sábado, 8 de setembro de 2012

CNN e o jornalismo mercenário

Amber Lyon - ex âncora da CNN
A Primavera Árabe tem sido um dos temas mais comuns deste blog, onde procuro contribuir para esclarecer alguns dos eventos do Médio Oriente que tanta confusão causam ao ocidente, tão habituado a resumir esta região do mundo a bons e maus seguindo fielmente a imagem passada pelas grandes redes de notícias internacionais.

Também aqui já declarei a falta de fé que tenho na veracidade de algumas histórias passadas em muitas televisões e jornais, claramente deturpadas por agendas ideológicas ou interesses comerciais. Mas a história que vos trago hoje deveria ser relida vezes sem conta, porque demonstra que tudo aquilo em que acreditamos pode ser simplesmente uma ilusão.

Como a tantos outros países desta região, o ano de 2011 trouxe uma esperança de que algo poderia mudar nas aparentemente eternas ditaduras do  Médio Oriente. O povo do minúsculo Bahrain[1], animado pelas conquistas dos seus irmãos tunisinos e egípcios, saiu à rua a protestar pela discriminação entre sunitas e xiitas no seu país[2]. Neste país, uma minoria sunita detêm o poder enquanto a maioria xiita está afastada deste. A revolução é por isso maioritariamente, embora não exclusivamente, xiita. No entanto o Bahrain tem ao seu lado a Arábia Saudita, país profundamente conservador (os termos fundamentalista ou retrógrado seriam igualmente apropriados) controlado pela sua esmagadora maioria sunita e representa a maior potência da península arábica. Aparentemente por pedido do Rei do Bahrain, Shaikh Khalifa, o GCC (Conselho de Cooperação do Golfo, uma espécie de CEE local) enviou um mês depois do início da rebelião uma força militar saudita e emirati para resolver o problema. Recordo-me de na altura ter ficado com a impressão de que o pedido teria sido feito depois, e não antes, da movimentação saudita o que a tornaria de facto uma invasão, como muitos dos protestantes reclamaram na altura[3]

Embora tenha sido largamente ignorada pelos media (não só pelos ocidentais mas também pelos da região), parecem existir planos de tornar o Bahrain em mais uma província saudita, o que resolveria o problema da maioria xiita, que se tornaria irrelevante quando integrada no seu gigantesco estado vizinho.

O país inteiro é, deve-se dizer, praticamente invisível na região e serve para pouco mais do que hospedar a 5th Fleet da marinha americana[4], um grande prémio de F1 por ano[5], receber milhares de sauditas todos os fins de semana (à procura de álcool e prostituição)[6] e permitir a renovação do visto para milhares de expats residentes nos Emirados Árabes Unidos[7].

Não obstante a sua pouca importância, o Bahrain é um aliado do ocidente e não coloca quaisquer entraves à presença da frota americana enquanto paralelamente investe massivamente em relações públicas nos media ocidentais procurando investimento directo estrangeiro, já que ao contrário de muitos dos seus vizinhos, não tem petróleo nem gás natural. A CNN, a mais vista de todas as televisões de notícias em língua inglesa em todo a região, é um dos grandes beneficiários deste investimento fazendo programas partilhados com as autoridades locais, muitas vezes disfarçadas de reportagens noticiosas e sem mostrar o patrocinador do programa[8].


Em Junho de 2011, durante a filmagem de um documentário da CNN intitulado de iRevolution, a âncora Amber Lyon encontrou uma verdadeira revolução e mostrou um conjunto alargado de violações de direitos humanos por parte do governo do Bahrain. Muitas das pessoas que pretendiam entrevistar foram entretanto presas ou desapareceram, outras foram presas pouco tempo depois, muitas mostraram as marcas de tortura e brutalidade policial e incluiu no seu documentário filmagens que mostram claramente as autoridades a dispararem indiscriminadamente sobre manifestantes desarmados e pacíficos. A CNN, depois de ter gasto mais de 100.000 USD na produção deste documentário resolveu - alegadamente por decisão editorial[9] - não o mostrar e Amber Lyon foi despedida no início de 2012, durante uma reestruturação da CNN[10], depois de uma guerra entre esta e as chefias da CNN precisamente devido ao iRevolution. A bem da verdade, uma pequena parte de 13 minutos do documentário foi publicado online no YouTube onde está (por enquanto) disponível[11].

Toda esta dualidade de critérios editorial e a sua relação com os patrocínios é demonstrada cuidadosamente por Glenn Greenwald do The Guardian, no seu artigo de 4 de Setembro de 2012 "Why didn't CNN's international arm air its own documentary on Bahrain's Arab Spring repression?"[12].

Durante o último ano assistimos quase diariamente como a Rússia tem sido acusada de apoiar o criminoso regime de Bashar Al Assad devido à existência de uma base naval russa em território sírio[13]. Aparentemente, o comportamento das potências ocidentais não é muito diferente...   

2 comentários:

  1. Bom dia

    Eu tenho estado do a ler durante a semana alguns textos ligados a pricipalmente ao Médio Oriente, tenho reparado que os textos tem bastantes pormenores que não passam em jornais ou em telejornais do Ocidente (eu não vejo com frequência a cnn ou aljazera) mas já deu para ver que existem diferenças nestes 2 canais noticiosos, quando se trata de uma notícia mais importante.

    Eu costumo dizer que estes canais (não me refiro concretamente A,B,ou C) bem como a internet são fontes falsas, pois são ambas manipuldas por grandes multi-nacionais e não só (governos, hackers). Mas nos textos você fala de assuntos que de uma forma ou de outra têm credeblidade pois parece que viveu alguns dramas ou aventuras no Médio Oriente na primeira pessoa como jornalista, e é sempre bom ter alguém que partilhe assuntos e histórias do género que muitas vezes não passam para os meios de comunicação.

    "Não obstante a sua pouca importância, o Bahrain é um aliado do ocidente e não coloca quaisquer entraves à presença da frota americana..." não coloca nem se atreve a faze-lo, você já deve saber como funciona o sionismo americano e do Ocidente, como deve saber os EUA têm e sempre tiveram um plano de evasão a Portugal por causa das lajes, bem como Portugal sempre teve um como defender se dele, e manteve sempre laços estreitos com paises "anti-americanos" Venezuela, China, Rússia entre outros um exemplo disso é a política externa portuguesa e a influência que exerce em Angola, isso porquê? para impedir que EUA/Rússia exercam qualquer tipo de influência.

    Retornando ao assunto o Médio Oriente juntamente com Africa será sempre "fustigado" pelo os mesmos do costume, são um espécie de Brasil daqui a 20 anos uma potêcia mas sem influência isso porque não iram permitir que tal aconteça.

    Ou seja este cenário e massacre nestas regiões seram sempre contínuas, o que é lamentavel mas é lá que está a riqueza que serve para ostentar o Ocidente.

    Obrigado pela sua atenção.



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    1. Bom dia Fábio

      Não digo que sejam fontes falsas, mas infelizmente também não posso dizer que confio totalmente no que dizem e ainda menos no que omitem.

      A Al Jazeera, por exemplo, é uma excelente cadeia de televisão. Mas se estiverem a falar sobre o Qatar eu mudo imediatamente de canal. Como é que eles poderiam alguma vez ser transparentes em relação ao governo do Qatar se é o próprio Rei que financia pessoalmente a estação?

      Pelos vistos o mesmo acontece em relação à CNN. Já me tinha dado conta da quantidade de vezes que via programas extremamente simpáticos para com a Índia (por exemplo) e depois chegava o intervalo e dava o famoso anúncio "Incridible India" do ministério do turismo indiano. Mas aqui parece que passaram totalmente das marcas.

      Só um esclarecimento. Não sou nem nunca fui jornalistas. O meu emprego leva-me a viajar bastante e tenho passado os últimos anos por esta região, mas nunca fui jornalista nem tenho a formação ou competência para o fazer.

      De resto estamos de acordo: tal como África, o Médio Oriente continua a ser um campo de batalha para os verdadeiros poderes do mundo. Rico em petróleo, pobre em instrução e demasiado crente na sua religião, parece estar destinado a muitas mais décadas de sofrimento antes de conseguirem encontrar um destino melhor. Mas nada disso nos deve impedir de gritar aos ventos as hipocrisias que aqui assistimos.

      Por fim, em relação ao Brasil, estou bastante curioso para ver qual o seu comportamento. Noto nos últimos 10 anos uma certa vontade "internacionalista" e emergir por baixo da antiga capa de "isolacionista". Isto nota-se não só em termos económicos e financeiros, mas também ao nível militar onde começaram a contribuir para operações de paz da ONU. Também em termos diplomáticos mostrou - por exemplo na questão da aceitação da Palestina como estado - alguma liderança e coragem para enfrentar alguns velhos aliados. Como lhe digo, estou curioso para ver se fica por aqui ou se vai começar a tomar o seu lugar de potência regional e mundial.

      Os melhores cumprimentos,

      António

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