que pela grandiosa obra de recuperação que poucos conseguiriam imitar. Rui Rio, por seu lado, trouxe um estilo diferente à cidade. Afastou-se do F.C.Porto de forma violenta (dossier que em vários momentos geriu demasiado mal criando inimigos onde deveria ter aliados), finalizou as obras ainda em curso, organizou as contas e pagamentos e trouxe alguns eventos para a cidade, tais como o Red Bull Air Race (de que falei aqui noutra ocasião) e a F1 de carros clássicos. Não conseguiu no entanto evitar uma série de confusões legais feitas pelo seu antecessor e com uns inacreditáveis processos à volta do "F.D.P."[6]...

O Porto conseguiu por isso hoje ter uma cidade muitíssimo mais organizada do que tinha há duas décadas, com um excelente aeroporto (tecnicamente fica em matosinhos mas isso são detalhes para quem mora na região)[7], um porto de Leixões funcional e lucrativo[8], recuperada e com alguns eventos que lhe permitem ir trabalhando a sua projecção internacional. O que falta então? O que está errado na nossa cidade?

Na minha opinião, o Porto perdeu nas últimas décadas aquilo que foi nos últimos séculos a sua maior força. A burguesia, o comércio e a indústria. O problema do Porto não é um exclusivo seu, todo o país sofre dos mesmos males. Mas nem todas as regiões sofrem por igual e nem todas foram geridas da mesma forma. Ainda me lembro de um Porto de trabalho. Onde eram criados e geridos grandes bancos, como o BPA e o BCP. Rodeado de indústrias nas cidades que constituem a sua zona metropolitana. Onde as empresas viviam para exportar e suportar o trabalho de outras. Nesses tempos, e noutros antes sequer de eu nascer, o Porto crescia em importância, na sua classe média, nos seus empresários, nos seus trabalhadores. Quando o trânsito era caótico, o Metro ainda não tinha sido inventado, a cidade era mais feia e o resto do país temia essa cidade escura e sombria, a taxa de desemprego era muito mais baixa e a economia crescia. Em muitos sentidos a cidade deu um salto brilhante no futuro. Mas não há qualidade de vida que sobreviva ao desemprego e à falta de investimento. Uma cidade pode ser linda, com belos campos e passeios, uma qualidade do ar e das águas formidáveis, mas se não tiver empregos não servirá de muito. É este o verdadeiro motivo de querer ver Rui Moreira à frente dos destinos do Porto. Não por ódio aos políticos de carreira ou por considerar que os outros não têm quaisquer qualidades. Também não é por considerar Rui Moreira perfeito. Certamente não será, como ninguém o é. Mas é a pessoa certa para ajudar o Porto a concentrar-se novamente naquilo que um dia foi a sua maior força: o trabalho. No respeito e na criação de condições favoráveis para quem investe e para quem trabalha, desde o electricista até às grandes fábricas de automóveis. Desde os que apostam as suas poupanças a criar uma tabacaria de esquina até aos que pretendem comprar a concessão do Aeroporto Francisco Sá Carneiro. O Porto precisa urgentemente de se concentrar na sua produção, nas suas exportações, no seu trabalho. Acredito que Rui Moreira é o homem certo para o liderar.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Manifesto Anti-Inovação

Fonte da Imagem: nepo.com.br
Será que sou a única pessoa que cada vez que ouço uma figura pública falar de "inovação" me dá uma volta ao estômago? Como foi possível transformar o que seria uma importante mentalidade para um futuro melhor numa palavra vazia, desprovida de qualquer sentido, lógica ou emoção. Algo que se diz para receber a aprovação dos asnos que não perdem um segundo a pensar no que está a ser dito.

Há mais de uma década que ouço tudo e todos falarem da "Inovação" essa panaceia que nos vai tirar a todos do buraco em que estamos. Uma espécie de procura do El Dorado que nos fará ricos com um  golpe de sorte. A inovação é e deve ser uma parte importante do esforço de uma sociedade mas não tão importante como fazer bem feito aquilo que muitos outros já aprenderam a fazer antes de nós. Eu, por exemplo, tenho a certeza que estaríamos muito melhor se tívessemos serviços públicos que copiassem as melhores práticas internacionais, qualidade de produtos ao nível dos melhores do mundo, civismo comparável aos mais avançados, etc. Poderíamos não ser muito criativos, mas estaríamos bem melhor.

Hoje passei por mais uma dessas frases que me deixam com os cabelos em pé: A Soares da Costa anunciava "Há 90 anos a Inovar"[1]. Não sei bem quantos milhares de patentes a Soares da Costa terá. Se terá mais que as restantes empresas portuguesas do sector. Se gasta uma parte considerável do seu orçamento em Investigação e Desenvolvimento. Isso sim, são índices que nos podem levar a acreditar que esta empresa é inovadora, que está linha da frente tecnológica na sua área de actividade. Simplesmente anunciar ou publicitar que se é "inovador" vale, na minha modesta opinião, zero! Ou melhor, não deveria valer rigorosamente nada, mas na realidade deve significar um apoio generalizado da comunidade académica, política e jornalística nacional. 

Nem de propósito, tivemos o presidente Cavaco Silva a dizer sobre este tema em 2009 "A inovação é, cada vez mais, um sistema aberto. Constitui um processo que se desenvolve a partir de redes de conhecimento e competências, muitas delas situadas no exterior das próprias empresas". Uma frase que mereceu destaque no Jornal de Notícias[2], mas que não significa rigorosamente nada. É pena que nenhum jornalista, depois de ouvir este tipo de discursos vazios peça uns exemplos. Mais detalhe sobre essa ideia.  Também o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, considerou a importância desta "inovação" tal, que preside ao Conselho Nacional para o Empreendedorismo e Inovação[3]. Algo que ele próprio - que nunca criou nenhuma empresa, nunca produziu nenhuma patente, nunca escreveu nenhum artigo científico ou alterou algum processo relevante em alguma indústria - estará certamente muito qualificado. Mais uma vez, "inovação" não passa de uma palavra. E poderíamos continuar passando por cada um dos players políticos de todos os partidos, todos os opinion makers e grande parte dos especialistas de todos os tipos que nos moem a paciência diariamente com conversas sem conteúdo. 

Pondo as coisas de forma simples: a inovação, assim como a seriedade ou a ecologia, não se proclama, pratica-se.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Até ao Fim, Destruição e Derrota da Alemanha de Hitler 1944-1945

Book Review

Ian Kershaw, proeminente escritor inglês, traz-nos esta obra interessantíssima sobre a segunda guerra mundial, que na realidade se concentra numa só pergunta: por que motivo o III Reich, como entidade política, se aguentou de pé até os soviéticos literalmente baterem à porta do Fuhrer?

A pergunta é relevante. Milhões de civis e militares morreram nos últimos meses da guerra, quando era óbvio para todos os envolvidos que a guerra estava perdida para o eixo. Tragédias como o Wilhelm Gustloff[1], Hiroshima e Nagasaki, a destruição de Berlim[2] entre muitas outras batalhas causaram um sofrimento indescritível sem qualquer valor para o desfecho da guerra.

Normalmente as guerras perdem-se no campo da diplomacia e/ou da política antes de se perderem militarmente. Pelo menos de uma derrota militar deste nível, com o colapso total e absoluto das forças armadas. Na primeira guerra mundial, por exemplo, uma revolução interna na Alemanha[3] provocou a sua derrota, que no campo militar ainda estava longe de ser absoluta. Na frente oriental, também um golpe bolchevique na Rússia sentenciou a saída desta guerra[4], sem que alguma vez as tropas alemãs tivessem sequer aproximado de Moscovo ou São Petersburgo[5]. Sem precisar de ir tão longe, temos a derrota de Portugal na guerra do Ultramar, causada por uma revolução em casa e não por uma derrota militar no terreno[6].

Neste caso, o regime Nazi manteve-se de pé até aos últimos instantes e a autoridade de Adolf Hitler intacta até à sua morte. Como seria de esperar, são muitos os motivos porque isto terá acontecido. E nem sempre se passou da mesma forma. A autoridade do partido e dos representantes do estado na frente leste não era a mesma da frente ocidental. A atitude das forças ocupantes também não era a mesma.

O livro foca-se no período final da guerra, desde o atentado falhado de Stauffenberg[7] em Julho de 1944 e que por pouco não conseguiu matar Hitler no seu Wolfsschanze (a "Toca do Lobo", um quarter-general na Prússia Oriental), até ao final da guerra em 1945.

Kershaw explora de forma brilhante, fluida e bem documentada as várias motivações por parte dos cidadãos alemães, funcionários públicos e forças armadas para manterem a sua estrutura até ao fim. Desde a estrutura corrupta que rodeava Hitler e que mantinha uma constante luta de poder, as infatigáveis guerrilhas entre os diferentes ramos das forças armadas até ao medo que os alemães tinham do que seria uma ocupação estrangeira. Uma ocupação soviética, acompanhada pelos relatos assombrosos dos civis em fuga da Prússia Oriental, devidamente regados pela propaganda Nazi, fizeram com que na frente leste a resistência tenha sido sempre maior. A sensação de grande parte das tropas alemãs era, nessa frente, de que a sua guerra era justa ou, pelo menos inevitável para travar as "hordas asiáticas". Os mais veteranos lembravam-se no entanto do que fora o avanço alemão pelas estepes russas durante a Operação Barbarossa. E sabiam que o que lhes estava a cair em cima era uma vingança bíblica. Já do lado ocidental, o comportamento era bastante diferente, com grande parte dos intervenientes a prepararem o pós-guerra e sem medo do que lhes esperava depois de uma ocupação anglo-americana (com excepção dos líderes nazis locais, nomeadamente os Gauleiter[8] e os que trabalhavam directamente com estes).

Não obstante a propaganda nazi e os boatos infundados de que ainda seria possível uma paz separada entre o III Reich e os aliados ocidentais que permitisse que se juntassem na "inevitável" guerra contra o inimigo bolchevique, os receios provaram-se correctos. A esmagadora maioria dos prisioneiros de guerra alemães na frente oriental morreram em cativeiro depois da guerra (à semelhança do que aconteceu aos prisioneiros soviéticos feitos pelos alemães, que foram deixados a morrer de fome e frio em campos espalhados pelos territórios ocupados). Mas o medo da ocupação não foi certamente o único motivo. A máquina de terror criada pelo regime Nazi virou-se nos últimos meses da guerra não só para os seus inimigos habituais, mas também para os restantes alemães. Qualquer sinal de derrotismo recebia a pena de morte. Traição ou rendição levava a consequências trágicas nos familiares para além dos próprios.

Uma questão interessante relativa à sobrevivência do regime até tão tarde prende-se com a própria estrutura de poder. Ao contrário da Itália, por exemplo, que tinha um Grande Conselho Fascista[9] que nomeava o ditador e um Rei que servia como alternativa de transição, a Alemanha não dispunha de qualquer forma pacífica de retirar Hitler do poder. Para além disso, todos à volta de Hitler, nomeadamente as quatro grandes personagens imediatamente abaixo deste (Goebbels, Himmler, Bormann e Speer)  estavam profundamente divididos e receosos uns dos outros. E o poder de todos era dado por Hitler. Todos viram como Goring, lider da Luftwaffe, fora totalmente despido de poder por Hitler depois dos falhanços em 1944 e era, nesta altura final da guerra, absolutamente desconsiderado por todos, desde a população até aos políticos e militares[10].

O livro é brilhante mas, aconselho a sua compra de forma condicional. Acredito que é um livro que faz muito sentido depois de já se ter lido muitos outros sobre a segunda guerra mundial. Foi escrito para quem já leu as obras de Martin Gilbert, Churchill, Max Hastings, Antony Beevor e Richard Overy. Para quem estiver a ler os seus primeiros livros no assunto, este certamente não será o melhor para começar. No entanto, se já começa a sentir que cada livro que lê acrescenta menos sobre o assunto, então "Até ao Fim, Destruição e Derrota da Alemanha de Hitler 1944-1945" é um livro que certamente quererá ter na colecção e que lerá com enorme prazer.