quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Farahani - Iraniana e corajosa

Golshifteh Farahani - actriz iraniana exilada em Paris
Durante os meus anos tive oportunidade de conhecer bastantes iranianos. Naturalmente não os suficientes para conhecer o pulsar daquele povo, mas o suficiente para pelo menos colocar em causa as ideias pré-concebidas que trazia comigo. 

A maioria dos que conheci não eram distinguíveis dos europeus. A forma de vestir dos homens era perfeitamente ocidental. Em relação às mulheres tinham, regra geral um ar de italianas. Bem vestidas vaidosas e nada parecidas com as árabes. Num ou noutro caso usavam lenço a tapar o cabelo, mas normalmente nem isso. 

Body of Lies, realizado por Ridley Scott com
Di Caprio, Farahani e Russel Crowe
Foi depois de começar a conhecer casais iranianos que começei a reparar com mais cuidado nas imagens que vinham do Irão. Na rua, notava-se que as mulheres usavam sem excepção hijab (o lenço utilizado para não mostrar o cabelo), mas ao contrário dos países árabes do golfo, os lenços eram coloridos, à semelhança dos utilizados no Levante (Palestina, Líbano, Jordânia e Síria). Também dava para ver que esse uso era fruto de imposição da lei islâmica que (ainda) impera no país. Afinal de contas, o lenço aparecia sempre uns centímetros mais atrás do que devia, deixando umas cuidadas madeixas à frente. A maquilhagem, proibida no país, estava presente em todo o lado, embora suficientemente discreta para poderem fingir que era a sua cor natural.

Fui ficando por isso com a impressão que talvez o povo iraniano já esteja realmente cansado do creativo regime semi teocrático e semi democrático do seu país. A leitura do livro de Shirin Ebadi[1] (prémio Nobel da Paz em 2003) "Iran Awakening" forteleceu-me em muito essa ideia. A recepção que lhe foi feita quando regressou ao Irão, com centenas de milhares de pessoas na rua, mostrou que são muitos os que estão com ela.


Farahani no filme "About Elly"
Entretanto uma nova personagem emerge, a actriz iraniana Golshifteh Farahani[2] que contracenou com Leonardo di Caprio no filme "Body of Lies" de 2008[3]. Desde o início que o regime se mostrou extremamente desconfortável com o à vontade desta. Posteriomente, começa a aparecer em filmes sem o mandatório hijab. Mais tarde revela-se totalmente na revista francesa Madame Le Figaro, onde aparece despida.

A coragem de Farahani é invulgar. Certamente que muitos considerarão que estas fotos não passam de um golpe de publicidade para fomentar a sua carreira. Não dúvido que isso seja verdade. Acontece diariamente no mundo da moda e cinema. O que não acontece todos os dias é alguém de uma teocracia fazê-lo. Os riscos que corre são tudo menos comuns. E a mensagem política que envia é muitíssimo mais forte. Farahani foi, segundo a própria em entrevista ao Der Spiegel[4], avisada de que já não era bem-vinda no seu país e que se arriscava a ser presa. Encontra-se por isso exilada em Paris há 4 anos, sem qualquer esperança de poder voltar à sua terra Natal. Quando li este artigo lembrei-me de algo que aqui escrevi sobre umas imagens de Angela Merkel nua: "No lugar onde cometeu este acto o naturismo era proibido? Cometeu algum crime?". Esta entrevista fez pensar que não deveria ter escrito tal frase. Afinal de contas, no caso de Farahani, ele poderá mesmo ter cometido um crime no seu país. E mesmo assim eu não quero saber e não sou capaz de a criticar por isso.

Espero sinceramente que Farahani possa um dia voltar à sua terra natal. E que o faça sem medo e em liberdade. Com hijab ou sem ele, conforme a sua vontade.

2 comentários:

  1. Gostei muito de ler. Parece-me que tem um blogue invulgar que vai ao encontro dos meus interesses e "obsessões". Vou voltar. Bom fim de semana.

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário e pelas simpáticas palavras.

      Os melhores cumprimentos,

      António

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