domingo, 21 de junho de 2015

António Costa, Sócrates e Tsipras

A generalidade dos comentadores políticos em Portugal acordaram sobressaltados com a última sondagem da Universidade Católica que dá a coligação PSD/PP ligeiramente à frente do PS de António Costa. 

Depois de 4 anos terríveis, de aperto de cinto como ninguém tinha memória, com o país constantemente acossado pelos mercados de capitais, as visitas da troika e agências de rating, era de esperar que este governo tivesse de ser substituido por sangue novo, ou pelo menos com caras diferentes. Se isto já era elementar quando António José Seguro era secretário-geral do PS, ainda mais seria depois de António Costa lhe conquistar a liderança. Costa tinha tudo o que faltava a Seguro: carisma, experiência governativa, boa imprensa, linhas de comunicação à esquerda e uma retumbante vitória eleitoral recente.

Existiam apenas três variáveis que podiam colocar em causa uma vitória fácil do PS de António Costa, mas apenas uma tempestada perfeita podia sincronizar todas elas. Para mal do PS, as péssimas decisões de António Costa e os acasos do destino fizeram com que as três se estejam a formar no horizonte.

Crescimento Económico

A grande esperança da coligação governamental era a de que por esta altura os indicadores económicos já dessem bons sinais de recuperação. O pior já parece ter passado, a economia está novamente a crescer, o fenómeno da emigração aliviou o desemprego e a necessidade de subsídios e aumentou as remessas, e os juros baixaram para níveis históricos. Mesmo com a violenta queda do Banco Espírito Santo, a situação vai melhorando. Os próximos meses dirão se teremos uma recaída ou se a recuperação se vai começar a sentir mais no bolso dos portugueses. Tudo isto seria uma incógnita em termos eleitorais (Churchill perdeu as eleições depois de ganhar a guerra...), mas quando é o próprio secretário-geral do PS a defendê-lo na famosa reunião com a comunidade chinesa em Portugal, torna-se uma arma política. Na retórica do PSD/PP - e que acaba por ser confirmada por Costa - o país que o PS deixou em queda-livre está agora melhor e cada vez melhor.

Syriza

Já há muitos anos que era óbvio para quem quisesse ver que Alexis Tsipras e o seu partido radical de esquerda eram um perigo para a Grécia e para a Europa[1]. Quando chegaram ao poder, Tsipras, Varoufakis e seus companheiros revolucionários mudaram o rumo e a retórica, e com estes a tímida recuperação que se começava a fazer sentir no país. Tudo isto poderia estar relativamente estanque - em termos político-partidários portugueses - se António Costa não tivesse cometido o erro crasso de se associar à vitória do Syriza (numa traição ao PASOK que deixou muitos boquiabertos) quando afirmou que "a vitória do Syriza é um sinal de mudança que dá força para seguir a mesma linha". Claro que entretanto já se tentou afastar das suas próprias declarações, mas o facto é que os acontecimentos na Grécia (e podemos estar a dias ou semanas de um desastre total) estão agora ligados ao PS. E a cada dia que passa, a cada mil milhões de Euros que desaparecem do sistema financeiro grego, é natural que os portugueses se perguntem se é mesmo Costa que pretendem para chefiar Portugal nos próximos 4 anos.

Sócrates

A detenção do ex-primeiro-ministro é um acontecimento com enormes repercursões políticas. Não faço a mais pequena ideia por que motivo alguém acredita que consegue separar este evento das eleições legislativas, do Partido Socialista e de António Costa. Sócrates não foi preso por pedofilia ou por violência doméstica, mas por suspeitas sérias de ter recebido milhões por actos ilegais e imorais feitos enquanto primeiro-ministro. O crime de que estará a ser acusado não é uma questão pessoal. A alegada corrupção de um primeiro-ministro obviamente que mancha quem com ele trabalhou. Afinal de contas, será que José Sócrates decidia sozinho para quem iam as obras? Não existiam conselhos de ministros? Onde estavam as equipas de trabalho e acompanhamento destas propostas? Quem assinava as adjudicações? Pondo a questão de forma muito simples: se António Costa era o número dois do PS no momento em Sócrates estaria a cometer esses crimes de corrupção, seria ele parte envolvida ou estaria incompetentemente abstraído de tudo o que se passava à sua volta? A confiança de Costa em Sócrates é notória, já que assim que chegou à liderança do PS, iniciou a redenção de José Sócrates (processo em que Ferro Rodrigues também está fortemente envolvido). Finalmente, enquanto antigo ministro da Justiça, não tem Costa nada a dizer quanto às fugas de informação, a demora nos processos, as prisões preventivas eternas?

A generalidade dos comentadores mostra algumas reticências em falar do óbvio por isso deixem-me dizê-lo sem meias palavras: António Costa está profundamente ligado ao destino de Alexis Tsipras e José Sócrates. E os próximos meses poderão trazer o fim do Euro na Grécia e o início do processo de acusação a José Sócrates. Quanto ao anterior líder, António José Seguro, é curioso que nunca mostrou grande interesse no Syriza e é uma das poucas pessoas do Partido Socialista com um currículo anti-Sócrates. Mas até isso não deve servir de alento a nenhum socialista já que Costa não pretende ter Seguro no seu executivo.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Escolha de Inimigos - América confronta o Médio Oriente

Trago-vos hoje mais um livro sobre o Médio Oriente. E mais uma vez de um historiador britânico, embora este seja uma estreia neste blogue: Sir Lawrence Freedman, professor de Estudos de Guerra no King's College London e assessor de Tony Blair. "A Choice of Enemies, America confronts the Middle East" olha para os últimos 50 anos de diplomacia americana no Médio Oriente, do ponto de vista ocidental, i.e. dos seus interesses, medos e ambições. O livre é extremamente frio e em alguns sentidos verdadeiramente amoral, o que é sempre uma forma interessante de olhar para a história. E extremamente difícil de fazer quando nos referimos à história recente.

Se muitos dos livros que aqui trago têm o objectivo explícito de dar a conhecer ao meu público ocidental o que é o Médio Oriente, o Islão e a história deste lugar onde passei praticamente toda a última década, neste caso o livro ajuda a compreender não o Médio Oriente mas as acções dos Estados Unidos. Ao analisar com grande detalhe os processos de decisão norte americanos, o livro consegue também explicar as diferentes personalidades que lideraram a América e os impactos que cada um teve neste mundo. Desde a moralidade e religiosidade de Jimmy Carter à praticalidade de Ronald Reagan; do fim da história de George H. W. Bush até à indiferença de Bill Clinton. E, claro, o atoleiro em que todo o Médio Oriente entrou com a invasão de George W. Bush e Tony Blair (o livro foi publicado em 2008 por isso já não inclui a presidência de Barack Obama).

Se há uma crítica que lhe faço é relativa aos últimos capítulos do livro, onde Freedman parece adivinhar um futuro para o Médio Oriente que está longe de se ter realizado. Onde ele vê um definhamento do movimento islamita, um golpe de  morte na AQAP (Al Qaeda Arabian Peninsula) e na Al Qaeda Iraque (hoje Estado Islâmico / ISIS / ISIL) a realidade mostrou-nos que o seu poder só tinha por onde crescer. Também não viu a necessidade e a vontade de liberdade e democracia no Médio Oriente, que acabou dois anos depois no fim dos regimes da Tunísia, Egipto, Iémen e Líbia, para além de sérias convulsões e guerras civis em vários outros países da região, no que ficou conhecido como a "Primavera Árabe". 

Mas talvez a melhor parte do livro está na descrição das diferentes formas como as administrações americanas lidaram com a questão israelo-palestiniana. Como tentaram, sem grande sucesso, as soluções passo-a-passo (ou seja, tentanto que ambos os lados fossem ganhando a confiança um do outro através de pequenas melhorias na situação geral em termos de segurança, liberdade e representatividade) para as comprehensive solutions que procuram negociar todos os detalhes do problema, permitindo que cada um dos lados pudesse sacrificar áreas importantes por outras vitórias. No final, nunca nenhum resultou. Por muita vontade que alguns dos presidentes americanos tivessem, por muito tempo e dinheiro que investissem, quer do lado de Israel quer da Palestina, existiram sempre demasiados fundamentalistas decididos a destruir qualquer hipótese de paz. Enquanto alguns líderes lutavam pela paz, outros estavam decididos a destruí-la. E ao fim de todas estas décadas, a situação não está melhor e é apenas uma questão de tempo até vermos mais uma intifada, mais uma guerra curta de tipo corta-relva ou mais uma escalada regional generalizada.

Em qualquer caso, este é um livro verdadeiramente sério, que não exige qualquer conhecimento aprofundado prévio e que deve agradar quer a especialistas quer aos que estejam a ler sobre o assunto pela primeira vez. Mais um livro que aconselho, não tanto para compreendermos a história recente do Médio Oriente, mas mais para compreendermos o seu futuro próximo.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Invencível - Unbroken 2014

Este filme de Angelina Jolie retrata uma das muitas histórias de heroísmo e bravura que se passaram durante a guerra de 39-45. Baseado em factos verídicos, Unbroken acompanha a vida de Louis Zamperini, filho de italianos imigrantes nos Estados Unidos que, de uma infância de alcoolismo e brigas chega aos Jogos Olímpicos de Munique onde a sua última volta na prova dos 5000 metros impressionou Hitler de tal forma que este insistiu em o conhecer e cumprimentar (embora esse pormenor não seja incluido no filme). 

Durante a guerra, Zamperini fez parte da tripulação dos bombardeiros B-24 Liberator onde acaba por sofrer um acidente e ficar à deriva no mar durante semanas até se tornar prisioneiro de guerra do Japão. 

O filme é impressionante, bem filmado, com bons actores e com uma história de coragem e perseverança que marcam positivamente uma guerra tão cheia de sofrimento e vingança. Jolie, alguém que já demonstrou tantas vezes a sua energia e vontade de estar do lado certo da História, utiliza aqui a sua arte - e não só a sua imagem e fama - para mostrar mais uma história que merecia certamente ser conhecida pelo público.