terça-feira, 26 de junho de 2012

O caminho das pedras

A Praça Tahrir enche-se para celebrar a vitória de Morsi
As eleições presidenciais no Egipto entregaram o poder a Mohamed Morsi, candidato apoiado pela Irmandade Muçulmana, no entanto não existe uma constituição aprovada e para já não estão definidos os poderes do presidente egípcio. Ahmed Shafik perde por uma margem mínima e continua a ser o homem de confiança do aparelho construído por Mubarak durante décadas. Esse mesmo aparelho, em especial o SCAF (Conselho Supremo das Forças Armadas) continua agarrado firmemente ao poder e dissolveu o parlamento, o único orgão com alguma representatividade democrática e que poderia colocar as forças armadas no lugar deles - nos quarteis. Entretanto, Hosni Mubarak é dado como morte e logo a seguir como vivo mas em coma. Chegam-nos relatórios de que os cristãos coptas, representando cerca de 10% da população do país [1] estão aterrorizados com a hipótese de que o Egipto siga uma via teocrática ao estilo do Irão pós-revolucionário.

Falei aqui recentemente deste beco sem saída, um país sem constituição, sem parlamento, com umas forças armadas altamente politizadas e onde dezenas de milhares de pessoas têm esqueletos no armário fruto do trabalho da temida polícia secreta - Mukhabarat - durante três décadas [2].

O discurso de vitória de Morsi [3] procurou trazer alguma calma a todo o processo. Construiu uma imagem tranquila daquilo que procura fazer em termos nacionais, sem colocar de lado as minorias étnicas e religiosas, e defendendo uma via democrática clara. Em termos regionais e internacionais, pretende defender o acordo de paz com Israel assinado ainda pelo falecido presidente Anwar Sadat em 1981 (assassinado durante uma parada militar, com Mubarak sentado ao seu lado) e uma normalização das relações diplomáticas com o Irão. Este último item foi mal visto pela comunidade internacional, mas mostra a meu ver uma boa decisão em termos de política interna e procura um equilíbrio entre a influência da Arábia Saudita e outras forças regionais no país.

Morsi terá que ser extremamente habilidoso a lidar com o SCAF, procurando um apoio constante do povo egípcio. Terá que manter um equilíbrio difícil na região evitando a excessiva influência dos salafistas apoiados pela Arábia Saudita e estados do golfo pérsico. Terá que acalmar os medos israelitas que viram a vitória de Morsi como o fim de todas as esperanças de paz entre os dois países (algumas capas de jornais incluiam títulos como "Trevas no Egipto" e "O Temor tornou-se realidade). E os medos em Israel tendem a transformar-se em terror nos EUA e sangue na região.

O mais triste disto tudo é que Morsi deveria ocupar o seu tempo a tentar democratizar o país e colocá-lo no caminho do progresso económico, cultural, judicial e educacional de que tanto precisa. Mas dificilmente terá tempo para isso pois estará mais preocupado com a sua sobrevivência. Política... e física.

2 comentários:

  1. Vi o discurso de um dos representantes da candidatura de Morsi, na BBC, e apesar de ter fugido a várias questões, quase todas acerca do entendimento com o SCAF, falou claramente que queriam seguir uma via democrática ocidental, onde todas as religiões seriam respeitadas sem beneficio de nenhuma em particular. Fez uma boa separação entre vida politica e religiosa frisando que são duas coisas diferentes.

    Parece-me que o verdadeiro problema está mesmo na relação do novo governo com o SCAF. A implementar a liberdade religiosa e a ideia democrática que quiseram transmitir, tudo o resto será acessório e fará com que a conversa de um país rendido ao fundamentalismo deixe de fazer sentido.

    O tempo o dirá.

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    1. Esperemos que sim. Não acredito que alguém no Egipto pretenda ver o país como um estado pária, como no Irão.

      Mas o Egipto é a alma do mundo islâmico. O que lá acontecer vai reprecurtir-se em toda a região.

      Um pequeno desejo secreto é que daqui a uns 5 ou 10 anos os egípcios se cansem da IM e começem a votar nos laicos, e que essa passagem seja feita de forma pacífica e democrática.

      É um assunto para andarmos bem atentos.

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