sábado, 28 de março de 2015

Iémen, a caminho do abismo

Muitos recordarão com saudades os tempos em que o Iémen era apenas o mais pobre dos países da península arábica. Quando o medo constante da Al Qaeda, os eventuais ataques de drones americanos, a violência dos serviços de segurança e a falta de liberdade política aterrorizavam o país. Tirando as ocasionais referencias em algumas publicações especializadas no Médio Oriente e o comovente e assustador livro "Divorciada aos 10 anos" de Nojoud Ali e Delphine Minoui, este país esteve nas últimas décadas praticamente esquecido do mundo. Para todos os efeitos, o Iémen esteve sempre mais longe das esplendorosas monarquias do Golfo do que New York ou Tokyo.

Mesmo nos inúmeros livros sobre o Médio Oriente e o seu turbulento século XX, este país poucas menções recebe para além de ter sido o campo de batalha no jogo de forças entre a Arábia Saudita e o Egipto de Nasser. Guerra que dividiu o Iémen nos anos 60 e que foi para o mediático presidente egípcio o que o Vietname foi para os Estados Unidos.

Durante a Primavera Árabe, vimos a população Iemenita a reagir de forma semelhante a tantos outras por toda a região. Nas ruas exigiram democracia e liberdade e um futuro sem ditadores sanguinários. Mas como em muitos outros países, da Primavera saltou-se rapidamente para o Outono e, antes que alguém se apercebesse estávamos no pico do Inverno.

Até há pouco tempo, quem imaginaria os Houthis a tomarem a capital Sanaa? A verdade é que ninguém, mesmo estando estes associados ao Irão e já tendo iniciado várias revoluções na última década. Sabíamos que a AQAP (Al Qaeda da Península Arábica) esteve sempre activa em várias partes do Iémen, onde colocava pressão numa desconfortável Arábia Saudita e nos Estados Unidos que controlavam a zona com bombardeamentos de drones. Também era conhecido que a queda do ditador Ali Abdullah Saleh tinha destruído o fraco equilíbrio do país. Mesmo assim, é sabido que os Houthis não têm capacidade (nem representação na população) para conseguir manter o país inteiro debaixo do seu braço por isso teria que existir algum tipo de acordo de partilha de poder, mas os acontecimentos do último fim de semana poderão ter alterado tudo.

No dia 20 de Março, ataques bombistas em duas mesquitas Shiitas (ou seja, ligadas aos Houthi) mataram 142 pessoas e feriram mais 351. O terrível ataque, que inicialmente se pensou ser um acto da AQAP foi assumido pelo Estado Islâmico (ISIS/ISIL), uma surpresa já que até então o EI não tinha mostrado os seus tentáculos nesta região. O modus operandi apontaria para AQAP, mas a própria Al Qaeda se distanciou do ataque.

A entrada deste novo actor e a ascenção do governo alternativo do Presidente Hadi na cidade portuária de Aden (que chegou a estar preso pelos Houthis na capital Sanaa, mas de onde conseguiu fugir entretanto), levaram a um novo avanço dos Houthi em direcção a Aden.

Um par de notícias chamou-me particularmente à atenção nos dias que se seguiram. Primeiro de que o chefe de estado Abedrabbo Mansour Hadi estaria novamente em fuga e já não se encontraria em Aden. Dadas as circunstâncias, uma decisão compreensivel já que provavelmente não conseguiria escapar-se novamente caso caisse nas mãos dos novos senhores do Iémen. A segunda, que me pareceu bastante mais inesperada foi a de que Aden estava a ser bombardeada pelos Houthis. Especificamente, o BBC World Service referia-se a jactos lançando bombas na zona do palácio onde o governo alternativo teria sede. 

Mas quantas vezes vimos uma força rebelde com uma força aérea? Mesmo o Estado Islâmico, que conseguiu conquistar inúmeros aeródromos e aeroportos militares, capturou aviões e jactos mas nunca conseguiu fazer operações aéreas. Afinal de contas, é preciso muito mais do que aviões. São necessários pilotos, técnicos, controladores aéroes e engenheiros assim como fuel, óleos e todo o tipo de partes específicas para as aeronaves. Claramente, não é a mesma coisa que capturar uns Humvees ou umas AK-47. 

A resposta acabou por aparecer em outros serviços noticiosos, onde era dito que forças leais ao antigo ditador Saleh estariam a lutar ao lado dos Houthi. Não é fácil sabermos quem exactamente estará incluido mas podemos estar a falar de muito mais do que um pequeno contingente da força aérea.

Por fim, a Arábia Saudita, com o apoio de outros 9 países árabes que incluem algumas potências regionais (como os Emirados, Qatar, Egipto e Paquistão) iniciaram o que chamam de bombardeamentos cirúrgicos (onde é que eu já ouvi isto?) dentro do Iémen, numa coligação apoiada politicamente pelos Estados Unidos e onde a hipótese de uma invasão terrestre está claramente na mesa. A liderança saudita já informou que estaria pronta para incluir uma força de 150.000 militares e mais de 100 aviões de combate na operação.

A operação é resultado de um pedido explícito de ajuda do Presidente eleito Hadi, em Aden, o que lhe dá alguma validade moral, mas o facto é que quando o país for destruído até voltar à idade da pedra já ninguém se lembrará disso. Ou não foi a invasão soviética do Afeganistão também o resultado de um pedido de ajuda?

segunda-feira, 23 de março de 2015

O povo é soberano: Apartheid será

Este mês, os israelitas foram às urnas. Quando o mundo achava que tinha chegado o fim do reinado de Benjamin Netanyahu, a vitória clara e inesperada deu uma mensagem cristalina ao mundo: Israel escolheu o Apartheid. 

E não devemos ter dúvidas em relação a isso. Nos últimos dias de campanha, quando  tudo apontava para um empate técnico, Netanyahu abriu o jogo e lançou as suas cartas mais poderosas: (1) colocaria em causa a relação com a presidência americana se fosse necessário para conseguir que não existisse qualquer tratado de paz com o Irão; (2) procurou assustar a população judaica dizendo que os árabes estavam a chegar em autocarros para votar em massa, o que demonstra um absoluto racismo em relação aos israelitas não judeus e, finalmente, (3) que se ganhasse garantiria que não permitiria a existência de um estado palestiniano ou o desmantelamento dos colonatos judaicos na Cisjordânia.

Com muita razão, alguns críticos disseram que este apelo ao voto era o equivalente a Mitt Romney ter dito às televisões para os brancos irem votar porque os pretos estavam a votar aos milhões. Não seria isto racismo? Obviamente que sim. Mas aparentemente está em voga em Israel.

Ao garantir que não existirá qualquer estado Palestiniano, ele está a negar o que se tinha comprometido com os Estados Unidos e a comprovar o que muitos - incluindo eu próprio - não tinham dúvidas. De que ele nunca esteve comprometido com uma solução de dois estados (ou sequer de um estado multi-nacional). Bibi parece ter como desejo último uma limpeza étnica de milhões de muçulmanos e cristãos para lá do rio Jordão, um pesadelo que nos cabe a todos impedir.

Sem uma solução de dois estados, sem o fim da ocupação e com um mandato claro por parte dos israelitas, a decisão está tomada. Israel mostra ao mundo aquilo que quem conhece o terreno já sabia ser verdade há muito tempo: Apartheid.

Uma tristeza para os milhões de israelitas e palestinianos que realmente desejam paz, segurança e progresso e vêm o seu futuro constantemente adiado pelos (aparentemente cada vez mais) fanáticos dos dois lados da muralha...

quarta-feira, 4 de março de 2015

Os cães amestrados de Netanyahu

Depois de muitos artigos a criticar as posições de Benjamin Netanyahu, chegou o dia em que tenha o felicitar. A ocasião foi a sua estrondosa actuação no palco da democracia norte-americana na tarde de ontem. Se na sua visita de 2011, as 28 ovações de pé dos congressistas e senadores ao seu discurso de 47 minutos já me deixaram de boca aberta[1], imaginem a minha reacção quando ontem vi o seu recorde de 1 ovação a cada 100 segundos descer para uns inimagináveis 90 segundos[2], algo que provavelmente nenhum líder estrangeiro alguma vez terá conseguido. Uma imagem realmente digna de ser vista, com a nata dos políticos americanos a comportarem-se ao mais alto nível de uma competição canina ou do partido comunista da Coreia do Norte. 

Que pena ele não aproveitar todo esse capital político para fazer alguma coisa útil pelo seu país e pelo mundo em vez de tentar sabotar tratados de paz...