sexta-feira, 15 de junho de 2012

A minha vida é uma arma

Book Review

Da autoria de Christoph Reuter e publicado em Portugal pela editora Antígona, "A minha vida é uma arma, uma história moderna dos bombistas suicidas" leva-nos ao intrigante mundo dos que dão a sua vida por causas que consideram ser maiores do que o seu instinto de sobrevivência. É também, inevitavelmente, uma história do Médio Oriente moderno e do Islão das últimas quatro décadas, mesmo que esse fenómeno não seja um exclusivo nem desta região nem desta religião.

Resolve inúmeros mitos como o grau de religiosidade dos auto proclamados mártires, focando-se sobretudo na motivação destes e nos seus resultados a curto, médio e longo prazo. Acima de tudo, considero que o grande valor do livro está na capacidade de Reuter de fazer as perguntas certas, mesmo quando incómodas. É demasiado fácil - e inútil - considerar simplesmente estas pessoas como fanáticos religiosos que procuram destruir o mundo e ir para um paraíso repleto de virgens à sua disposição. Porque motivo não existiu um único bombista suicida palestiniano desde a criação do estado de Israel (em 1948) até aos anos 80? Porque motivo os atentados não foram constantes mesmo depois de aberto o precedente? O que explica que o Irão tenha utilizado mártires a uma escala de dezenas de milhares numa só batalha contra o Iraque? Qual a relação dos Kamikazes japoneses com tudo isto? Como é que a extremistas religiosos muçulmanos utilizam a via do suicídio quando este é expressamente proibido pelo Corão? Como é que a Al Qaeda (essencialmente Sunita) adquiriu esse fenómeno que era próprio da cultura sacrificial Shiita? Como é que esses métodos são depois "exportados" para o Sri Lanka ou a Tchechenia? Qual a relação entre os processos de paz e estes ataques?

Com apenas 5 bombistas suicidas, o Hizbullah conseguiu causar no início dos anos 80 mais de 500 mortes inimigas, entre americanos, franceses e israelitas. Repeliu para fora do Líbano três dos mais poderosos exércitos do mundo. Desde então, tornou-se numa máquina de propaganda que compreendeu que nenhuma missão é bem sucedida se não for filmada e mostrada ao mundo através da sua televisão Al Manar. Os seus planos de emitir em Hebraico e Inglês mostram a importância que dão a amplificar os seus feitos e causar terror nos seus inimigos.

A maioria das histórias deste livro aparecem descritas em muitos outros livros sobre o Líbano, Israel, Palestina, Irão e Iraque. No entanto, há algo diferente aqui, que é o ponto de vista. Reuter procura os traços comuns entre os vários ataque assim como aquilo que os distingue. Entrevista as famílias dos "mártires" e os sobreviventes de ataques falhados e descreve os terramotos políticos causados por estes.

Depois de acabar o livro dou comigo a pensar que, dado o sucesso militar (e terrorista) de muitos destes ataques, que nada impede que os poderemos ver em breve cometidos por pessoas de outras religiões ou sem qualquer religião. O Sri Lanka foi já um exemplo disso. Os comunistas laicos da PFLP (Popular Front for the Liberation of Palestine) também.

Não sobram muitas armas a quem luta numa situação de total desvantagem, e estes atentados são a pura essência do terrorismo moderno: a criação de terror incontrolável em países seus inimigos, conseguindo a vitória sobre potências que numa guerra convencional nunca perderiam. São métodos assustadores para todos nós que assistimos a estes conflitos de longe e ainda mais para as suas vítimas, mas não são inconsequentes nem irreflectidos.



   

2 comentários:

  1. A história ajuda-nos sem dúvida a entender o presente mas também a perspetivar o futuro. Foi exatamente um professor de história do 11º ano que me fez olhar para a questão palestiniana e para os bombistas suicidas com outros olhos. Quando todos criticávamos um atentado contra civis Israelitas à luz da leitura ocidental do acontecimento, o professor lembrou que "eles não têm outra arma".Obrigada pela partilha. Falta-me tempo para ler todos os livros de que falas, mas vou arranjando sempre tempo para este blogue. Retira-nos dos limites do nosso território lembrando outras realidades que nos ajudam a entender a nossa, mas sobretudo a relativizar o que aqui se vai passando em terras de reis mais nus que vestidos :)

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    1. Olá Clara

      Muito obrigado pelas tuas palavras.

      Esta questão dos "mártires" é de facto interessante e não é sempre igual. Alguns usam-nos em larga escala, outros de forma parcimoniosa. Uns não têm escrúpulos em utilizarem-nos contra civis (como o Hamas ou a Al Qaeda) enquanto outros apenas para alvos militares (como o Hizbullah ou o Irão).

      O livro é muito bom. Confesso que não conhecia o autor até pegar no livro, mas já percebi que é dos que vou começar a acompanhar com mais atenção.

      Os melhores cumprimentos,

      António

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