sexta-feira, 27 de julho de 2012

Prisões e os direitos do homem

Uma das coisas que mais me causa repulsa é a facilidade com que a esmagadora maioria dos nossos concidadãos vive com o mal dos outros. Abundam as expressões brejeiras sobre o assunto e que não me vou sequer dar ao trabalho de reproduzir aqui.

Felizmente, por vezes, o país levanta-se ruidosamente e espantado com situações inadmissiveis, que chegam a público devido aos esforços corajosos e solitários de um pequeno número de jornalistas que agarram no assunto e não o largam até que o país inteiro o conheça e que os políticos sejam obrigados a actuar sobre o assunto.

Um exemplo perfeito foi o processo Casa Pia[1] que explodiu em Setembro de 2002 pelas mãos da jornalista Felícia Cabrita[2]. Não me vou alongar sobre os detalhes do caso, que são totalmente do conhecimento público e cujo o final tarda em acontecer. Queria pegar apenas no facto de para além de ser um caso de pedofilia a situação torna-se ainda mais grave por ter sido cometido sobre crianças que estavam à guarda do Estado. Ou seja, não só são crimes horrorosos, como aconteceram quando o país deveria estar a tomar conta delas.

Mas não são só os orfãos que estão à guarda do estado. Também os prisioneiros se encontram na mesma situação. Por motivos diferentes, claro, mas ainda cidadãos que detêm todos os seus direitos excepto os previstos pela lei relativos à perda de liberdade temporária. E os casos de violações, violência e escravidão nas cadeias de todo o mundo são comuns ainda nos dias de hoje. Mostrados regularmente e com uma aceitação total por parte da população. Vemos essas situações em séries de prime time como Prison Break  (um filme passado recentemente) ou em filmes passados durante o séc.XX, como "Os condenados de Shawshank". Mas não é Hollywood que está enganada, nem isto é um fenómeno exclusivo americano. Os relatos destas situações são mais do que muitos e vêm referidos pelas organizações não governamentais, instituições internacionais e pelos media de todo o mundo[3][4][5][6][7]. Nem vale a pena pegar em detalhe nos casos mais conhecidos como os abusos cometidos no Egipto pela sórdida polícia secreta Mukhabarat[8], pelo Shin Beth israelita[9] ou em casos mais mediáticos como os prisioneiros das forças de ocupação americana em Abu Graib[10] e Guantánamo[11].

Qualquer um destes relatos deixaria um cidadão comum com o estômago às voltas. No entanto, e desde que não se entre em demasiados detalhes, a opinião geral parece ser de que eles têm o que merecem. Quando esse tipo de argumentos absurdos costumo fazer o seguinte desafio:

"Se um detido merece ser violado e espancado repetidamente durante todos os dias que passa numa cadeia, então coloquem isso na lei!"

É que o conceito de Justiça, e é esse um dos motivos porque existem tribunais, é precisamente o de dar uma pena aos criminosos de forma a que possam aprender a lição e voltem a ser cidadãos integrados na sociedade e, ao mesmo tempo, servirem como exemplo para outros que possam ser tentados a cometer os mesmos crimes. Se acreditam sinceramente que é isso (violações e violência) que eles merecem então escrevam isso na lei.

Por algum motivo que desconheço, quando a conversa chega a este ponto normalmente acaba. Tipicamente quem defende a total ausência de direitos dos detidos são pessoas ligadas à direita, e normalmente as mesmas que depois acusam todos os mil milhões de muçulmanos de serem atrasados porque no Irão ainda existem penas físicas (chicotadas, apedrejamentos, etc.). No entanto quando lhes dizemos que em Portugal e muitos outras "nações civilizadas" as penas físicas existem - simplesmente não são oficiais - não conseguem deixar fugir o sentimento de que "eles merecem".

Para deixar clara a minha posição: os prisioneiros estão à guarda do estado e devem cumprir a pena definida por lei, nada mais. Essa pena não incluí espancamentos, violações nem suícidios. É uma vergonha para o nosso país que isso aconteça e que não se faça muito para o impedir, e uma vergonha ainda maior que tanta gente encolha os ombros como se nós - enquanto cidadãos - nada tivessemos que ver com o assunto ou os prisioneiros mercessem tal tratamento.

Dostoyevsky terá dito um dia que "a civilização pode ser medida pela forma como trata os seus prisioneiros". Onde é que isso nos deixa?

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