Book Review
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Regra geral, as biografias não me interessam particularmente pois sempre achei mais interessante discutir ideias, soluções e acontecimentos do que pessoas específicas. Mas há, de facto, algumas personagens que marcam a história. E são eles próprias os criadores e propagadores de todas essas marcas históricas. Arafat é - para o povo palestiniano - o pai da sua nação. Isso é aceite e assumido por amigos e inimigos.
Em relação à actualidade do assunto, se existe algo que Arafat certamente conseguiu foi tornar a questão palestiniana no mais mediático de todos os dramas nacionais a nível global. Suscita paixões em todos os cantos do mundo, mesmo em lugares cujas relações históricas com a Palestina e Israel são quase nulas, como é o caso de Portugal. E transformou o problema da sua nação no Santo Graal da diplomacia mundial.
Por fim, as minhas reservas no que toca à linha editorial do Público levavam-me a crer que este livro poderia não passar de uma breve colectânea de algumas das biografias já feitas sem acrescentar muito ao que já é conhecido.
De facto, o livro não revela grandes surpresas em termos de factos históricos sobre o famoso líder, mas consegue algo que é raro: é um livro de história que se lê como um romance. Miguel Sousa Tavares di-lo no seu prefácio e eu estou totalmente de acordo. Para além das entrevistas feitas pela autora, das inúmeras fontes bibliográficas que incluem os melhores e mais credíveis autores sobre o Médio Oriente (tais como Robert Fisk, Edward Said, Thomas Friedman, Ze'ev Schiff) e as auto-biografias de muitos dos líderes envolvidos, a autora consegue manter uma prosa coerente, cronologicamente controlada e sem adiantar o desfecho do que se vai passar a seguir.
A cada momento do livro vamos vivendo as aventuras de um homem que viveu e lutou no Egipto, Israel/Palestina, Jordânia, Síria, Líbano, Tunísia e mais uma série de países. Que trabalhou contra e a favor de todas as grandes potências mundiais e regionais. Que cresceu no meio do nacionalismo árabe de Nasser no Egipto, que viu esse nacionalismo desaparecer emancipando a luta palestiniana. Que assistiu e apropriou-se do fenómeno dos bombistas suicidas no líbano e posteriormente na sua própria terra. Sobreviveu a inúmeros atentados e tentativas de assassinato por parte de inúmeros inimigos e viveu para poder voltar a ver a sua terra, embora nunca tenha conseguido o estado que tanto desejava.
Mas por muito especial que Arafat tenha sido, certamente cometeu erros táticos e estratégicos gravíssimos. E as suas mãos estão banhadas de tanto sangue quanto os seus inúmeros inimigos. Fomentou uma guerra civil na Jordânia e tentou afastar o rei hashemita e perdeu. Criou um "estado dentro de um estado" no Líbano até provocar (ou melhor, deixar-se provocar) uma invasão total israelita pelas mãos do seu arqui-inimigo Ariel Sharon. Recusou qualquer divisão de poder dentro da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) afastando todos os que não seguiam rigorosamente a sua linha de pensamento. Manteve prisões nos territórios ocupados que atropelavam qualquer conceito de direitos humanos. E finalmente, cometeu o erro dos erros ao apoiar Saddam Hussein na sua invasão ao Kuweit deixando-o totalmente isolado no momento em que a União Soviética. O dinheiro que fluía para a sua organização com origem nas petro-monarquias do Golfo Pérsico subitamente secou e foi todo ele canalizado para o Hamas, que se transforma rapidamente numa organização muitíssimo mais organizada do que a decrépita e corrupta Fatah.
Yasser Arafat foi tudo isto. Herói e vilão. Terrorista e prémio Nobel. Criador de nações e destruidor de países. Um homem que tem o seu lugar na história e cujos sucessos e falhanços influenciaram e continuarão a influenciar a vida de milhões.
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