A Praça Tahrir enche-se para celebrar a vitória de Morsi |
Falei aqui recentemente deste beco sem saída, um país sem constituição, sem parlamento, com umas forças armadas altamente politizadas e onde dezenas de milhares de pessoas têm esqueletos no armário fruto do trabalho da temida polícia secreta - Mukhabarat - durante três décadas [2].
O discurso de vitória de Morsi [3] procurou trazer alguma calma a todo o processo. Construiu uma imagem tranquila daquilo que procura fazer em termos nacionais, sem colocar de lado as minorias étnicas e religiosas, e defendendo uma via democrática clara. Em termos regionais e internacionais, pretende defender o acordo de paz com Israel assinado ainda pelo falecido presidente Anwar Sadat em 1981 (assassinado durante uma parada militar, com Mubarak sentado ao seu lado) e uma normalização das relações diplomáticas com o Irão. Este último item foi mal visto pela comunidade internacional, mas mostra a meu ver uma boa decisão em termos de política interna e procura um equilíbrio entre a influência da Arábia Saudita e outras forças regionais no país.
Morsi terá que ser extremamente habilidoso a lidar com o SCAF, procurando um apoio constante do povo egípcio. Terá que manter um equilíbrio difícil na região evitando a excessiva influência dos salafistas apoiados pela Arábia Saudita e estados do golfo pérsico. Terá que acalmar os medos israelitas que viram a vitória de Morsi como o fim de todas as esperanças de paz entre os dois países (algumas capas de jornais incluiam títulos como "Trevas no Egipto" e "O Temor tornou-se realidade). E os medos em Israel tendem a transformar-se em terror nos EUA e sangue na região.
O mais triste disto tudo é que Morsi deveria ocupar o seu tempo a tentar democratizar o país e colocá-lo no caminho do progresso económico, cultural, judicial e educacional de que tanto precisa. Mas dificilmente terá tempo para isso pois estará mais preocupado com a sua sobrevivência. Política... e física.
Vi o discurso de um dos representantes da candidatura de Morsi, na BBC, e apesar de ter fugido a várias questões, quase todas acerca do entendimento com o SCAF, falou claramente que queriam seguir uma via democrática ocidental, onde todas as religiões seriam respeitadas sem beneficio de nenhuma em particular. Fez uma boa separação entre vida politica e religiosa frisando que são duas coisas diferentes.
ResponderEliminarParece-me que o verdadeiro problema está mesmo na relação do novo governo com o SCAF. A implementar a liberdade religiosa e a ideia democrática que quiseram transmitir, tudo o resto será acessório e fará com que a conversa de um país rendido ao fundamentalismo deixe de fazer sentido.
O tempo o dirá.
Esperemos que sim. Não acredito que alguém no Egipto pretenda ver o país como um estado pária, como no Irão.
EliminarMas o Egipto é a alma do mundo islâmico. O que lá acontecer vai reprecurtir-se em toda a região.
Um pequeno desejo secreto é que daqui a uns 5 ou 10 anos os egípcios se cansem da IM e começem a votar nos laicos, e que essa passagem seja feita de forma pacífica e democrática.
É um assunto para andarmos bem atentos.