quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Praça Tahrir vista da Palestina

Faz agora um ano que se iniciou a revolução no Egipto, inspirada no levantamento popular tunisino e que em conjunto com o Yemen, Síria, Bahrain e Líbia formam a chamada "Primavera Árabe". Em simultâneo, os efeitos fizeram-se sentir na Jordânia, Oman e Arábia Saudita embora de forma diferente e com actuações diversas por parte dos seus governos.

Na altura encontrava-me em trabalho em Ramallah, na Palestina, onde com mais dois portugueses assisti incrédulo ao que se estava a passar na praça Tahrir, vendo e ouvindo a Al Jazeera em directo dias a fio com uma clara sensação de que assistíamos a um momento fulcral na história da região.

O Egipto tem um lugar especial no médio oriente. Define as modas, tem uma história milenar, tem os melhores desportistas (o seu campeonato de futebol é seguido em toda a região) e para além disso tem um poder económico forte e diversificado e uma população enorme. Foi deste país que nasceram os mais poderosos movimentos árabes dos últimos 70 anos, como os movimentos nacionalista pan-árabe de Gamal Abdel Nasser ou a Irmandade Muçulmana de Hassan Al-Banna.

Foi por isso natural que mesmo num país como a Palestina (se o leitor não apreciar a palavra "país" pode substituí-la por "lugar" sem prejuízo para o resultado final) este assunto fosse seguido com enorme interesse e uma sensação de pertença em relação à revolução. Falando com colegas e amigos árabes, foi notória a excitação nos dias anteriores à primeira grande manifestação de sexta-feira e óbvio o aumento do interesse a cada dia que passava.

Desde a revolução tunisina que ouvíamos muitos e extremamente sombrios relatos do que acontecia na Túnisia. Colegas que lá estuduram e trabalharam contaram-nos histórias e detalhes da repressão, falta de liberdade e corrupção endémica centrada na família de Ben Ali, mas agora tratava-se literalmente de outro campeonato. Embora eu ainda não fosse nascido na altura do 25 de Abril de 1974, imagino que o que sentimos durante estes dias será parecido (embora mais distante) com o que a geração dos meus país passou nesses dias que mudaram Portugal.

Ao fim de umas horas de relatos, todos nós já conhecíamos todo o mapa da zona em volta da praça Tahrir, onde estavam as diferentes estações de televisão e vimos em directo as intervenções da polícia, os ataques aos enviados da Al Jazeera, a carga de cavalos e camelos, as rezas dos muçulmanos no meio da praça enquanto os cristãos coptas e os seculares os defendiam dos ataques da população e até à entrada do exército na praça.

Em paralelo, fomos acompanhando também as infelizes declarações dos representantes dos Estados Unidos da América e dos países da União Europeia, que conseguiam estar sempre umas 6 horas atrasados em relação à história. Falavam da estabilidade do Egipto quando um milhão de pessoas pedia uma democracia ao estilo europeu ou americano, confirmando a amizade a Mubarak enquanto este disparava sobre os manifestantes desarmados, e pediam para o ainda presidente para fazer algumas cedências quando milhões de pessoas pelo país fora quebravam o recolher obrigatório e o exército interveio para defender os manifestantes da polícia.

Lembro-me bem de ver os carros blindados do exército a chegarem aos acessos à praça. Sustemos a respiração durante os segundos receando o pior. Tínhamos ouvido tantas vezes as histórias do amor que os egípcios têm ao seu exército que era a instituição mais respeitada do país desde a guerra do Yom Kippur. Mas também sabíamos que é um exército forte e bem armado que beneficiava de um apoio militar e financeiro americano (só ultrapassado por Israel neste campo). Por isso nenhum de nós sabíamos se nos próximos segundos veríamos um banho de sangue sem precedentes na história ou uma reviravolta no país. A primeira reacção dos manifestantes esclareceu imediatamente o que se iria passar a seguir. Todos correram para os tanques e Armoured Personnel Carriers em festa, com bandeiras do egipto no ar agradecendo a sua vinda. Talvez os militares viessem com ordens para reprimir os manifestantes, mas com uma recepção como essa talvez fosse inevitável o que aconteceu: os soldados levantaram os dedos em forma de "V" de vitória e aceitaram as bandeiras do Egipto que levaram em procissão pela praça dentro. Respirámos novamente. O fim anunciado de Mubarak. A partir daqui, podia demorar horas, dias ou semanas, mas não havia dúvidas de que tinha o destino traçado.

Quando no dia seguinte fomos tomar o pequeno-almoço ao centro de Ramallah, vimos bandeiras do Egipto por todo o lado, os palestinianos sorriam orgulhosos com as camisolas da selecção de futebol egípcia vestidas e os cafés e restaurantes tinham pequenas bandeiras vermelhas, brancas e pretas em todas as mesas.

Que a democracia, a liberdade e o progresso cheguem finalmente a este país, e que sejam o modelo e inspiração para muitos mais.

Feliz aniversário Egipto.

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