terça-feira, 31 de julho de 2012

O Lóbi de Israel

Book Review

Publicado em Portugal pela Tinta da China e escrito por John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt, "O Lóbi de Israel e a Política Externa dos EUA" é um livro fascinante que nos leva ao mundo sinistro da política e da diplomacia.

No nosso país, o próprio termo "lóbi" tem uma tal conotação negativa que é usado quase exclusivamente como um insulto ou no âmbito de processos criminais. Obviamente Portugal também tem grupos de interesse, mas não são organizados e legalizados da mesma forma que nos Estados Unidos. Obviamente, também não têm a sua dimensão nem a mesma capacidade de influenciarem os rumos do mundo.

Um dos grandes méritos do livro é que é sério. Não é anti-semita, anti-judeu ou anti-israelita. Não entra sequer na questão se deveriam ou não existir lóbis, mas limita-se a estudar o fenómeno deste lóbi que é tido por muitos políticos americanos como o mais eficaz e agressivo de todos os grupos de interesse a trabalhar em Washington.

A lógica do livro é explicada logo nas suas primeiras páginas e fica perfeitamente definida no seu índice. A primeira parte trata a relação dos EUA com o Lóbi. Começa por provar a relação especial que existe entre os dois países e o apoio financeiro, diplomático e militar que transforma o estado norte americano no "grande benfeitor" de Israel. Depois desmonta os dois grandes argumentos utilizados para explicar esse apoio: o de trunfo estratégico e o da questão moral.

Estrategicamente, a terra santa não é particularmente interessante para os EUA já que não tem nenhum recurso único, escasso ou fulcral para a economia americana. Também o argumento utilizado durante décadas de que Israel seria o único estado que poderia por travão às ambições soviéticas na região, não só está obsoleto, como mesmo antes de 1989 tinha sérias falhas (já que foi o apoio americano a Israel forçou muitos países a pedirem apoio a Moscovo dadas as dificuldades em travarem o estado judáico). Para além disso, mesmo sendo Israel de longe a maior potência militar do médio oriente o facto de ser um estado-pária na região faz com que os próprios americanos não os queiram como aliados nas guerras em que a América se envolve, pelo risco de provocar uma união entre todos os outros do lado contrário. Isto viu-se por exemplo em 1991, durante a operação Tempestade no Deserto, onde não obstante os misséis Scud iraquianos cairem em grandes números sobre Israel, os EUA pediu para que eles nunca retaliassem. O mesmo aconteceu em 2003, quando os norte americanos regressaram para finalizar o trabalho, em que uma aliança de inúmeros países apoiou os estados unidos mas onde Israel ficou novamente de fora. Por fim, o apoio a Israel tem dificultado grandemente a posição política dos aliados árabes dos EUA devido às populações que consideram os seus líderes como fantoches por não se imporem face à flagrante dualidade de critérios dos EUA entre as acções feitas pelos governos israelita e árabes.

Em termos morais, o argumento também é desfeito de várias formas. Por um lado, são muitos os sinais de que o estado judáico representa muito mais um Apartheid do que um estado democrático ocidental. As leis não são independentes da etnia ou religião, e execução destas muito menos. Se o apoio massivo americano dependesse de uma motivação moral, então ele deveria crescer ou diminuir consoante as suas acções. No entanto essa relação não existe. Podemos ver isso quando novos colonato ilegais são construidos por Israel na Cisjordânia, quando invadiram o Líbano contra a vontade americana, etc. em que não houve qualquer diminuição dos fundos concedidos.

Em seguida, o livro trata do que é o lóbi propriamente dito. Não é uma conspiração, não tem uma liderança única nem controla directamente o governo americano. São um conjunto de instituições judaícas conservadoras complementado pelos sionistas cristãos, os neo-conservadores e muitos outros cidadãos americanos que de uma forma ou outra se juntam à causa de Israel. Nem sempre concordam uns com os outros embora façam um esforço notório para manter as suas diferenças longe do grande público. Nunca criticam Israel independentemente de quem é o governo num determinado momento e trabalham a vários níveis influenciando políticos, o mundo académico e - claro - a opinião pública.

Regra geral, os seus métodos são considerados legais nos Estados Unidos embora em algumas situações tenham ultrapassado as marcas. Tipicamente financiam enormes somas de dinheiro para as eleições de congressistas e senadores depois de estes provarem o seu compromisso para com o lóbi e o estado de Israel. Em casos em que algum membro eleito faz frente ao lóbi, procuram no mercado uma alternativa e encontram investidores de todo o país para promoverem este novo aliado. Noutras situações, acusam publicamente personagens que não lhes são próximas de anti-semitismo, organizam e financiam think-tanks de forma a inundar os jornais de artigos de opinião e notícias que sigam os seus interesses e procuram alterar nomeações de professores e conferencistas que não os agradem. Em muitos casos, os seus alvos são judeus que não seguem o discurso pré-definido internamente.

Na segunda parte do livro, os autores mostram como o lóbi se moveu para apoiar financeira, militar e diplomaticamente o estado judaico em diferentes situações tais como o conflito israelo-palestiniano, o Iraque, Síria, Irão e Líbano. Embora todos estes casos estejam muito bem expostos e documentados por Mearsheimer e Walt, o mais interessante na minha opinião foi o da invasão do Iraque de 2003: ao contrário do que muitos defendem, eu próprio já coloquei neste blog o documentário "The Oil Factor: Behind the War on Terror" que segue essa linha de raciocínio, estes autores procuram provar que o motivo estará muito mais na actuação do Lóbi de Israel do que dos Lóbies do Petróleo e Armamento. A sua opinião está extremamente bem defendida e é um dos mais intrigantes capítulos do livro, principalmente porque na época a opinião pública anti-guerra apontou o dedo aos outros dois grupos de interesse referidos.

No seu final, o livro dedica-se às formas que existem para tentar controlar a influência deste lóbi, reverter os danos causados e garantir que os interesses do país (os Estados Unidos no caso) são colocados à frente dos interesses de nações estrangeiras. O caminho que indicam resume-se a:

- identificar os interesses dos EUA no Médio Oriente
- delinear uma estratégia para proteger esses interesses
- desenvolver uma nova relação com Israel
- pôr fim ao conflito israelo-palestiniano (solução de dois estados)
- transformar o lóbi numa força construtiva

Resumindo este novo roteiro, o que se propõe é que os Estados Unidos voltem a comportar-se como árbitro e não como player. Que obrigue - e dada a dependência da ajuda externa quer de Israel quer da Palestina têm isso é possível - a que ambos os lados cedam oferecendo a ambos plena independência e segurança, normalizando as relações de Israel com todos os países árabes (ou seja, pegando novamente no plano saudita entretanto minado e encostado por influência do próprio lóbi). E ainda a criação de novos lóbies judaicos que representem a pluralidade de pensamento que existe na comunidade judaica-americana.

Tudo isto pode parecer utópico, mas como já aqui escrevi inúmeras vezes, não existe outra solução senão continuar a tentar. E pelo menos um raio de esperança nasceu depois da publicação deste livro: em Abril de 2008, um novo lóbi judaico - J Street[1] - tem crescido com ideias muito diferentes dos seus rivais AIPAC, American Jewish Committee, Anti-Defamation League entre outros actores principais do chamado Lóbi de Israel. Este grupo de interesse tem ganho cada vez mais importância e junta a sua voz ao que todo o mundo, incluindo muitos israelitas e palestinanos, pede: paz no Médio Oriente.



sexta-feira, 27 de julho de 2012

Prisões e os direitos do homem

Uma das coisas que mais me causa repulsa é a facilidade com que a esmagadora maioria dos nossos concidadãos vive com o mal dos outros. Abundam as expressões brejeiras sobre o assunto e que não me vou sequer dar ao trabalho de reproduzir aqui.

Felizmente, por vezes, o país levanta-se ruidosamente e espantado com situações inadmissiveis, que chegam a público devido aos esforços corajosos e solitários de um pequeno número de jornalistas que agarram no assunto e não o largam até que o país inteiro o conheça e que os políticos sejam obrigados a actuar sobre o assunto.

Um exemplo perfeito foi o processo Casa Pia[1] que explodiu em Setembro de 2002 pelas mãos da jornalista Felícia Cabrita[2]. Não me vou alongar sobre os detalhes do caso, que são totalmente do conhecimento público e cujo o final tarda em acontecer. Queria pegar apenas no facto de para além de ser um caso de pedofilia a situação torna-se ainda mais grave por ter sido cometido sobre crianças que estavam à guarda do Estado. Ou seja, não só são crimes horrorosos, como aconteceram quando o país deveria estar a tomar conta delas.

Mas não são só os orfãos que estão à guarda do estado. Também os prisioneiros se encontram na mesma situação. Por motivos diferentes, claro, mas ainda cidadãos que detêm todos os seus direitos excepto os previstos pela lei relativos à perda de liberdade temporária. E os casos de violações, violência e escravidão nas cadeias de todo o mundo são comuns ainda nos dias de hoje. Mostrados regularmente e com uma aceitação total por parte da população. Vemos essas situações em séries de prime time como Prison Break  (um filme passado recentemente) ou em filmes passados durante o séc.XX, como "Os condenados de Shawshank". Mas não é Hollywood que está enganada, nem isto é um fenómeno exclusivo americano. Os relatos destas situações são mais do que muitos e vêm referidos pelas organizações não governamentais, instituições internacionais e pelos media de todo o mundo[3][4][5][6][7]. Nem vale a pena pegar em detalhe nos casos mais conhecidos como os abusos cometidos no Egipto pela sórdida polícia secreta Mukhabarat[8], pelo Shin Beth israelita[9] ou em casos mais mediáticos como os prisioneiros das forças de ocupação americana em Abu Graib[10] e Guantánamo[11].

Qualquer um destes relatos deixaria um cidadão comum com o estômago às voltas. No entanto, e desde que não se entre em demasiados detalhes, a opinião geral parece ser de que eles têm o que merecem. Quando esse tipo de argumentos absurdos costumo fazer o seguinte desafio:

"Se um detido merece ser violado e espancado repetidamente durante todos os dias que passa numa cadeia, então coloquem isso na lei!"

É que o conceito de Justiça, e é esse um dos motivos porque existem tribunais, é precisamente o de dar uma pena aos criminosos de forma a que possam aprender a lição e voltem a ser cidadãos integrados na sociedade e, ao mesmo tempo, servirem como exemplo para outros que possam ser tentados a cometer os mesmos crimes. Se acreditam sinceramente que é isso (violações e violência) que eles merecem então escrevam isso na lei.

Por algum motivo que desconheço, quando a conversa chega a este ponto normalmente acaba. Tipicamente quem defende a total ausência de direitos dos detidos são pessoas ligadas à direita, e normalmente as mesmas que depois acusam todos os mil milhões de muçulmanos de serem atrasados porque no Irão ainda existem penas físicas (chicotadas, apedrejamentos, etc.). No entanto quando lhes dizemos que em Portugal e muitos outras "nações civilizadas" as penas físicas existem - simplesmente não são oficiais - não conseguem deixar fugir o sentimento de que "eles merecem".

Para deixar clara a minha posição: os prisioneiros estão à guarda do estado e devem cumprir a pena definida por lei, nada mais. Essa pena não incluí espancamentos, violações nem suícidios. É uma vergonha para o nosso país que isso aconteça e que não se faça muito para o impedir, e uma vergonha ainda maior que tanta gente encolha os ombros como se nós - enquanto cidadãos - nada tivessemos que ver com o assunto ou os prisioneiros mercessem tal tratamento.

Dostoyevsky terá dito um dia que "a civilização pode ser medida pela forma como trata os seus prisioneiros". Onde é que isso nos deixa?

quarta-feira, 25 de julho de 2012

A lotaria do útero

Dubai - Sheikh Zayed Road
O assunto que aqui trago hoje encontra-se para nós - portugueses - ao nível da ficção científica. São os "problemas de ricos", neste caso dos Emirados Árabes Unidos, país do golfo pérsico que, como se sabe, é um dos maiores produtores mundiais de petróleo e detendo as sextas maiores reservas do mundo deste recurso[1]. A isso acresce o facto desta federação de sete emirados ter uma população relativamente pequena, cerca de 8 milhões de habitantes, mas dos quais apenas 16,6% são cidadãos emiratis, ou seja menos de um milhão e meio. A sua capital, Abu Dhabi, é considerada a mais rica cidade do mundo[2], e tem o maior fundo soberano do planeta estimado em 627 mil milhões de dólares (o que significa que poderia dar cinco vezes a ajuda financeira que portugal recebeu da Troika)[3].Os cidadãos deste país beneficiam de extensos subsídios para além de educação e saúde totalmente por conta do estado. A sua maior cidade, o Dubai, tem o maior arranha-céus do mundo, o Burj Khalifa, e muitas outras obras marcantes de engenharia e arquitectua tais como a Palm Jumairah, o hotel "7 estrelas" Burj Al Arab e as belíssimas Emirates Towers que abrem a zona central da avenida Sheikh Zayed, talvez a mais famosa de todas as avenidas do Médio Oriente. O país é hoje um hub de turismo, aviação, media, tecnologias de informação, portos indústria naval e - claro - petrolífera. O seu PIB per capita atinge os 48.000 USD anuais, colocando-o consistentemente nos 10 países mais ricos do mundo[4], mais do dobro do português que se encontra por volta do lugar 40 entre os quase 200 países do mundo.

Abu Dhabi - Emirates Palace
Desta forma, os jovens dos Emirados Árabes Unidos saem das universidades com expectativas totalmente irrealistas dos salários que devem receber e dos cargos que devem ter. Com os salários da função pública altíssimos, praticamente toda a população local recusa-se terminantemente a trabalhar no privado. Os salários são baixos, os benefícios menores e provavelmente terão que ter chefes estrangeiros. Foi a isto que o empresário emirati Mishal Kanoo, presidente do Kanoo Group[5], definiu como "the lottery of the womb". Num artigo em 2011 para o jornal local de língua inglesa The National, Kanoo alertava para os perigos dessas ideias e a forma como estavam a definir a própria cultura dos cidadãos dos EAU. Basicamente os jovens do seu país consideravam "merecer" um bom trabalho porque tinham ganho a lotaria do útero[6]. Para além disso, critica duramente a política de emiratização posta e prática e que força quotas de cidadãos locais nas empresas privadas. O que sempre ouvi foi que os salários locais são de tal forma altos que compensa mais pagar as multas do que contratar o tal número mínimo de emiratis. Mas não comprendi a dimensão do problema (ou melhor, dos salários dos recém graduados) até começar a ler outras notícias relacionadas com o tema. Uma notícia na BBC sobre o programa de emiratização, de Março deste ano, anunciava que apenas 5% dos empregados do sector privado eram locais, enquanto representavam 60% a 70% dos funcionários públicos[7]. Em termos de procura de emprego, 90% dos emiratis desejam encontrar trabalho como funcionários públicos[8]. Também igualmente exemplificativa é um outro artigo de opinião do The National escrito por Ali Al Saloom, onde relata que o seu bom nome assim como o da sua família foi seriamente afectado por ter trabalhado enquanto jovem num hotel pelo "indigno" salário de 3.500 Dirhams (cerca de 780 euros) por mês, para além de que quando contrata pessoas e espera pagar 3.000 a 5.000 Dirhams mensais (para um estrangeiro), os jovens emiratis pedem pelo menos 20.000 Dirhams (cerca de 4.500 euros)[9]. E para comprovarmos que Ali Al Saloom não está errado nas suas previsões, deixo ainda aqui uma notícia de um outro jornal local, o 7 Days, que fez primeira página em Maio do corrente ano, que relata um estudo da UAE University, que concluiu que 10% dos jovens dos EAU entre os 18 e 23 anos espera receber no primeiro emprego entre 35.000 e 50.000 Dirhams (7.900 e 11.250 euros) mensais. Para além destes, outros 30% têm as suas expectativas acima de 25.000 Dirhams (5600 euros)[10].

Como disse inicialmente, para nós portugueses, tudo isto parece vindo do espaço. Com um salário mínimo abaixo dos 500 euros e um salário médio a rondar os 900 euros[11], é-nos bastante difícil sermos solidários com este tipo de dificuldades sentidas por pessoas que muito pouco têm a temer em relação às suas perspectivas financeiras futuras. Mas não deixa de ser um problema e grave. Que acontecerá quando o petróleo acabar ou for subsituído por outra tecnologia? Que futuro estará reservado (como perguntava o 7 days) aos potenciais Bill Gates e Steve Jobs deste país quando são levados para o conforto de uma vida de privilégio e sossego profissional absoluto? Quem é que irá emigrar, aprender diferentes formas de trabalho, aventurar-se para ambientes altamente competitivos e ganhar com todas essas experiências?

Estão longe de ser estes os nossos problemas, mas não deixam ser questões relevantes e que definirão o futuro da região no longo prazo. E mostra-nos a história que é pelo Médio Oriente que começam e acabam uma parte relevante dos problemas geo-estratégicos do mundo. De qualquer forma, Deus queira que um dia Portugal possa enfrentar este tipo de desafios...

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Islamofobia

Owen Jones - The Independent
Artigo escrito no jornal inglês "The Independent" por Owen Jones sobre a questão da islamofobia. Talvez o melhor artigo sobre o assunto que tenho lido. A lógica é simples: pegue-se no que é dito diariamente por figuras públicas, líderes de opinião e meros mortais como qualquer de um nós e imagine-se o que aconteceria se substituíssemos a palavra Islão por Judaísmo e muçulmano por judeu. Felizmente o anti-semitismo hoje em dia é residual (para além do insulto fácil utilizado regularmente para quem critica alguma política do governo israelita) mas a islamofobia está viva e de boa saúde. E é assim que líderes populistas e sem escrúpulos conseguem - se tiverem o contexto certo - levar povos inteiros a apoiar e cometer os mais aboníveis crimes, como aconteceu há sete décadas atrás.

Owen Jones: Islamophobia - for Muslims, read Jews. And be shocked


Imagine our alarm if nearly half the UK population said they believed that 'there are too many Jews'

To be a prominent Muslim means suffering a daily diet of bigotry and even outright hatred. This week, Mehdi Hasan – who, other than my colleague Yasmin Alibhai-Brown, is Britain's only prominent Muslim journalist – wrote of how, every day, he is attacked as a "jihadist" and a "terrorist". He has been described as a "dangerous Muslim shithead", a "moderate cockroach", and worse. The message from his critics is clear: Muslims have no legitimate place in public life.
Mehdi Hasan was right to speak out, but it must not be left to Muslims alone to take on this bigotry. A tide of Islamophobia has swept Europe for many years, and – shamefully – all too few have taken a stand. Even many who regard themselves as "progressives" have either remained silent or even indulged anti-Muslim prejudice. It's time for Muslims and non-Muslims alike to join forces against the most widespread – and most acceptable – form of bigotry of our times.

Think I'm exaggerating? Consider that the far-right's main target of choice is no longer Jews or black people: it's Muslims. The BNP portrays itself as a crusade against the "Islamification" of Britain; in the 2010 election, it launched a "Campaign Against Islam". Its leader, Nick Griffin, describes Islam as "wicked" and a "cancer", and has blamed Muslims for problems such as drugs and rape. The English Defence League stages frequent – and often intimidating – street rallies protesting against Muslims.

But anti-Muslim prejudice isn't simply confined to the far-right fringes. I attended a Stockport sixth form with a large Muslim student population. The reality of their lives is all but airbrushed out of existence. When they appear at all, it's generally as fanatics, extremists or a community somehow "harbouring" dangerous extremists. (When do Britain's whites face the absurdity of being called on to crack down on far-right fanatics supposedly in their ranks?) One study took a selection of newspapers in a single week: 91 per cent of reports featuring Muslims were negative.

One of my Muslim fellow students was Dr Leon Moosavi, fast becoming a national authority on Islamophobia. He battles against the widespread denial that anti-Muslim prejudice is a problem. But consider that, in one poll conducted by the Friedrich Ebert Foundation, 45 per cent of Britons agreed that "there are too many Muslims" in Britain. Imagine if nearly half the population admitted to believing that "there are too many Jews" in Britain: how loud would our alarm be?

Of course, it is not just a British problem: the poison of Islamophobia has infected Europe's political mainstream. According to a Pew Research Center survey, nearly six out of 10 Europeans believe that Muslims were "fanatical", and half believed they were "violent". As here, the European far-right aims fire at Muslims above all other groups. In the Netherlands, an anti-Muslim party led by Geert Wilders is the third largest in parliament. Wilders compares the Koran to Mein Kampf, calls Islam a "Trojan Horse" in Europe and demands that the country's 850,000 Muslims be paid to leave the country. Wilders doesn't languish on the fringes: the current Dutch cabinet depended for two years on his party's support.

Or take sleepy Switzerland, where the Swiss People's Party (SVP) is the biggest party in the country's Federal Assembly. The SVP won a referendum on the banning of minarets, which the party's general secretary described as "symbols of Islamic power". During the vote, Geneva's mosque was repeatedly vandalised. Farhad Afshar, the president of the Coordination of Islamic Organisations, had no doubt what signal was sent by this vote: "that Muslims do not feel accepted as a religious community". But it gets even darker than that. In June, the Zurich-based SVP politician Alexander Müller was forced to stand down after tweeting: "Maybe we need another Kristallnacht… this time for mosques." The parallels with anti-Semitism could not be more overt.

In France – where recently 42 per cent polled for Le Monde believed that the presence of Muslims was a "threat" to their national identity – a record number voted for the anti-Muslim National Front in April's presidential elections. Denmark's third largest party is the People's Party, which rails against "Islamisation" and demands the end of all non-Western immigration. The anti-Muslim Vlaams Belang flourishes in Flemish Belgium. But those who take a stand against Islamophobia are often demanded to qualify it with a condemnation of extremism. When is this ever asked of other stands against prejudice? When we condemn anti-Semitic hate, must we criticise repressive Israeli policies in the same breath? It would be absurd – they are completely separate issues, and indeed millions of Jews across the world oppose the actions of Israel's government.

Anti-Muslim hate is a European pandemic. I'm proud to stand with Mehdi Hasan and other Muslims facing Islamophobia. But – I implore, I beg fellow non-Muslims – stand with them too, before this hatred spirals further out of control.

(fonte: theindependent)

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Palestina: Esquerda vs Direita

Um fenómeno estranho e que sempre achei curioso é a forma quase perfeita como conseguimos catalogar a posição que cada um tem em relação ao conflito israelo-palestiniano baseados na posição política nacional (esquerda ou direita). As convicções são tais que são imunes a factos e desenvolvimentos. Diferentes governos tomam posse quer em Israel quer na Palestina, mas o apoio que cada um recebe do resto do mundo é sempre rigorosamente na mesma direcção.

E isto leva a alianças curiosas: os comunistas por exemplo, acabam muitas vezes aliados aos fundamentalistas islâmicos, quando os primeiros são o mais longe que pode haver de políticas baseadas na palavra dos livros sagrados. A União Soviética, o exponente máximo desse fundamentalismo ateu, tinha como um dos seus objectivos iniciais a total erradicação da religião[1]. Certamente todos nos lembramos da famosa frase de Marx onde trata a religião como "o ópio do povo"[2]. Carlos Chacal, o mais famoso de todos os terroristas - até Bin Laden ocupar esse trono - e Marxista-Leninista convicto, lutou na Jordânia e no Líbano integrado na PFLP (Popular Front for the Liberation of Palestine), assim como em raids na europa dos quais o mais famoso foi o ataque ao quartel general da OPEC em Viena, Áustria. E também o mesmo Chacal, em 2001 já preso em França, converteu-se ao Islão e escreveu dois anos depois um livro entitulado de "Islão Revolucionário"[3]. Na Palestina, as t-shirts de Che Guevara são comuns entre os jovens e este revolucionário argentino é visto como um herói quer entre os apoiantes da Fatah (seculares) como do Hamas (islâmicos).

Em Portugal, o PCP e BE são consistentemente pró-palestinianos enquanto o PSD e o CDS são inevitavelmente pró-israelitas. O PS comporta-se dependendo de estar no poder ou não.

O Partido Comunista Português, em nota do gabinete de imprensa em Setembro de 2011, anuncia que "apoia o reconhecimento da Palestina como Estado membro da ONU" e deixa bem explícito que as fronteiras devem ser as reconhecidas antes de 1967 e com Jerusalém leste como sua capital. Se até aqui esta nota poderia parecer uma simples e directa posição pela solução de dois estados, mais à frente encontramos verdadeiros juízos de valor ao estilo "bons vs maus"[4]:

Assim, o PCP exige do governo português (...) um inequívoco posicionamento no Conselho de Segurança, na Assembleia Geral da ONU, bem como no seio das Instituições Europeias em que participa, de apoio a esta legítima reivindicação do povo palestiniano, sucessivamente negada quer pela hipocrisia da chamada "comunidade internacional" quer pela criminosa acção do Estado israelita.

Cerca de um mês antes, o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda entrega um documento muitíssimo bem escrito (e muito menos emocional do que o do PCP)na Assembleia da República, onde recomenda ao governo o reconhecimento do estado palestiniano[5]. O documento realça o grande número de países que já reconheceram a Palestina e explica os motivos do seu apoio incluindo as várias resoluções das Nações Unidas, a violação sistemática e deliberada dos direitos humanos nos territórios ocupados e a barreira de segurança, cujo Tribunal Internacional de Justiça já condenou em 2003. A posição do BE não é tão radical como a do PCP já que evita totalmente os juízos de valor e procura fundamentar a sua recomendação em resoluções da ONU, nas suas leis fundamentais, nos direitos humanos e na posição da comunidade internacional.

O Partido Socialista mantém a sua rota sinuosa dependendo da sua posição dentro ou fora do governo. No final de 2011 (já fora do governo), critica a posição do governo português (PSD/PP) por se ter abstido na votação sobre a adesão Palestina a UNESCO por "considerar que ela diverge da orientação seguida nos últimos anos pelo país em relação ao Médio Oriente"[6]. No entanto, uns meses antes (quando José Sócrates era ainda chefe de governo), juntou-se ao PSD para rejeitar as propostas de reconhecimento do estado da Palestina (propostas redigidas pelo PCP, BE e PEV) e até escrevendo um texto conjunto com PS/PSD. Ou seja, quando no poder, submete-se à realpolitik da diplomacia internacional ficando refém dos seus aliados mais poderosos[7]. Esta lógica bovina ficou patente quando o deputado socialista Paulo Pisco utilizou o argumento de que "nenhum estado, enquanto membro da UE reconheceu o estado palestiniano"[8].

Os Sociais-Democratas e os Democratas Cristãos, por seu lado, mantém um discurso mais ou menos coerente na sua incoerência. Apoiam a existência de um estado palestiniano mas "Antes do reconhecimento do estado importa criar as bases desse mesmo estado" ou "Aderimos à ideia do Estado da Palestina como um factor de paz e não como mais uma acha para a guerra"[9]. Embora a ignorância de grande parte dos nossos parlamentares seja reconhecida e merecida, suspeito que terão alguma noção de que não é fácil criar as bases de um estado quando as prisões são bombardeadas por Israel[10], os deputados parlamentares eleitos democraticamente tomados reféns pelo IDF[11], as estradas são cortadas por centenas de check points[12], os aeroportos destruídos[13] e centenas de milhares de colonos judeus são colocados a viver em território ocupado na Cisjordânia[14]. Não é preciso ser especialista para ter alguma ideia do que se está a passar.

Só para efeitos de comparação, não ouvimos este tipo de discurso quando se tratou da independência de Timor-Leste. Nessa altura, não existia nem esquerda nem direita, nem da criação das bases do estado antes de existir um estado, nem o risco de se tornar uma acha para a guerra. Apenas direitos humanos. E é só disto que se trata.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Síndrome do "Bom Aluno"

Francisco Louçã - Bloco de Esquerda
Considero a relação entre pais e filhos como a mais pura de todas as relações. Um dos muitos pormenores em que isso vem ao de cima, é o facto dos pais procurarem que os seus filhos os ultrapassem em tudo. Naturalmente essa relação é especialmente forte na infância, quer pela dependência emocional, física e financeiro das crianças aos pais como também pelo tempo que passam juntos e a forma completa como se conhecem. Não é sequer um exclusivo do ser humano, sendo comuns imagens dessa mesma relação especial entre muitos outros animais selvagens e domésticos, o que me leva a crer na pureza e instinto primário dessa ligação afectiva.

Acredito por isso que o que os progenitores dizem aos filhos, embora não seja necessariamente sempre verdade, é com o objectivo claro de os tornar melhores, mais saudáveis, mais fortes e mais capazes de enfrentar os desafios que terão pela frente. Obrigamos-nos a comportarmos-nos como pessoas melhores do que alguma vez fomos com o nítido propósito de criar um exemplo aos nossos filhos que estes possam seguir.

Eu não conheço nenhum pai que diga aos filhos para não serem bons alunos. Que não fique minimamente orgulhoso quando tira boas notas. Que não fique triste ou desapontado quando os resultados não são os esperados. Ser "bom aluno" significa seguir o conselhos daqueles que são as autoridades naquele ambiente específico, que é a escola. Mesmo quando todos nós sabemos que nem todos os professores são bons, nem a autoridade tem sempre razão. Mas no entanto, e mesmo tendo isso em conta, ensinamos os nossos filhos a respeitar e seguir o caminho que os professores indicam (com raríssimas excepções). Umas poucas vezes esse caminho estará errado, mas na esmagadora maioria dos casos estará necessariamente certo.

Desconheço ainda a existência de algum país no mundo onde a frase "bom aluno" tenha ganho um teor pejorativo como em Portugal. E não consigo compreender como tanta gente conseguiu tornar aquilo que devia ser um objectivo de todos nós - sermos bons alunos, bons empregados, bons patrões -  num motivo de achincalhamento. Cada vez que algum governo faz aquilo que é esperado dele pelas instâncias internacionais que neste momento nos mantêm vivos, vários actores políticos (Francisco Louçã do Bloco Esquerda será talvez o mais mediático deles) aparecem imediatamente com a conversa dos "bons alunos" como se isso fechasse definitivamente o assunto[1].

A teoria por detrás dessa deturpação é a de que estamos a atirar-nos da ponte porque alguém nos mandou e nós resolvemos obedecer. Mas a verdade é que quem está a aconselhar Portual, não sendo propriamente a mãe e o pai que nos trouxeram ao mundo, são instituições especializadas precisamente em resolver desastres financeiros como aquele e que nos metemos e países que tendo sofrido os impactos da mesma crise financeira internacional que nós, tinham estruturas mais sólidas e reagiram aparentemente melhor do que nós. Por outro lado, é claro para todos que uma queda descontrolada de Portugal (ou qualquer outro país médio ou grande da zona Euro) criaria ondes de choque enormes em todos os países europeus dada a enorme integração entre estes. A mesma moeda, transacções massivas de bens, serviços e valores, migrações descontroladas e dívidas descomunais cruzadas. Não têm por isso interesse nenhum em que a situação corra mal.

Pelo outro lado, os advogados do "anti bom aluno" não chegam nunca a explicar o que pretendem. Querem que Portugal seja o miúdo rebelde da Europa? Que estrague as aulas a todos os outros que querem estar atentos? Que lhes roube o lanche enquanto estão distraídos? Que bata nos colegas que não se conseguem defender? O que pretendem eles?

Francisco Louçã em comício do Syriza
Portugal - e em especial o estado Português - contraiu dívidas assombrosas deixando-nos contas para pagar durante várias gerações. Isto não foi feito por um ditador militar ou um estado fundamentalista religioso. Foi feito com o nosso aval, por vários governos democraticamente eleitos e que tinham toda a legitimidade para o fazer. Podíamos deixar de pagar. De um ponto de vista académico seria sem dúvida interessante ver um dos países mais globalizados do mundo[2], onde uma parte significativa do que produzimos é exportada e muito do que consumismo é importado, entrar num processo de "albanizaçao". Mas só de um ponto de vista académico, porque para os que cá ficassem para travar essa batalha os tempos seriam provavelmente mais duros do que há memória em Portugal. Tal como o rebelde briguento que cada um de nós teve na sua sala da escola primária, este lógica de ataque à autoridade centra-se no primeiro movimento - sempre espectacular, espalhafatoso e alvo de grande admiração pelos restantes maus alunos - mas nunca nas suas consequências. Mas talvez Louçã não seja o aluno briguento mas o quase-rebelde que o aplaude. Afinal de contas vimos o coordenador do Bloco de Esquerda[3] ao lado de Tsipras (do Syriza) apelando aos gregos para darem esse salto no escuro de cancelarem o acordo de financiamento externo que os sustenta actualmente.

Falam-nos de sair do Euro, e falam até de desvalorizar a nova moeda - presumivelmente o Escudo - mas não dizem a quem os ouve que todos os bens importados vão aumentar imediatamente de preço na mesma exacta proporção. A médio prazo ainda mais do que isso porque as poupanças tendem a fugir da moeda fraca, tornando-a ainda mais... fraca. Uma profecia auto realizável como tantas outras no mundo das finanças. Isso significa que as poupanças vão valer menos. Que a gasolina vai custar mais. A comida segue o mesmo caminho. Todas as matérias primas, máquinas, computadores e tudo o que conseguirmos imaginar que não seja produzido em Portugal custará muito mais. Quem beneficiará serão as empresas exportadoras claro, cujo custos baixam imediatamente e conseguirão ser mais competitivos. Nas exportações e nas indústrias que subsitituriam importações, provavelmente as contratações comecariam assim que o país estabilizasse minimamente. Mas falta uma coisa: a tal dívida colossal. Todas essas dívidas são em Euros e não conheço nenhum mecanismo legal que nos permtisse mudá-las para o Escudo. Assim, à medida que o Escudo for desvalorizando, a nossa dívida vai ficando cada vez mais difícil de pagar. Mas o aluno com tiques de ovelha negra não sofre muito com estas questões. Ele só quer ter o seu momento de aplauso no palco e os seus minutos de fama. O resultado disso não é uma preocupação real.

Ou seja, eu não compreendo esse complexo de "bom aluno". E acho que extremo mau gosto que o utilizem. Ao menos poderiam colocar uma bola vermelha no canto quando isso for dito para podermos tirar as crianças da sala ou mudar de canal. Não vão elas crescer a achar que é bom ser mau aluno...




quarta-feira, 11 de julho de 2012

Portugal - III República

Faz agora um ano que o novo governo liderado por Passos Coelho tomou posse. Prometi a mim próprio nessa altura que me absteria de fazer grandes comentários durante os primeiros doze meses e apoiaria que se mantivesse durante 4 anos, independentemente da minha intenção de voto nas próximas eleições legislativas. Naturalmente estou atento à actuação do governo, mas acredito que os governos são para durar o tempo previsto e considero que entrar numa situação semelhante à Primeira República (1910 a 1926), onde a média de duração de um governo era de pouco mais de 4 meses[1], seria o pior que poderia acontecer a Portugal. Fiz o mesmo em relação a todos os governos anteriores, e considero assustador olhar para esta III República e notar que todos os Primeiro Ministros passaram pela situação de ver o seu governo cair antes do previsto.

Sócrates declarou eleições antecipadas em 2011 depois de pedir a ajuda internacional para a situação de emergência financeira em que as contas públicas se encontravam. No final de 2004, Santana Lopes viu o parlamento e o seu governo ser dissolvido pelo presidente Jorge Sampaio. Antes dele Durão Barroso sai a meio do seu mandato como chefe de governo para ir para Bruxelas exercer o cargo de Presidente da Comissão Europeia. António Guterres consegue a raridade de completar o primeiro mandato, mas demite-se durante o segundo, em Abril de 2002. Apenas Cavaco Silva consegue completar dois mandatos completos na terceira república, mas não devemos esquecer que foram precedidos pelo X Governo Constitucional, onde o próprio foi demitido na sequência de uma moção de censura, durando apenas dois anos e meio, entre Novembro de 1985 e Agosto de 1987. E continuando nesta história pelos desastres da nossa conturbada república, chegamos ao governo do Bloco Central liderado por Mário Soares que também durou dois anos, depois de os partidos que o constituiam se desentenderem. Antes foi Francisco Pinto Balsemão que manteve a pasta por menos de dois anos (Setembro de 1981 a Junho 1983) depois deste ter pedido a demissão. O mesmo Pinto Balsemão liderou o VII Governo Constitucional (numa coligação PSD-CDS-PPM) que começou e acabou no mesmo ano de 1981, também por pedido de demissão. Foi precedido como Primeiro Ministro por Francisco Sá Carneiro falecido vítima de um acidente (?) de avião e cujo governo durou apenas um ano. Maria de Lurdes Pintasilgo, num governo de iniciativa presidencial não conseguiu sequer chegar à marca de um ano devido à dissolução da Assembleia da República. Carlos Mota Pinto tem uma história semelhante, num governo de iniciativa presidencial que também não durou um ano e caiu depois de uma falhada moção de confiança no parlamento. E chegamos finalmente aos 3 primeiros governos constitucionais. O terceiro, de Alfredo Nobre da Costa dura um trimestre depois de o parlamento rejeitar o seu programa de governo. O segundo liderado por Mário Soares durou um semestre. O I Governo Constitucional era liderado pelo mesmo Mário Soares, durou dois anos e cessou funções depois uma moção de confiança ser rejeitada pela Assembleia da República[2].

Não sendo tão mau como a primeira república, não deixa de ser impressionante que não existe um único Primeiro Ministro em Portugal desde o 25 de Abril que não tenha visto um governo seu cair antes do tempo. Podemos olhar para os detalhes de cada um destes governos para compreender as razões que explicam o seu fim. Vamos encontrar inúmeros motivos diferentes. Mas quando olhamos para a terceira república como um todo, vemos uma tendência perigosa. Os governos não têm tendência a chegar ao fim. E toda a gente o sabe. Os políticos sabê-lo-ão melhor do que ninguém. E isso significa que não são capazes de correr riscos nem pagar o preço de políticas com objectivos de longo prazo.

Mais do que qualquer outra coisa, isso explica porque motivo a lei das rendas antigas ficou intocável durante décadas, no que qualquer pessoa mentalmente sã e que não tenha interesse financeiro directo na questão consideraria uma destruição do parque imobiliário antigo do país juntamente com uma inversão dos direitos e deveres dos cidadãos, transformando os senhorios na verdadeira segurança social para centenas de milhares de portugueses. Se é discutível que a casa seja um direito garantido pelo país, pelo menos é inegável que dar casa a preços irrisórios não será certamente um dever dos senhorios. Se alguém teria esse dever seria o Estado e não os proprietários. Com a lei das rendas, a mobilidade dos cidadãos dentro do território nacional foi reduzida ao mínimo enquanto o endividamento das famílias cresceu exponencialmente já que o mercado de arrendamento congelou. A situação piora ainda devido ao estado calamitoso da nossa justiça, o que faz com que ninguém acredito que uma ordem de despejo alguma vez vá ser cumprida em tempo útil.

Também é essa instabilidade governativa que permitiu o endividamento público crescente e os deficit orçamentais que acontecem sem excepção quer o país esteja em crise ou em crescimento. Faz-se hoje e os próximos que paguem. As Parcerias Público-Privadas seguem exactamente a mesma lógica, já que os custos são todos atirados anos ou mesmo décadas para a frente. Quem os assina beneficia das novas auto-estradas, pontes, hospitais e tudo o mais mas o pagamento desses contratos ruinosos ficam para os próximos governos.

Portugal tem que sair desse ciclo vicioso. Já o deveria ter feito há muito tempo. Os governos, bons ou maus, devem ter tempo para mostrar o que valem. Nenhum conseguirá resultados se durar apenas um ou dois anos. E os que o seguirem serão obrigados a mudar as suas políticas criando uma situação em que vemos reformas atrás de reformas, todas falhadas, todas incompletas e todas com poucos ou nenhuns efeitos para além do custo inicial de implementação.

Isso não significa que devemos ser acríticos. Os governos devem ser mantidos constantemente em cheque, mas deve-lhes ser dada a hipótese de fazerem o seu trabalho até ao fim. E no final, se não gostarmos, votamos noutros. 

De qualquer forma, acabou-se o período de paz de 12 meses que prometi dar ao governo. Gostei de bastantes coisas, desgostei de muitas outras. Cada uma terá direito ao seu próprio tempo. E para bem de todos nós, esperemos que estejam no caminho certo.




segunda-feira, 9 de julho de 2012

O meu primeiro dia na Palestina

Check Point de Qalandia - Palestina
Muitos dos artigos que vou escrevendo neste blog são resultado de investigação de terceiros. Pensamentos dos autores que mais me vão impressionando, alguns vídeos e documentários que considero particularmente interessantes e críticas a livros sobre os principais assuntos que aqui são analisados. Mas, na realidade, não foi esse o objectivo inicial de ter criado este blog. Também não foi o de criar um espaço de discussão, embora muitas vezes se tenha tornado precisamente nisso, o que me tem dado muito prazer e - não sendo totalmente inesperado - tornou toda esta experiência mais rica e completa.

Desde 2006 que tenho passado mais tempo no Médio Oriente do que na minha terra natal. Fui acumulando experiências que, por questões de segurança pessoal e carreira profissional não podia contar publicamente no momento em que aconteceram. Em especial nos 3 anos que vivi na Palestina, a minha presença foi suscitando interesse das autoridades israelitas que compreensivelmente queriam controlar o que eu lá estava a fazer e o motivo das minhas constantes entradas e saídas. Uma vez que neste momento já deixei de ter que viajar para Israel e para a Palestina, todas essas experiências podem agora ser contadas sem que eu corra riscos de maior. Na sua maioria, não serão substancialmente diferentes das que vão encontrar descritas pelos correspondentes internacionais, pelos voluntários das inúmeras ONG's que por lá populam e dos mediadores que continuam a procurar uma paz duradoura sem grande sucesso. Mas é importante que estas histórias sejam contadas, para que se juntem a milhares de outras, para que a história contemporânea da Palestina possa ser contada com o máximo de testemunhos possíveis, em vez de estar constantemente refém de meia dúzia de fontes que, mesmo sendo extremamente credíveis, nunca serão demais.

Assisti a muitos pequenos acontecimentos que não foram relatados em nenhum jornal. Ouvi histórias da boca dos palestinanos que parecem demasiado incríveis para serem verdade. E também passei muitos dias perfeitamente aborrecidos e pacíficos onde chegava a casa para ver que tinha dezenas de mensagens de amigos e familiares preocupadíssimos porque tinha aparecido uma notícia dramática nos media que no terreno nem notávamos que tinha acontecido. Tipicamente era discutida ao pequeno almoço com o mesmo distanciamento que se estivéssemos a falar do Tibet.

O relato que se segue é da experiência de entrar na Palestina pela primeira vez. Já tinha sonhado e imaginado este momento durante meses. Três amigos meus trabalhavam num projecto em Ramallah e tentavam convencer-me a incorporá-lo. Na altura residia no Dubai já há alguns anos, lugar onde me sentia perfeitamente em casa mas que já tinha pouco de novo para me mostrar. Aproveitava os tempos livres para viajar pelo Médio Oriente usando desculpas mais ou menos típicas de mergulho, visitas de amigos e familiares e as inevitáveis visa trips, fui conhecendo toda a região. Estas últimas (visa trips)referem-se às viajens forçadas de saída dos Emirados e nova entrada para conseguir mais um mês ou dois de visto de turista. Como existia sempre alguém com o visto prestes a expirar, era normal fazer uma visita a Oman - por vezes apenas por breves minutos - ou então aproveitar para ir ver algum país na região durante um fim de semana. A escala a que isto acontece é tal que quando aterramos no Bahrain, as hospedeiras de bordo avisam para as as pessoas que estão em visa trip nem se levantarem pois as autoridades carimbam o passaporte nos próprios lugares. Quando visitei o Bahrain cerca de metade dos passageiros não chegaram a por um pé em terra. Limitaram-se a receber o carimbo e voltar para trás.

Acabei por aceitar o convite feito pela empresa indiana para trabalhar na Palestina num sistema misto em que passava umas semanas em Ramallah e outras no Dubai, dependendo das necessidades do projecto que estava previsto durar pelo menos um ano. Era um projecto de informática cujos detalhes aborreceriam de morte os meus leitores, mas onde vale a pena explicar que tínhamos um pequeno grupo (uns 6 a 8) consultores onsite enquanto a equipa de desenvolvimento e testes se encontrava na Índia, mais precisamente em Hyderabad.

Na primeira semana de Fevereiro de 2008 ainda de madrugada embarquei num A320 da companhia aérea Royal Jordanian do aeroporto internacional do Dubai a caminho de Amman, capital jordana. Uma vez que a esmagadora maioria dos países do médio oriente ainda mantém (no papel) um estado de guerra com Israel, e a Palestina não tem um aeroporto próprio (tinha um em Gaza mais foi bombardeado e fechado em 2001[1]), a melhor hipótese para fazer esta viagem é indo até à Jordânia e seguindo depois por terra.

Passado umas 3 horas aproximamos-nos do pequeno mas prático Aeroporto Queen Alia, cujo nome é uma homenagem à bela e jovem rainha jordana falecida num desastre de helicóptero e que curiosamente tinha sido hospedeira de bordo da mesma Royal Jordanian[2]. Um dos meus escritores favoritos não resiste, cada vez que fala neste aeroporto, a dizer que "é o único aeroporto do mundo com o nome de uma pessoa que morreu num acidente aéreo". Como portuense, I know better, já que o aeroporto internacional da minha cidade foi rebatizado em 1990 de Aeroporto Francisco Sá Carneiro[3]. Mas talvez Robert Fisk tenha razão, e o Queen Alia seja mesmo o único com o nome de uma vítima de acidente aéreo. E talvez a nós nos caiba o exclusivo de ter um aeroporto com o nome de uma vítima de um atentato à bomba num avião. E é com estes pensamentos perfeitamente adequados a quem está dentro de um avião que chego pela primeira vez ao reino hashemita. Adiante...

Um dos meus colegas, um brasileiro com quem trabalhei em diversas ocasiões e que é como um irmão para mim, já tinha percorrido o "caminho as pedras", detalhando cada passo desde que iniciava a viagem no Dubai até à chegada a Ramallah. Mas também me avisou das atribuladas viagens que me esperavam. De Amman até à ao rio Jordão, fui transportado por um carro alugado e a viagem correu bem, embora eu tenha ficado impressionado com a quantidade de neve de ambos os lados da estrada. Eu praticamente nunca tinha visto neve na minha vida. Recordo-me de uma ou duas vezes em pequeno. Também umas semanas antes de emigrar para o médio oriente em 2006, que nevou qualquer coisinha em Lisboa. E estou a descontar a neve do Ski Dubai que não conta porque é um frigorífico gigante. E subitamente, de todos os lugares à face da terra, é no Médio Oriente que a vou encontrar em maior quantidade. Depois de uma hora por umas estradas de qualidade discutível, chego à fronteira da ponte Allenby (segundo os israelitas) ou ponte Rei Hussein (segundo os jordanos).

Depois de gastar os 100 dólares mais mal gastos da minha vida entrei no serviço VIP de passagem da ponte, que significa que a espera é feita em sofás a travessia de umas centenas de metros é feita numa Toyota Hiace em vez de num autocarro e temos direito a café no lado jordano e água engarrafada do lado israelita. Conselho de amigo, a não ser que os 100 dólares não vos saiam do bolso, poupem-nos para qualquer outra coisa.

Atravesso o rio onde João Batista batizou Jesus e tantos outros seus contemporâneos há dois milénios atrás com grande expectativa. Mas o rio mal se via. Aliás, provavelmente a palavra riacho ou fio de água seria mais apropriada, mas não faz mal. As bandeiras com a estrela de David aparecem subitamente de ambos os lados da estrada e deparo-me com o primeiro de muitos check points a que nunca me viria a habituar nos anos que por ali passei.

À chegada, somos separados das malas e depois enviados para uma pequena sala de espera com dois sofás e um quadro desgastado de "A criação de Adão" do tecto da Capela Sistina. Com o tempo vamos aprendendo a lidar com esta espera, com os interrogatórios que se seguem e a frustração de ninguém dar informação nenhuma. Dependendo do quanto gostam de nós, podemos esperar 2 ou mais horas, sendo que o meu recorde vai em cerca de seis horas e meia. Um dia destes eu dedico aqui um artigo só às aventuras da ponte Allenby e do aeroporto de Ben Gurion.

E ao fim de umas 3 ou 4 horas lá consegui sair para descobrir que o taxista tinha desistido de esperar e estava basicamente sozinho no meio do deserto de rocha que cobre aquela zona do Mar Morto. Depois de conseguir encontrar um taxi amarelo (i.e. um taxi palestiniano que têm que ficar a uns 2 Kms de distância do edifício da ponte) começamos a longa subida desde Jericó por entre montanhas até às zonas mais altas de Ramallah.

Por esta altura ainda estava bastante confundido. Alguns carros tinham a matrícula palestiniana e outros israelita. Claramente quem mandava nesta zona era Israel, já que os carros da polícia eram destes. Também se viam ocasionalmente veículos militares embora não fossem assim tão frequentes. Só ao fim de uns 40 ou 50 minutos de viagem, já bem dentro do país é que vi os grandes quartéis militares israelitas, com os jipes e camiões todos alinhados e em números bastante elevados (na ordem das muitas dezenas), a uns 100 metros da estrada e bem à vista. Foi nesta mesma estrada que uns meses mais tarde vi os imponentes tanques israelitas Merkava, de que falei num artigo escrito em Abril deste ano. Embora olhando para o mapa de um dos muitos Lonely Planet que fui acumulando eu estivesse em plena Palestina - mais precisamente na Cisjordânia - a verdade é que os palestinianos estavam (e estão) muito longe de ser donos e senhores desta região. A Palestina assemelha-se muito mais a um arquipélago de cidades controladas pela Autoridade Palestiniana enquanto o grosso do território é vagamente controlado pelas autoridades militares israelitas. Para tornar a situação ainda mais complicada, mais de meio milhão de israelitas vivem em colonatos ilegais[4] espalhados pela Cisjordânia e Jerusalém Oriental[5].

A Barreira de Segurança
Mas verdadeiramente marcante terá sido mesmo a visão da chamada Barreira de Segurança seguido de Qalandia. Em inglês o termo utilizado pelo governo israelita e os seus apoiantes é de security fence, onde fence lembra as divisões de madeira branca que separam as moradias nos bairros mais seguros americanos. Na realidade é uma muralha. De cimento. Alta. A perder de vista como se fosse uma muralha da China dos tempos modernos. Finalmente chegamos até Qalandia, o grande Check Point que liga Jerusalém a Ramallah com as suas torres, arame farpado, barreiras de cimento nas estrada e um aparato militar bem visível . As paredes estão (do lado palestiniano) cobertas de grafitis dos heróis óbvios, como Yaser Arafat e Marwan Barghouti, mas também com alguns bastantes mais inesperados e criativos tais como pinturas de Ghandi ou um famoso e extremamente simples "CTRL + ALT + DEL".

Grafiti pedindo a libertação de Barghouti
Infelizmente não me foi possível nessa primeira passagem apreciar a arte moderna nas paredes pois quando estava mesmo em frente à entrada principal começaram distúrbios entre um grupo de crianças e adolescentes palestinianos com os guardas israelitas. Com o meu taxi amarelo preso no trânsito totalmente parado, quando se começaram a ouvir os primeiros tiros fiquei sem saber bem o que fazer: sair do taxi para o meio da confusão com os carros todos bloqueados e as pessoas a fugirem entre os automóveis não parecia uma grande ideia. Por outro lado ficar ali enquanto os soldados avançavam na nossa direcção com as armas apontadas também poderia ser uma forma bastante passiva de levar com um tiro. Dado leque de opções que se abriam, optei pela terceira que foi enterrar-me entre os bancos. Como ainda senti uma certa vergonha na cara por ver o taxista impávido e sereno no meio deste faroeste, perguntei por sinais e um inglês especialmente básico se deveria mergulhar (fiz uns movimentos do tipo salto olímpico para a piscina imitando a linguagem futebolística compreendida por todo o planeta). A resposta veio imediata e directa: No... rubber bullets. Notei um certo ar de gozo no motorista, mas nesse momento tinha maiores preocupações do que o meu frágil ego de Lawrence da Arábia. Os tiros continuaram durante mais uns minutos (ou seriam segundos?) enquanto o meu pensamento voava entre "como raio é que ele sabe que as balas são de borracha?" e "será que alguém vai olhar para o meu ar de estrangeiro e achar que sou um israelita infiltrado" até - obviamente - ao "talvez isto de vir para a Palestina não tenha sido um dos meus momentos mais inteligentes...". Mas o senhor lá devia ter razão porque um miúdo por volta dos seus 10 anos e que ia a correr entre os carros levou um tiro numa perna mesmo ao meu lado e continua a correr, embora se contorcesse de dores enquanto o fazia.

E assim passou minha primeira aventura pela terra santa. Passados uns 15 ou 20 minutos, chegava ao compound onde fiquei durante grande parte dos anos que se seguiram, recebido por guardas de AK-47 ao bom estilo revolucionário e encontrando os meus velhos colegas de paragens anteriores. Não mais de uma hora passada, estava sentado com eles e com um palestiniano de quem me viria a tornar bom amigo enquanto bebia uma merecida Corona no clássico bar Sangrias no centro de Ramallah. Para minha surpresa, fartaram-se de rir de mim e invejaram-me porque andavam aborrecidos porque não havia nada para fazer. De facto, passei dezenas e dezenas de vezes por Qalandia depois disso, mas nunca voltei a ouvir tiros por lá. E esta história, ficou durante muitos meses escondida de todos os que me eram próximos excepto aos que foram ou planearam ir mesmo a Ramallah. Agora, à distância, ela tem bastante mais interesse e já não preocupa nenhum familiar. E confesso que tenho imensas saudades da Palestina.

[Nota do Autor: as fotografias foram retiradas da internet]

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Arafat, A pedra que os palestinianos lançaram ao mundo

Book Review

No mesmo dia em que Yasser Arafat regressa aos noticiários de todo o mundo, desta vez devido a uma investigação da Al Jazeera[1] que indicia que este terá sido vítima de assassinato através de polónio 210[2], acabava eu de ler a excelente biografia  "Arafat, A pedra que os palestinianos lançaram ao mundo" editado pelo Público e da autoria de Margarida Santos Lopes. Este é um daqueles livros que esteve em fila de espera durante vários meses. Talvez por eu não ser um grande apreciador de biografias. Talvez por existirem outros assuntos que não sendo mais importantes, poderão ser mais actuais ou urgentes. Ou talvez por as minhas expectativas não serem muito elevadas já que sou bastante crítico das posições discretamente tomados pelo jornal "Público" nas questões sobre o médio oriente, em particular na forma como é relatado o conflito israelo-palestiniano.

Regra geral, as biografias não me interessam particularmente pois sempre achei mais interessante discutir ideias, soluções e acontecimentos do que pessoas específicas. Mas há, de facto, algumas personagens que marcam a história. E são eles próprias os criadores e propagadores de todas essas marcas históricas. Arafat é - para o povo palestiniano - o pai da sua nação. Isso é aceite e assumido por amigos e inimigos.

Em relação à actualidade do assunto, se existe algo que Arafat certamente conseguiu foi tornar a questão palestiniana no mais mediático de todos os dramas nacionais a nível global. Suscita paixões em todos os cantos do mundo, mesmo em lugares cujas relações históricas com a Palestina e Israel são quase nulas, como é o caso de Portugal. E transformou o problema da sua nação no Santo Graal da diplomacia mundial.

Por fim, as minhas reservas no que toca à linha editorial do Público levavam-me a crer que este livro poderia não passar de uma breve colectânea de algumas das biografias já feitas sem acrescentar muito ao que já é conhecido.

De facto, o livro não revela grandes surpresas em termos de factos históricos sobre o famoso líder, mas consegue algo que é raro: é um livro de história que se lê como um romance. Miguel Sousa Tavares di-lo no seu prefácio e eu estou totalmente de acordo. Para além das entrevistas feitas pela autora, das inúmeras fontes bibliográficas que incluem os melhores e mais credíveis autores sobre o Médio Oriente (tais como Robert Fisk, Edward Said, Thomas Friedman, Ze'ev Schiff) e as auto-biografias de muitos dos líderes envolvidos, a autora consegue manter uma prosa coerente, cronologicamente controlada e sem adiantar o desfecho do que se vai passar a seguir.

A cada momento do livro vamos vivendo as aventuras de um homem que viveu e lutou no Egipto, Israel/Palestina, Jordânia, Síria, Líbano, Tunísia e mais uma série de países. Que trabalhou contra e a favor de todas as grandes potências mundiais e regionais. Que cresceu no meio do nacionalismo árabe de Nasser no Egipto, que viu esse nacionalismo desaparecer emancipando a luta palestiniana. Que assistiu e apropriou-se do fenómeno dos bombistas suicidas no líbano e posteriormente na sua própria terra. Sobreviveu a inúmeros atentados e tentativas de assassinato por parte de inúmeros inimigos e viveu para poder voltar a ver a sua terra, embora nunca tenha conseguido o estado que tanto desejava.

Mas por muito especial que Arafat tenha sido, certamente cometeu erros táticos e estratégicos gravíssimos. E as suas mãos estão banhadas de tanto sangue quanto os seus inúmeros inimigos. Fomentou uma guerra civil na Jordânia e tentou afastar o rei hashemita e perdeu. Criou um "estado dentro de um estado" no Líbano até provocar (ou melhor, deixar-se provocar) uma invasão total israelita pelas mãos do seu arqui-inimigo Ariel Sharon. Recusou qualquer divisão de poder dentro da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) afastando todos os que não seguiam rigorosamente a sua linha de pensamento. Manteve prisões nos territórios ocupados que atropelavam qualquer conceito de direitos humanos. E finalmente, cometeu o erro dos erros ao apoiar Saddam Hussein na sua invasão ao Kuweit deixando-o totalmente isolado no momento em que a União Soviética. O dinheiro que fluía para a sua organização com origem nas petro-monarquias do Golfo Pérsico subitamente secou e foi todo ele canalizado para o Hamas, que se transforma rapidamente numa organização muitíssimo mais organizada do que a decrépita e corrupta Fatah.

Yasser Arafat foi tudo isto. Herói e vilão. Terrorista e prémio Nobel. Criador de nações e destruidor de países. Um homem que tem o seu lugar na história e cujos sucessos e falhanços influenciaram e continuarão a influenciar a vida de milhões.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Sobre vítimas e agressores

Fico pasmado com a quantidade de pessoas que parecem ter tantas dificuldades com um conceito tão simples como é o de culpa. Um caso típico é que quando sai uma notícia de uma violação, existem sempre algumas pessoas que perguntam como é que mulher estava vestida e o que tinha feito antes. E - claro - no caso de esta estar vestida de mini-saia ou ter tido algum comportamento menos cuidadoso (tipicamente ter dançado ou bebido álcool) então a vaga de opiniões culpando-a do acontecimento torna-se massiva. Rapidamente o verdadeiro agressor desaparece da história e o evento passa a ser tratado como se de uma força da natureza se tratasse. Como se não tivessemos construido um prédio para poder aguentar sismos de magnitude baixa ou se cometêssemos o erro de tentar nadar com um mar verdadeiramente perigoso. Uma violação não é um act of God! Não é resultado de uma rapariga estar mais ou menos vestida ou de ter tido a imprudência de estar no lugar errado na hora errada. É um crime cometido por um criminoso que não tem o mais pequeno respeito pela vítima. Compreendo que existem casos mais cinzentos, onde é difícil para a justiça ter uma noção exacta do que se passou ou cujos testemunhos possam ser pouco credíveis. Mas mesmo isso, não significa que a culpa seja da vítima.

Portugal tem um track record particularmente vergonhoso no que toca a este assunto depois da famosa decisão da "coutada do macho ibérico"[1]. Num parágrafo verdadeiramente assombroso do acordão de 18 de Outubro de 1989[2], conseguimos encontrar o seguinte:

Na verdade, não podemos esquecer que as duas ofendidas, raparigas novas, mas mulheres feitas, não hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena coutada do chamado «macho ibérico». É impossível que não tenham previsto o risco que corriam; pois aqui, tal como no seu país natal, a atracção pelo sexo oposto é um dado indesmentível e, por vezes, não é fácil dominá-la.

Só para a minha posição ficar absolutamente clara. Mesmo que uma rapariga estivesse na rua completamente nua a sorrir para todos os homens que passassem, isso não daria o direito a absolutamente ninguém para ter relações sexuais contra a sua vontade.

Mas o problema está longe de ser um exclusivo nacional. Em Agosto de 2006 trabalhava no Médio Oriente numa equipa que integrava um grande grupo de brasileiros. Subitamente todos as televisões e jornais portugueses abriram com a notícia de um português morto na praia de Copacaba no Rio de Janeiro, na sequência de uma tentativa de assalto e a curta distância de um posto da polícia carioca[3]. Os homicídios são em Portugal relativamente raros e dignos de notícia. Ainda bem que assim é. O Brasil pelo contrário sofre de uma epidemia de assassinatos que ultrapassa mesmo o de países em guerra, tais como o Afeganistão, a Somália ou o Sudão. Só em 2010 esse número chegou aos 50.000[4]. Não foi por isso estranho que os meus colegas brasileiros mostrassem alguma surpresa inicial por o assunto estar a ser tratado com tanto destaque pelos media portugueses. Mas a parte mais interessante foi quando circulou que a vítima estaria com um máquina fotográfica pendurada ao pescoço. Os comentários passaram para qualquer coisa do género "Mas o que é que ele estava à espera?". Rapidamente o agressor deixou de existir para se concentrarem todos na falta de cuidado da vítima. Ninguém deve ser ingénuo ao ponto de ignorar os riscos do sítio em que está, mas isso não faz dele culpado do crime. E eu não conheço nenhuma lei nacional ou religiosa onde o "crime" de ingenuidade seja punido com pena de morte. Cada um destes inocentes que são assassinados no Brasil são vítimas. Mesmo que nesse momento tenham sido pouco cuidadosos, ingénuos ou demasiado corajosos for their own good.

E como isto é um daqueles assuntos que ciclicamente volta, tivemos esta semana mais um caso que segue rigorosamente a mesma lógica retorcida. Durante os festejos da Praça Tahrir, depois da vitória de Morsi nas eleições presidenciais do Egipto, a jornalista freelancer inglesa Natasha Smith foi violentamente atacada e sexualmente abusada por dezenas de homens. A jornalista decidiu descrever todo o acontecimento no seu blog, num artigo entitulado "Please God, make it stop" que nos mostra um relato detalhado dessas horas e que deveria dar a volta ao estômago a qualquer ser humano com uma réstia de moral[5]. A notícia apareceu também no jornal Expresso[6], onde alguns comentadores se apressaram a dizer barbaridades do género "Bem feita", "Mulheres, ou até homens, a viajarem para países muçulmanos, estão mesmo a pedir sarilhos", "Risonha na foto, até parece um sorriso de triunfo", "carne fresca", "alguém a obrigou?", "Ela confessa em algum lugar o que ela LUCROU com isso?", "Quem se mete na boca do leão arrisca-se", etc. Tenho a certeza que se for procurar a outros jornais online, encontrarei centenas de outros comentários a seguirem a mesma linha.

Não consigo compreender quem poderia defender o indefensável. Quem poderia achar que um grupo de homens não poderia fazer outra coisa senão violá-la e que - no fundo - tudo isto acaba por ser decisão dela. Como se os homens fossem animais selvagens que não se conseguem controlar. Mas imagino que os mesmo homens que fizeram isto na praça Tahrir provavelmente estarão a defender nos seus jornais online e nas suas mesas de café que ela "estava a pedi-las".

(Fonte da Imagem: www.thesun.co.uk)

domingo, 1 de julho de 2012

S. Francisco de Assis

S. Francisco de Assis
"Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado...
Resignação para aceitar o que não pode ser mudado...
E sabedoria para distinguir uma coisa da outra."


Posso não ser um homem religioso, mas não tenho dúvidas de que ao longo dos últimos séculos por lá passaram algumas das mais brilhantes mentes que a humanidade teve a honra de conhecer. Uma interessantíssima é a de S. Francisco de Assis, frade do século XIII e fundador da Ordem dos Franciscanos[1].

A frase (atribuída a este santo) com que comecei este artigo é de uma sabedoria intemporal e algo que deveria estar escrito em placards nas ruas de todo o mundo. É óbvia, mas não é levada a sério. É teórica mas de uma utilidade prática extrema. E é brilhante, porque nos coloca no nosso lugar enquanto nos exige que nos excedamos.

Penso muito nesta frase quando vejo a Grécia e Portugal a lutarem para manterem a cabeça fora de água, no meio de uma crise do qual nenhum dos dois países é responsável, mas cuja irresponsabilidade em tudo o resto fez com que esta nos batesse mais forte do que a todos os outros países europeus.

Nem Portugal nem Grécia conseguirão sozinhos sair desta embrulhada. Nenhum conseguirá promover o crescimento europeu, a estabilidade da moeda única, a integração europeia ou resolver o nível de endividamento criminoso em que todos os países da europa cairam. Mas existe muito que está nas suas mãos: tornar os serviços públicos mas eficientes e rápidos, uma justiça ao serviço da Justiça (propositadamente com "J" maiúsculo e reforçando que "justiça lenta não é justiça nenhuma"), um povo que consuma moderadamente e dentro das suas capacidades financeiras, um indústria que consiga competir dentro e fora da europa, uma balança comercial equilibrada, um dependência exterior engergética decrescente, etc. Temos muitas coisas que estão nas nossas mãos, e essas têm que correr bem. O que não está ao nosso alcance, teremos que nos contentar em esperar pelo melhor e fazer todos os esforços diplomáticos para que os verdadeiros decisores (no eixo Berlim-Bruxelas-Paris) decidam da melhor forma.

(Fonte da imagem:Grupo Fraternal Francisco de Assis)