sábado, 29 de setembro de 2012

A Queda de Berlim 1945

Book Review

Beneficiando da grande quantidade de registos tornados públicos depois da queda do muro de Berlim e do colapso da União Soviética, Antony Beevor (Bertrand Editora) traz-nos este excelente livro que se centra nos últimos meses da segunda guerra mundial na Europa.

Estas são histórias contadas vezes sem conta em livros e filmes, mas que de alguma forma não cansam porque esta guerra continua a ter algo de único e absoluto. Algo que não podemos permitir que se repita. 

Há uns anos atrás, num documentário sobre este tema, uma idosa alemã contava como tinha sido violada por membros do Exército Vermelho durante a invasão de Berlim, quando ainda era jovem. Mais do que a sua descrição, o que me tocou mais foi a sua frase final: "não acredito que tenha havido alguma mulher em todo o país que não tenha sido violada". Essa ideia de uma violação massiva de todo um país era algo que só poderia ser comparado com os crimes dos próprios nazis. Mas que, ao contrário destes, não era particularmente recordada. Mesmo que essa frase não pudesse ser levada à letra, mostra sem margem para dúvidas um crime em larga escala cometido por um exército e devidamente abafado pelas potências vencedoras. 

Antony Beevor mostra-nos toda essa história. Da violência de um Exército Vermelho decidido a vingar as atrocidades cometidas pelos nazis nas nações soviéticas. Da facilidade com que pilhavam, destruíam e violavam tudo o que encontravam. Um exército de milhões, totalmente desorganizado, fanaticamente decidido e acossado a conquistar Berlim a tempo das comemorações do 1º de Maio em Moscovo, resultando em inúmeras mortes causadas por "fogo-amigo".

A insanidade da liderança nazi é também um dos assuntos centrais deste livro. A sua insensibilidade ao sofrimento que causaram aos seus próprios civis. A forma como obrigaram crianças e velhos a pegar em armas e como enforcaram ou fuzilaram todos aqueles que fugiram ao recrutamento ou que colocaram bandeiras brancas de rendição nas janelas de suas casas. Como, com a frente russa a centenas de metros de distância, Hitler ainda falava das suas armas maravilha, dos seus exércitos que na realidade já não existiam e de como iria dar a volta à guerra. E, talvez o mais inacreditável, como até à sua morte conseguiu manter um controlo total sobre o aparelho político e militar.

Uma última nota para a importância das topas nazis estrangeiras que lutaram até ao último dia na defesa de Berlim. É algo de que - confesso - não tinha noção que tomara tais proporções. Tropas SS escandinavas, russas e francesas lutaram fanaticamente contra os exércitos russos, mesmo quando os exércitos sobreviventes alemães lutavam apenas com o objectivo de se conseguirem entregar às potências ocidentais, dados os seus receios de serem escravizados pela URSS. Naturalmente, estes nazis estrangeiros tinham poucos motivos para acreditar que seriam bem tratados nos seus países de origem, o que pode ajudar a explicar porque não encontraram outra saída senão a luta até à morte.

Um livro muito interessante, e onde não me é possível fazer nenhuma crítica negativa. Um autor a que espero regressar em breve. 

5 comentários:

  1. “Mais do que a sua descrição, o que me tocou mais foi a sua frase final: "não acredito que tenha havido alguma mulher em todo o país que não tenha sido violada". Essa ideia de uma violação massiva de todo um país era algo que só poderia ser comparado com os crimes dos próprios nazis. Mas que, ao contrário destes, não era particularmente recordada. Mesmo que essa frase não pudesse ser levada à letra, mostra sem margem para dúvidas um crime em larga escala cometido por um exército e devidamente abafado pelas potências vencedoras.”

    No campo de violações, aos alemães podemos tirar-lhes o chapéu.
    Fala-se muito nas violações do exercito vermelho (pensa-se que 2 milhões, a esmagadora maioria com múltiplas violações (quiçá o nº será superior) dos 8 aos 80), estimuladas abertamente pela escol soviética de então, mas esquece-se o resto dos aliados.
    Daquilo que sei, os ingleses até foram os que se portaram melhor. Já os americanos foram uma desgraça. As mais altas patentes até chegaram a dizer que não havia necessidade de violar, pois eles é que tinham sabão, comida, chocolates... Penso que não é preciso dizer mais nada, mas é necessário lembrar que a Alemanha de então foi sujeita à maior fome que só estaline ultrapassou na Ucrânia, que exterminou milhões de alemães (só nos campos de concentração James Baque calcula 2 milhões), sem que no entanto tivesse havido falta de produção. Aliás os armazéns da cruz vermelha na Alemanha estavam a abarrotar de alimentos.
    As mulheres dos soldados americanos por fim tiveram de começar a andar com braçadeiras, para as distinguir das mulheres alemãs.
    Depois temos os franceses, que por razões diferentes quase que andaram a competir com os Russos. É que como não tinham dinheiro para pagar às tropas e para poderem ter um exército decente, recrutaram nas ex-colónias. Fazia parte do contrato (e do pré), poderem violar as mulheres que quisessem. Houve aldeias inteiras em que as pessoas eram obrigadas a por à porta de casa ou dos prédios uma lista das pessoas que lá viviam, idade e sexo. Até homens foram violados.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa Tarde Carlos

      Obrigado pela sua contribuição. Acrescentava aí os massacres e violações feitos pelos japoneses na China. O comportamento do exército japonês é - ainda hoje - um assunto tabu no Japão e uma fonte de grande incómodo diplomático entre os dois países.

      Os melhores cumprimentos,

      António

      Eliminar
  2. “Uma última nota para a importância das topas nazis estrangeiras que lutaram até ao último dia na defesa de Berlim. É algo de que - confesso - não tinha noção que tomara tais proporções. Tropas SS escandinavas, russas e francesas ...”

    Noruegueses, Dinamarqueses, Franceses e franceses com unidades das colónias, Belgas, Ingleses, Holandesas, Italianos, Luxemburguesas, Espanhóis, Suecos, Suíços, Albaneses, Checoslovacos, Gregos, Húngaros, Jugoslavos, Soviéticos. Parece-me que faltam alguns mas não me lembro quem.
    Isto para não falar dos, entre 100 mil a 150 mil judeus, incluindo oficiais generais.

    Os primeiros soldados da legião estrangeira (“mercenários” franceses), eram alemães que se ofereciam para fugirem dos campos de concentração aliados, para não morrerem à fome. Nos primeiros tempos falava-se alemão e não francês.

    ResponderEliminar
  3. Caro António
    Está-se a referir à guerra sino-japonesa.
    Eu estava a referir-me à 2GG e ao comportamento dos aliados. No fundo à Europa.
    Posso no entanto adiantar-lhe, que nos julgamentos de crimes de guerra a que os japoneses foram submetidos, parecem histórias do outro mundo.
    Houve testemunhas de acusação que disseram que lhes tinham espetadas baionetas, decapitados e atirados de penhascos, mas que tinham conseguido sobreviver e que ali estavam para poderem testemunhar. Realmente pessoas extraordinárias...
    Aceito sem qualquer tipo de constrangimento que os japoneses, ou quaisquer outros, tenham tido comportamento criminosos, ou que assim possam ser classificados, mas penso que não devemos tentar justificar os crimes dos aliados, pelos crimes cometidos por outros noutras guerras.

    Um livro bom de James Bacque Outras perdas.
    Se quiser alguns livros que tenho em PDF diga. Terei todo o prazer em enviar-lhos. São é quase todos em inglês.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa noite Carlos

      Não procuro de forma alguma limpar os crimes dos aliados utilizando como desculpa os crimes do Eixo. E não foram poucos. Os bombardeamentos dos aliados sobre a Alemanha foram em muitas ocasiões ataques directos aos civis, com bombas incendiárias e que causaram centenas de milhares de mortos. Mesmo o ataque nuclear americano ao Japão foi precedido por ataques massivos sobre Tokyo que causaram ainda mais vítimas do que estes. Infelizmente na guerra acabam por haver muito poucos inocentes.

      E obviamente que os crimes de guerra são também altamente politizados. Basta ver que nenhum líder aliado teve que responder perante actos tão grotescos como os que referi anteriormente.

      Vou procurar ler o livro que aconselhou.

      Os melhores cumprimentos,

      António

      Eliminar