Tropas israelitas na fronteira com Gaza nos seus Caterpiller D9 - 17 NOV 2012 (Imagem CNN) |
É difícil voltar ao início e perceber o que aconteceu. Provavelmente teríamos que voltar até 1948 e à criação do estado de Israel[9] ou ao final do século XIX e ao aparecimento do movimento Sionista[10]. Num tempo mais recente, vimos a liderança palestiniana partir-se em duas depois de o partido islâmico Hamas, baseado na tradição egípcia da Irmandade Muçulmana que agora governa o Egipto, ter tomado conta da faixa de Gaza no que esteve perto de se tornar na primeira guerra civil palestiniana[11]. Desde então, Israel e o governo de Gaza têm mantido um estado de guerra que levou a uma invasão total em 2008. Israel mantém ainda um bloqueio ao território deixando passar apenas o mínimo essencial à sobrevivência da população. Este bloqueio é considerado ilegal pela maioria dos especialista em direito internacional[12]. Por outro lado, quer o Hamas quer o governo israelita foram acusados pelas Nações Unidas, no famoso relatório Goldstone liderado pelo juiz Richard Goldstone, de crimes de guerra[13] durante a Operação Cast Lead de que falamos anteriormente. Não ficarei de todo surpreendido se daqui a uns meses estivermos a ler um novo relatório a dizer rigorosamente o mesmo.
Mas não obstante as dificeis condições em Gaza, os eventuais rockets Qassam atirados sobre Sderot[14] e os ocasionais ataques da força aérea israelita[15][16], a situação parecia nos últimos meses estar relativamente controlada. É complicado aceitar isto como uma situação normal, mas comparado com o que estamos a ver hoje, era menos mau.
No final de Outubro, o Emir do Qatar Sheikh Hamad bin Khalifa Al Thani tornou-se no primeiro chefe de estado a visitar a faixa de Gaza desde que o Hamas tomara o controlo da mesma[17]. Prometeu investimentos e ajudas para reconstruir o país e beneficiou de, com a queda do governo de Mubarak no Egipto e da subida da Irmandade Muçulmana ao poder, Gaza ter agora acesso ao mundo e um novo aliado às portas. Também o Primeiro Ministro egípcio, Hisham Qandi, foi também ao território confirmar esse apoio já em plena crise (no dia 16 de Novembro)[18] declarando publicamente que o mundo tem que parar a "agressão israelita em Gaza". Uma outra das estrelas da Primavera Árabe, a Tunísia, através do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros Rafik Abdesslem visitou a cidade de Gaza afirmando que "[Israel] não tem total imunidade e não está acima da lei internacional".
Apenas horas depois do Emir do Qatar sair de Gaza, Israel e o Hamas já voltavam à sua rotina. O Hamas atirando com morteiros e foguetes enquanto a Força Aérea Israelita bombardeou causando 4 vítimas[19].
A partir daí, os relatos são confusos porque ambos os lados justificam todas as suas acções como auto-defesa ou contra-ataques. Nas suas mentes endurecidas por décadas de violência, tudo o que fazem é compreensível e não existe nenhum outro caminho a seguir. Para os civis de ambos os lados, a vida é um inferno vivendo sob uma chuva constante de ataques[20][21].
Eu próprio, que procuro acompanhar os acontecimentos na Palestina com algum cuidado por lá ter vivido durante anos, quando olho para trás vejo o erro que é procurar cair na discussão de quem começou primeiro. Um lado e outro (à semelhança do que acontece na fronteira norte de Israel entre este e o Hizbullah) mantém normalmente um certo nível de violência. Depois fazem os seus planos e utilizam o seguinte ataque do adversário para iniciar o seu próprio movimento, tipicamente preparado com bastante antecedência. Aconteceu assim em 1982, como ficou brilhantemente descrito em "Israel's Lebanon War" dos israelitas Ze'ev Schiff e Ehud Ya'ari[22]. E voltou a acontecer o mesmo, nas palavras da própria imprensa israelita que admite que "A resposta de Israel de quarta-feira estava planeada há muito mas tinha sido adiada devido à campanha eleitoral"[23].
Mas alguns eventos são relativamente claros, embora nem todos tenham tido a mesma reprecursão na imprensa internacional. No dia 5 de Novembro, o IDF (forças armadas israelitas) admitiu ter morto um palestiniano desarmado que se aproximou demasiado da barreira que separa Gaza de Israel no dia anterior[24]. O homem, que não reagiu aos avisos feitos pelos militares israelitas sofria de perturbações mentais e foi alvejado por não se ter afastado. Infelizmente não fico surpreendido pelo evento. Nas anos que passei na Palestina tive que cruzar check points israelitas centenas de vezes, para além das entradas nas fronteiras terrestres (para a Jordânia) e no aeroporto Ben Gurion (perto de Tel Aviv). Diz-me a experiência que embora estas travessias (em especial as das fronteiras) fossem lentas e aborrecidas, normalmente não eram arriscadas. Não era incomum ser revistado e interrogado inúmeras vezes e passar 4 a 6 horas no processo de segurança. O processo era mais simples e mais profissional quanto mais velhos e experientes fossem os militares ou seguranças envolvidos no processo. No entanto, por vezes tinha o azar de encontrar alguns acabados de entrar no serviço. E com esses assisti ou fiz parte de algumas situações bastante mais complicadas. Numa ocasião, num check point à saída de Nablus (Cisjordânia) um jovem militar israelita que parecia ainda não ter saído da adolescência entrou subitamente em pânico quando se apercebeu que eu tinha um casaco vestido, enquanto os restantes passageiros estavam apenas de t-shirt. O facto de ser um pouco mais friorento que os meus colegas valeu-me um susto grande já que o guarda acreditou que eu poderia ser um bombista suicida e o casaco esconder os explosivos. Apontou-me a M16 (salvo erro) ao peito enquanto dava alertas e me gritava num inglês difícil de compreender para abrir o casaco imediatamente. A situação também era resultado de umas horas antes um comando israelita (provavelmente do Shin Bet) ter entrado na cidade de Nablus para uma operação na cidade e de cidade ter sido fechada ao mundo durante horas, mas essa história ficará para outro dia. Numa outra situação, esta no check point imediatamente antes de chegarmos ao Aeroporto de Ben Gurion, o meu taxista (apropriadamente chamado Arafat) estava preocupado por o guarda que fazia a revista ao seu Mercedes novinho em folha estar a ser muito pouco cuidadoso. Enquanto procurava bombas debaixo do carro, com um espelho pendurado na ponta de um tubo de ferro, o aparelho acertava continuamente no carro deixando o pobre Arafat desesperado. O jovem militar israelita entrou subitamente em stress quando viu a forma como o taxista olhava para ele, apontou-lhe uma arma ao corpo e desatou aos gritos. Só a intervenção de um militar mais veterano impediu que a troca de palavras que se seguiu acabasse de forma mais dramática.
Mas voltemos ao incidente que levou à morte do doente mental palestiniano. Não é difícil imaginar que algum soldado mais inexperiente tenha disparado em pânico. Terá sido provavelmente um acidente. Típico quando há armas a mais e juízo a menos, mas ainda assim um acidente. Mas existe ainda outra questão em relação a esse disparo, que é a total impunidade de qualquer militar israelita quando mata um palestiniano. Essa inexistência de accountability leva também a que estes eventos se repitam em inúmeros check points. Seja porque alguém não ouviu a ordem, porque não a compreendeu (sei por experiência que muitas vezes as ordens são dadas em hebraico e não em árabe ou inglês), ou qualquer outro motivo. O facto é que todos sabem que nada acontecerá a um israelita que dispare num palestiniano. E isso já é um problema político e uma questão de justiça, não um acidente. Para piorar, neste caso específico, as equipas médicas do lado de Gaza foram impedidas de se aproximar do homem durante horas, acabando este por morrer[25]. Não sou jurista, mas quase que aposto que isto seria um crime de guerra, se estes crimes se aplicassem a todos os países e não só aos derrotados.
Uns dias depois, a 8 de Novembro, Ahmed abu Daqqa de 13 anos, é morto a tiro enquanto jogava futebol com os amigos a cerca de 1500 metros de um posto israelita. Morreu pouco depois[26].
Durante todo esse período, também o Hamas não esteve parado. Entre dia 4 e 9 de Novembro, cinco rockets Qassam foram atirados sobre território israelita sem causar feridos ou mortos. A partir de dia 10, os ataques intensificam-se com 25 rockets atirados no dia 10 e cerca de 100 no dia que se seguiu.
A 14 de Novembro, Israel inicia a Operação Pilar de Defesa assassinando Ahmed Jabari, líder militar do Hamas[27] e alegadamente envolvido no rapto do soldado israelita Gilad Shalit[28]. No seguimento do ataque, ambos os lados sobem a parada e no dia seguinte já tinham perdido a vida 3 israelitas e 11 palestinianos, na sua maioria civis[29]. Pela primeira vez desde a guerra do Golfo (em 1991, quando Saddam disparou um grande número de mísseis Scud sobre Israel[30]) que ninguém nas principais cidades israelitas ouvia as sirenes de alerta de ataque. Agora voltou a acontecer em Jerusalém[31]. Também Tel Aviv foi alvo de mísseis disparados de Gaza[32]. Para já o novo sistema de defesa israelita Iron Dome tem conseguido interceptar uma parte considerável dos ataques, mas o facto de existirem já 3 vítimas civis israelitas prova que não é um sistema perfeito[33].
Neste momento em que vos escrevo (madrugada de 17 para 18 de Novembro), acabo de ouvir na SIC Notícias Henrique Cymerman anunciar que mais de 1000 rockets foram disparados da faixa de Gaza e mais de mil ataques aéreos e navais foram feitos pelas forças israelitas. Dezenas de milhares de reservistas estão a ser chamados para a fronteira de Gaza e toda a gente se prepara para o pior.
Veremos que novidades os próximos dias nos trarão. Mas só podemos esperar o pior. Infelizmente devemos estar prestes a ver mais uma invasão. Mais combates no meio de civis. Mais umas centenas ou milhares de vítimas que não têm para onde fugir. Mais um ataque com os indescritíveis IDF Caterpiller D9[34]. Mais uma guerra que deveria acabar com a "infraestrutura terrorista", mas que servirá apenas para criar milhares de novos recrutas para os movimentos fundamentalistas islâmicos. Nem tudo é igual. A nível político (em especial para a Irmandade Muçulmana) está muito em jogo. Mas para os civis de um lado e outro, voltamos ao mesmo. Uma guerra que é ainda pior do que a podre paz em que viviam.
Caro António
ResponderEliminarEste conflito tem data de inicio, 1947.
Antes desta data , judeus, cristãos e muçulmanos, viviam em conjunto partilhando aquela terra.
Pouco antes de 1947, árabes e judeus unem-se para expulsar os britânicos.
Nas nações unidas, embaixadores são subornados, ameaçados, etc, para votarem a favor da criação do estado de Israel.
Depois, é o que todos sabem.
A única saída para os palestinianos é este conflito devastador, especialmente para eles, como mais esta vez fica demonstrado.
Enclave de Cabinda. Tem ouvido falar alguma coisa sobre este problema? Não. A última vez que se ouviu falar nele foi quando uns portugueses foram raptados. Como não fizeram mais nada, a situação vai-se prolongando até que seja um dado adquirido a absorção definitiva deste por Angola.
Quando parará o conflito entre Israel e palestina?
Ou quando os sionistas tiverem atingido o seu objectivo, o grande Israel (que inclui terras da Turquia, Iraque, Síria, Arábia Saudita e Egipto), ou quando o mundo compreender este propósito, ou quando compreenderem que as vítimas são os palestinianos (muçulmanos ou cristãos) (e depois todos os outros se o plano sionista for em frente).
Boa noite Carlos
EliminarNão concordo que o problema tenha começado só em 1947, embora essa seja sem dúvida a mais importante das datas no que toca ao conflito do Médio Oriente. Antes disso os problemas já eram mais do que muitos desde a queda do Império Otomano. O Império Britânico não foi capaz de controlar a zona e devido aos às diferentes promessas que fizera a judeus e árabes, teriam que acabar por trair um dos lados. Usaram os árabes para lutar contra os otomanos na primeira guerra e depois os judeus para conseguir o apoio americano antes da entrada destes na guerra.
Sobre o enclave de Cabinda tenho muito pouca informação. Infelizmente a minha vida nunca me levou a essas paragens e pouco nos chega aos media. Não tenho por isso opinião formada sobre o assunto. Mas temo que o nosso desconhecimento generalizado possa levar a que terríveis abusos sejam cometidos sem qualquer oposição.
Sobre o Eretz Israel, felizmente a maioria dos israelitas já se deixaram dessas ideias. Mas não todos, em especial na extrema direita e nos judeus ortodoxos. Esses parecem dispostos a continuar a derramar sangue até que consigam tamanha loucura.
Os melhores cumprimentos,
António
Caro António,...
ResponderEliminarExpresso - “Quando o governo israelita cria colónias civis, centros militares e checkpoints no meio do West Bank a centenas de metros (por exemplo) da casa do presidente Abbas, está precisamente a usar civis na "frente de combate".”
… ou será, caro Terrível... hahahaha....
Ai vai ganhar uma série de seguidores vai. Ai vai vai.
Há verdades que são para continuar escondidas... aliás à vista de todos, mas não são para ninguém ver...
Mais uma vez se esfumou a ideia de que uns têm ética e os outros não.
Esta não vou esquecer tão cedo. Hahahaha
Acho que não tenho muitos seguidores de qualquer forma. A esquerda não gosta de mim por causa das minha opiniões sobre economia e política nacional. A direita não gosta de mim por causa da minha opinião sobre diplomacia e direitos humanos.
EliminarEu trabalhei em dois escritórios diferentes em Ramallah, na Palestina. Dos dois conseguia ver bandeiras israelitas. Num deles (mais exactamente em Al Bira, arredores de Ramallah) tinha a uns 100 metros a casa do Presidente Abbas numa janela e na janela do outro lado a uns 300 metros um posto militar israelita.
Com tempo, pode ser que eu consiga colocar todas as experiências por que passei enquanto lá estive neste blog. Como me disse uma pessoa que também la trabalhou "an eye opener...".
Os melhores cumprimentos,
António