sábado, 25 de janeiro de 2014

10 mitos sobre a Grande Guerra

"Leões e Burros - 10 mitos sobre a Grande Guerra" é o título de um curioso artigo da BBC[1] sobre as ideias erradas que existem sobre a guerra de 1914-1918. De acordo com o historiador Dan Snow muito do que julgamos saber sobre este conflito está errado e aponta os dez maiores erros. Aqui fica uma tradução livre deste artigo. Uma vez que o simplifiquei largamente, aconselho vivamente a lerem o artigo original caso fiquem curiosos em relação a alguns dos detalhes históricos sobre as dez ideias.

Tricheiras durante a primeira guerra mundial



1. A Guerra mais sangrenta até então: Falso. Quer em valores absolutos como em percentagem da população.


2. A maioria dos soldados morreram: Falso. "Apenas" cerca de 11,5% morreram, percentagem largamente ultrapassada noutras guerras anteriores.


3. Os homens viviam em trincheiras durante anos: Falso. Tipicamente não mais 10 dias por mês e apenas 3 nas da frente.

4. As classes altas consiguiram fugir à guerra: Falso. As elites foram desproporcionalmente afectadas pela mortalidade das guerras de trincheiras. Inclusivé um filho do Primeiro Ministro inglês Herbert Asquith morreu em combate.

5. "Leões liderados por Burros": Falso. A ideia de que corajosos rapazes eram liderados por generais incompetentes do alto dos seus castelos é errada e injusta. Os tácticas e estratégias adaptaram-se muito rapidamente às tecnologias introduzidas na guerra o que obrigou todos os lados a serem - como se diz hoje - extremamente inovadores. Para além disso mais de 200 generais foram mortos, feridos ou presos o que demonstra uma proximidade muito maior do combate do que se viu nas guerras que se seguiram.

6. Quem lutou em Gallipoli foram os Australianos e os Neozelandezes: Falso. Representando uma das maiores derrotas da história da Inglaterra, não admira que tenham passado as culpas para algumas das tropas coloniais. Mas esta humilhação perante os Turcos Otamanos - entre os quais brilhou o jovem oficial Mustafa Kemal, mais tarde promovido a "Ataturk", i.e. "Pai dos Turcos"[2] - teve uma grande e determinante participação britânica, bastante maior do que a dos soldados da Oceania. Ausente do artigo original está também a intervenção de Churchill, um dos responsáveis pelo desastre[3]

7. As táticas na frente ocidental mantiveram-se alteradas durante toda a guerra: Falso. Os avanços da artilharia, lança chamas, armas químicas, tanques, aviação, rádio entre tantas outras causaram mudanças enormes que se reflectiram no dia-a-dia dos soldados na frente de combate.

8. Ninguém ganhou: Falso. Militarmente falando, as potências ocidentais ganharam claramente a guerra. No final, a acumulação de derrotas em terra e no mar causaram a revolução do povo germânico que não as aguentou mais e derrubou a monarquia.

Versailles 1919
9. O Tratado de Versailles foi demasiado duro: Falso de acordo com Dan Snow (permito-me discordar deste ponto). Segundo este historiador, o tratado retirou apenas 10% do território da Alemanha permitindo manter-se como a nação mais rica da Europa continental.

10. Toda a gente odiou a guerra: Falso. Para muitos, a guerra terá sido uma experiência boa. Aparentemente as condições de comida (em especial a carne), liberdade sexual, acesso a bebidas alcoólicas entre outras conseguiram que o moral se mantivesse elevado durante toda a guerra para os britânicos.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Centenário da Grande Guerra

Embarque das tropas do Gen. Alves Roçadas
para Angola em Outubro de 1914
Este ano celebra-se o centenário do início da Primeira Guerra Mundial. Espero ver, por toda a Europa e em quase todo o mundo um interesse acrescido por esta história de horror. Uma guerra que todos previam rápida, preparada por estrategas que estudaram cuidadosamente as táticas napoleónicas e encontraram uma realidade onde as minas terrestres, os ninhos de metralhadoras, os bunkers e as horrorosas trincheiras eram rainhas. As grandes cargas de cavalaria chegaram ao fim para serem substituidas por uma guerra altamente industrializada, com milhões de mortos, anos de guerra e um profundo redesenho do mundo. Em paralelo, a ascensão do comunismo, o aparecimento dos Estados Unidos da América como potência mundial e a ferida de morte causada aos grandes impérios do século XIX, inclusivé aos vencedores. Por fim, a semente para o que viria ser o maior de todos os conflitos da história: a segunda guerra mundial.






PS1: Chamo aqui a atenção para os ciclos de conferências que estão a ser preparadas pelo ministério da defesa e cuja agenda pode ser consultada em http://www.portugalgrandeguerra.defesa.pt

PS2: Certamente voltaremos a muitos dos temas da Grande Guerra. Mas relembro aqui alguns dos artigos que escrevi anteriormente que são relacionados:


Origens da Grande Guerra

O outro Holocausto

A Grande Guerra pela Civilização

A senseless squalid War


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Burka

Green Burka - Pintura de Katalin Verebics

Vi esta pintura hoje, em Abu Dhabi, e achei-a extremamente intrigante. Não só na sua componente artística e na beleza da sua execução, na qual certamente não serei especialista, mas especialmente na história que conta. Gostei da mistura de componentes conservadoras e modernas que mostra, na dualidade do motivo da burka com a natureza da mulher, e da forma como tudo isso se conjuga nos dias de hoje.

No início vi apenas uma mulher com a tradicional abaya árabe, o vestido preto que cobre o corpo todo, assim como o hijab que cobre a cabeça. No entanto o hijab não está lá. Apenas o assumi porque deveria estar. Na realidade são umas madeixas de cabelo totalmente pretas que lá estão, assim como uns óculos escuros, tão comuns nas elegantes mulheres do golfo.

A máscara, chamada batula, é hoje em dia bastante rara mas ainda pode ser vista de vez em quando nos países do golfo, tipicamente usado por mulheres mais velhas. Embora bastante central, não percebemos se a jovem a está a retirar ou a colocá-la.

Os olhos, que acabam por concentrar toda a atenção de uma mulher que, salvo estes, se encontra totalmente tapada estão, como é tão habitual nesta região do mundo, maquilhados com cores escuras que os realçam. As unhas, uma das outras partes que poderá estar à vista encontram-se pintadas com uma cor forte, embora não seja totalmente perceptível qual é exactamente.

Um último pormenor encontra-se nas mangas do vestido com uns intrincados padrões.

Costumo ouvir que a tradicional abaya tem como objectivo proteger as mulheres dos olhares dos homens e evitar a vaidade feminina. A ser verdade a realidade parece indiciar algo diferente: que a vaidade faz mesmo parte da natureza humana e estará sempre presente.


quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

As Guerras do Bacalhau

Violenta colisão entre o Navio britânico HMS Yarmouth
 e o navio islandês ICGV Thor em Março de 1976
Confesso que até há pouco tempo nunca tinha ouvido falar das Guerras do Bacalhau[1], entre a Islândia e o Reino Unido. Não sei bem o que me chamou à atenção. Talvez as saudades do bacalhau, que me parecem motivo suficiente para alguém iniciar uma guerra. Ou o facto de Portugal, como grande consumidor de bacalhau não estar envolvido. Ou por ser uma guerra entre dois países democráticos, uma raridade histórica. Se as democracias não se inibem de entrar em guerras e até de as iniciar, não é comum que o façam entre elas. Muito menos entre duas democracias estáveis como a Islândia e o Reino Unido da segunda metade do século XX.

O motivo da guerra foram os direitos de pesca nas águas à volta da Islândia. Os sucessivos aumentos da zona exclusiva islandesa, que foram subindo de 12 milhas marítimas até 200 milhas ao longo de vários anos, causaram consternação nas vilas piscatórias inglesas que dependiam desse peixe. A marinha inglesa, incomparavelmente superior à islandesa não deveria dar qualquer hipótese. No entanto ambos os lados temiam a escalada da violência e ambos jogavam com o facto de saberem que o outro também evitaria essa escalada. Teoria dos Jogos de John Nash no seu melhor.

Felizmente esta guerra não levou quaisquer vidas. Mas nem por isso deixou de ter o seu grau de violência. Os navios abalroaram-se mutuamente causando danos significativos e só por acaso não levaram umas quantas vidas. Pelo meio, a opinião pública dos dois países fazia toda a diferença, a apoio das restantes nações também.

Uma última nota para a coragem deste pequeno país, a Islândia, que não teve medo de fazer frente a uma das grandes potências do mundo. Isso é, aliás, o que voltou a fazer quando foi o primeiro dos países a cair com a crise de 2008. Concorde-se ou não com a decisão que tomaram - a de não salvar os bancos e de não assumir quaisquer dívidas desses bancos em relação ao resto do mundo - a verdade é que foi uma atitude corajosa e com um grau de risco elevadíssimo. Poderiam ter sido excluídos da comunidade internacional, a sua moeda ter deixado de ser aceite e, num país tão dependente do exterior em termos de matérias primas e outros recursos básicos, a hipótese de um desastre total era muito possível. Como em 2008, nas Guerras do Bacalhau, o país uniu-se e lutou com um só. Sem medo. E como em 2008, ganhou.