segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A economia de guerra de Krugman

O nobel da economia, Paul Krugman, e uma gigantesca legião de seguidores defendem que a saída da crise da europa (e não só) passa por gastos massivos do estado que possam arrancar novamente a economia. Dão-nos os exemplos da corrida ao armamento nos anos que antecederam a segunda guerra mundial (e não o New Deal de Franklin D. Roosevelt) para solucionar a crise iniciada em 1929, e dizem-nos que o mesmo deveria ser feito agora.

Numa ocasião, e de forma bastante elucidativa, Krugman mostra-nos que na realidade é indiferente a forma como esse dinheiro é gasto, desde que seja gasto de forma tal que todos os agentes da economia (em especial as famílias naturalmente) o recebam em grandes quantidades: ele propõe que seja dado um alarme mundial de que está prestes a acontecer uma invasão de extraterrestres, que toda a capacidade produtiva da terra seja levantada para nos defender dessa ameaça, e depois de toda a economia estar a funcionar a todo o vapor, que se avise a população mundial de que tudo não passara de um equívoco. É uma ideia interessante, e não sei se já não estará em curso, com uma qualquer ameaça mais ou menos credível de El Nino, Aquecimento Global, Camada do Ozono, Nazismo, Comunismo, Meteorito a caminho da terra, etc.

Existem bastantes pontos em que Krugman e os seus seguidores podem ser contestados. No nosso caso - Portugal - mais endividamento significa deixarmos de o ter, por isso mesmo que a solução dele fosse técnicamente sólida, ela nunca poderia ser feita em Portugal, mas só a nível Europeu. O que nos deixa sem outro caminho que não seja o de fazermos o que os credores nos mandam, ou simplesmente informá-los de que não fazemos quaisquer intenções de pagar (neste último caso teríamos uma série de consequências sérias que nos teríamos que precaver e que noutra ocasião podemos discutir).

Mas o ponto que eu aqui gostaria de colocar em causa dessa teoria do "gastar-até-à-exaustão" é outro. O que estes senhores nos estão a propor é uma economia de Guerra. E como já não existe uma verdadeira economia de guerra desde 1945 (há quase 70 anos) e a esmagadora maioria das pessoas(incluindo várias das que de facto lideram o mundo) não conseguem ler um livro inteiro por ano, ninguém sabe o que verdadeiramente significa uma economia de guerra.

Uma economia de guerra significa total e absoluta submissão ao estado de indivíduos e instituições. Não se julgue que era só na Alemanha nazi, na Itália fascista ou no Império do Japão que isto se passava, mas também na tão livre Inglaterra ou na terra das oportunidades nos Estados Unidos da América. Em 1940, no Reino Unido, e por legislação aprovada por altura da queda da França, o estado passou a ter o direito de requisitar qualquer pessoa para fazer qualquer trabalho, de taxar a 100% quaisquer lucros que considerasse excessivo, de requisitar qualquer imóvel, barco, avião, automóvel, cavalo ou qualquer outro veículo que entendesse. Nos Estados Unidos da América, bem longe do campo de batalha propriamente dito, todos os Nipo-Americanos foram presos em campos de concentração até ao final da guerra. Em todos os países, as cadeias encheram-se de presos políticos, por estarem próximos de alguma ideologia do inimigo. Os ministérios ou serviços de propaganda tomaram conta dos jornais, rádios e cinemas controlando o que era passado ao público. Em suma, o sistema democrático apoiado num mercado livre e amplas liberdades foi substituído por um sistema político absolutista, de economia planeada e sem quaisquer direitos e liberdades.

É verdade que esses sistemas usufruem de pleno emprego, redistribuição pela sociedade da produto gerado e crescimentos produtivos exponenciais, mas isto feito com enormes sacrifícios humanos, sociais e ambientais.

Convinha que as pessoas que defendem esta ideia de dívida massiva explicassem a história toda. Como é que pretendem pagá-la (se é que o pretendem fazer), como é que conseguimos o pleno emprego sem retirar as liberdades, como é que conseguimos consumo para absorver essa produção extra (a própria guerra é um consumidor ávido e insaciável por isso aqui teria que ser substituído por algo), como é que conseguimos que esses gastos do estado não sejam canalizados para fora do país (via importações, fuga ao fisco, offshores, etc.) e como é que se consegue evitar que as grandes empresas encostadas ao estado o façam ainda mais.

6 comentários:

  1. Concordo com o que aqui está escrito mas gostava de acrescentar algo à discussão. Foi, realmente, a guerra de 39/45 que gerou o grande crescimento a que se assistiu no século XX mas esse crescimento não se deu durante a guerra mas no pós-guerra. O estado em que a Europa foi deixada, acabou por gerar o grande motor do desenvolvimento de vários países, dos quais se destaca, obviamente, os EUA. O consumo avassalador da máquina de guerra foi substituído por um consumo gigantesco da reconstrução da Europa. Esse consumo gerou escoamento para a grande economia de produção dos EUA, o que gerou emprego, criação e distribuição de riqueza entre os trabalhadores e até um baby boom, com as consequências que conhecemos. A isso junta-se a construção em massa de infraestruturas nos EUA, que veio gerar exactamente o mesmo, mas internamente. Tudo isto acabou a partir de meados de 70.

    Ora Portugal não tem uma guerra, nem se prevê que a vá ter tão cedo, já tem as infraestruturas criadas, algumas em demasia (estradas, estádios, habitação, etc...), não tem petróleo nem gás natural e não tem dimensão para produzir em massa seja o que for. Assim, e para ligar ao texto aqui apresentado, Portugal não tem um motor económico óbvio e continuar a aumentar a nossa dívida em coisas que já temos a mais, ou que não dão retorno financeiro, só irá ajudar a afundar o país.

    Em conclusão e provando que falei, falei mas acabei por não dizer nada, não tenho respostas às perguntas do texto. É-me difícil encontrar respostas quando partilho das perguntas.

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    1. Totalmente de acordo em relação à questão do pós guerra. Um dos leitores do expresso (A.Vaz), que veio em defesa do Paul Krugman partilhou o link de um dos seus recentos artigos que me parece extremamente interessante e dos quais espero pegar em alguns dos pontos em breve. Conta a história da União Europeia e explica porque motivo não está a funcionar e quais são as diferenças entre um estado americano e um dos estados da UE e a forma como se comportam num momento de crise.

      É um artigo bem mais sóbrio do que algumas das suas aparições televisivas assim como das conlusões que Krugman apresenta no seu último livro "O regresso da economia da depressão e a crise actual".

      Pega em algumas questões que já falamos por outros canais, como as diferenças de línguas, o governo único e a mobilidade. Certamente que cada uma destas três diferenças merece uma discussão por si só. E embora possivelmente grande parte dos europeus não esteja ainda preparado para discutir estes assuntos, isso nunca nos impediu de explorarmos essas ideias na mesma.

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  2. Este senhor pouco ou nada acrescenta à teoria keynesiana, tenho lido pouco mas do que li foi a impressão com que fiquei, que ele so extremiza alguns aspectos.

    a questão aqui é que o sr keynes não passou da 2ª guerra mundial.
    e os seus modelos que em grande parte conduzem à europa de hoje tinham uma pedra basilar (isto é a minha opinião só) que era o protecionismo económico, movido pelo clima de "trancas à porta", desconfiança e "guerras frias" entre paises que se vivia na altura, porque quando ele defende que na fase descendente do ciclo económico o estado deve compensar com gasto publico, e tentar compensar o gasto em impostos na fase ascendente por forma a impedir que a divida transite para o ciclo seguinte, isto até funciona e faz sentido e estabiliza o "copo de agua entre a agua que lá entra e que de lá evapora", a questão é que com os acordos de liberalização e a crescente globalização e circulação de pessoas os mercados domésticos não são copos de agua ... passaram a ser autenticos coadores, que só apanham aquilo em que se especializaram!

    este efeito é devastador em paises com aparelhos produtores deficitários como o é portugal, porque se o estado tenta "injectar" dinheiro na economia através de gastos, estes não vão para o pais, escoam para fora e o estado fica com a divida sem que o aparelho produtivo altere, pois assim dita a concorrencia e a eficiência.

    basta tomar um exemplo simplista no TGV...
    os comboios e restante circulante provavelmente será fabricados na alemnha ou frança com peças made in china e as linhas acabarão por ser feitas por construtoras espanholas ou um consorcio qualquer de empresas estrangeiras que tenham um accesso ao crédito facilitado fora de portugal, usando mão de obra importada de leste.

    ou seja em termos de aparelho produtivo pouco ou nada muda fica o TGV e a divida... quanto ao resto na mesma

    o modelo económico nos moldes actuais esta a dar sinais claros de não está a funcionar para a europa. ela está velha e a viver dos rendimentos mas eles não vão durar para sempre... ou a europa regride em matéria laboral para competir com os paises emergentes ou negoceia algum tipo de protecionismo... porque a riqueza mundial esta a migrar para oriente. e a divida para ocidente e isto vai acabar mal. os mercados de serviços não produzem riqueza, não é por nada que o PIB do ocidente não cresce a industrialização que era a chave e migrou para oriente, neste momento estamos a pedir dinheiro emprestado para comprar energia, matéria e produtos e temos um mercado de serviços em crescendo que por definição não produz riqueza real, simplesmente a faz circular, e os serviços são muito mais dificeis de exportar que matérias.....pelo que as balanças comerciais estão e défice e assim acho que vão ficar se nada for feito até ao dia em que isto corre mal de vez.

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    1. Excelente comentário.

      Um único comentário: Não concordo totalmente com a parte dos serviços serem ou não exportáveis. Depende dos serviços, mas em algumas áreas podemos e devemos exportar em larga escala.

      Aliás, espreita na pordata (www.pordata.pt) e verás que a balança comercial de serviços e muitíssimo positiva. Não consegue compensar a balança comercial de produtos, mas enquanto continuarmos a importar todo o petróleo e não baixarmos o consumo desse outros commodities semelhantes nem um milagre nos salva.

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    2. "Os mercados de servicos nao produzem riqueza"??
      Pesquise quanto esses mercados representam no PIB, por exemplo, do Reino Unido e depois escreva.

      Cumpas

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    3. Caro pedro77leao

      Reforçando o que diz, Portugal tem uma balança comercial de serviços com superavit. Na ordem dos 6.000 milhões de euros. Salvo erro importamos cerca de 10.000 milhões de euros e exportamos 6.000 milhões. Se a nossa balança de bens (em especial a energética) tivesse a mesma relação, em vez de falarmos de dívida soberana estávamos a discutir onde investir os nossos fundos soberanos, como Abu Dhabi ou o Qatar.

      Cmps,

      António

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