sexta-feira, 31 de maio de 2013

Matando Hamid - A história por detrás do ataque a Gaza

Em novembro, um incidente precedeu o ataque de Israel e que levou a uma escalada de violência como não víamos desde a Operação Cast Lead em 2008: a morte de um adolescente de 13 anos, Hamid Abu Dagga (Ahmed abu Daqqa)  cujo único crime foi estar a jogar futebol com os amigos em frente a casa com a sua camisola do Real Madrid[1]. Um tiro no estômago de um sniper, um pedaço de schrapnel, não interessa realmente. Era só um miúdo que sonhava ser uma superestrela de futebol. Ser como o Cristiano Ronaldo. Morreu tentando cumprir o seu sonho.


Hamid Abu Dagga


Contém imagens violentas. Mas histórias violentas não devem ser contadas de outra forma. Um documentário do activista Harry Fear[2] que dedicou uma curta metragem a Hamid. Desde a morte de Hamid, 61 outras crianças foram mortas em Gaza por violência das forças armadas israelitas.






sábado, 25 de maio de 2013

Le Trio Joubran

Música

E ainda sobre a Palestina, aqui ficam os formidáveis Le Trio Joubran, três irmãos com um estilo de música muito próprio e um ritmo hipnotizante. Tomei conhecimento deles durante os anos que vivi em Ramallah, tendo depois notado que a sua música era utilizada em diversos filmes e documentários sobre o Médio Oriente. Ajudam-nos a lembrar que a Palestina é muito mais do que o seu conflito e os seus problemas.






Segunda Guerra Mundial

Book Review


Acho que nunca tive tanta dificuldade em escrever a minha opinião sobre um livro. Esta será talvez a minha quarta versão deste post e, neste momento em que escrevo, não tenho quaisquer garantias de que não será deitada ao lixo dentro de poucos minutos. Bem, não sentindo capacidade para fazer a crítica, vou tentar analisar o porquê de não a conseguir fazer. Nas versões anteriores, chegava ao final com a sensação de que não estava a passar a imagem correcta ao leitor. Por vezes demasiado benigna, pelo facto de ter tirado um enorme prazer da leitura deste livro, embora soubesse que tem falhas graves. Outras vezes demasiado agressiva concentrando-me nesses momentos de que não gostei perdendo-se a certeza de que estamos perante uma grande obra.

Os últimos livros que li de Antony Beevor deixaram-me extremamente curioso em relação a este autor. A Queda de Berlim 1945 é um livro brilhante e emocionante que nos mostra os últimos dias da guerra e ao qual eu não fui capaz de fazer qualquer crítica negativa. Mais recentemente li Um Escritor na Guerra que nos leva à frente oriental e aos documentos pessoais e públicos de Vasily Grossman, escritor do jornal oficial do Exército Vermelho e que acompanhou algumas das maiores batalhas (da frente Oriental) da segunda guerra mundial. Nestes livros Beevor entrega-se numa imersão de detalhes que nos permite imaginar com grande pormenor a crueldade e fealdade da  guerra. Provavelmente começa aqui a primeira crítica que faço a "Segunda Guerra Mundial" de Antony Beevor. O nível de detalhe muda muitíssimo dependendo da batalha. Por vezes sentimos que estamos no meio do acontecimento, enquanto noutras ocasiões estamos apenas a fazer ligações entre os eventos. O Projecto Manhatan é tratado de forma muito breve. A Itália quase desaparece da guerra. A resistência nos diferentes países é em grande parte ignorada. Os aspectos industriais e económicos que, no final de contas, decidiram a guerra tanto quanto o sangue dos homens também são tratados com alguma ligeireza.

Já utilizei anteriormente a expressão "livro demasiado pequeno". Normalmente para demonstrar o quanto gostei de uma obra e da sincera tristeza de o ter acabado. Neste caso, estamos perante um livro duplamente demasiado pequeno. É sem dúvida um livro espectacular e bem escrito, interessante e viciante, desavergonhado nos horrorosos detalhes da guerra e preciso. E por tudo isso não queremos que acabe. Mas também pequeno demais porque de facto 1000 páginas podem ser suficientes para descrever uma batalha, mas não a guerra. Não esta guerra.

No entanto, quando Beevor se entrega a um tema, como acontece em diversos momentos deste livro, o resultado é formidável. Os acontecimentos no Extremo Oriente, entre a China e o Japão, entre os nacionalistas e comunistas chineses, estão muitíssimo bem descritos e colocam esse palco no centro da guerra. Algo que a maioria dos historiadores não fazem, reduzindo muitas vezes estes acontecimentos a menos do que - por exemplo - a campanha do Norte de África. As conferências dos Três Grandes (Teerão, Ialta, Potsdam) são excepcionais e acho que seria capaz de ler mil páginas só dos detalhes dos jogos entre eles. Desde as mistura de brilhantismo e loucura de Churchill que via muito para lá da guerra, mas que ao mesmo tempo fervilhava de ideias absurdas e irrealizáveis, até ao cinismo e genial calculismo de Stalin, até ao pragmatismo e inteligência de Roosevelt. Definitivamente memorável, a descrição de como Truman revela a Stalin que a explosão experimental da bomba atómica tinha sido bem sucedido. Prometo um destes dias fazer um post só sobre essa história.

Por fim, uma nota sobre o livro quando comparado com outras obras com o mesmo título. Ao contrário de outros, este é um livro que se lê directo, do início ao fim. Não é um livro de consulta, para procurarmos pequenos detalhes sobre um determinado período um acontecimento, embora possa ser usado dessa forma. É acima de tudo uma obra para ser lida. Não exige qualquer conhecimento prévio sobre o assunto e não necessita de mapa ou dicionário ao lado. É escrita para toda e qualquer pessoa que  esteja interessada em compreender a mais terrivel de todas as guerras. Uma que deve ser lembrada todos os dias, na esperança de que nunca mais se repita.

Desafiando preconceitos

Por vezes existem notícias que colocam em causa tudo aquilo que sabíamos sobre um povo. Esta notícia do The National[1] da semana passada contém tantas agressões às ideias preconcebidas sobre os palestinanos de Gaza que não resisti a colocá-la aqui na totalidade. Em resumo: todos sabemos que em Gaza toda a gente é fundamentalista e detesta americanos e tudo o que seja americano, certo? E que qualquer investimento americano seria atacado diariamente, certo? E que as ideias de empreendedorismo e capitalismo não têm lugar num território cujo único objectivo é preparar crianças para serem bombistas suicídas, certo? Que os túneis entre Gaza e o Egipto existem única e exclusivamente para trazer bombas e armas para atacar israelitas, certo?

Bem... Khalil Efrangi de 31 anos, empreendedor e dono da pequena empresa
Entrega de refeições do KFC através dos túneis
que atravessam a fronteira Gaza/Egipto
de entregas Yamama faz agora entregas de KFC (Kentucky Fried Chickens) a partir do KFC mais próximo, em El Arish no Egipt e a 65 Km de distância. A entrega é feita através de um complexo esquema de motas e túneis e envolve tanta gente que demora 4 horas e o preço final é de cerca de 3 vezes o preço original. A ideia, que tinha começado muito recentemente já chegava a 80 refeições num dia e o empreendedor temia que o Hamas, que controla os túneis lhe começe a cobrar alguma taxa especial. Aqui fica a história completa.




KFC: cooked a secret way, delivered a secret way

RAMALLAH // Those in Gaza craving fried chicken, coleslaw and chips have had their dreams answered.

There is no KFC franchise in Gaza and its 1.7 million people live under an Israeli blockade that restricts the movement of goods and people in and out of the territory.KFC now delivers … well, sort of.
But a Gaza delivery company, Yamama, has made it possible to order Col Sanders' signature dishes by smuggling them in from Egypt through a network of tunnels.

"People can't move easily from Gaza to Egypt and the rest of the region, so when you bring Kentucky to Gaza like we have, you've satisfied demand and made people feel happy and normal at the same time," says Yamama's enterprising founder Khalil Efrangi, 31.

Mr Efrangi says Yamama has more than 500 customers, all paying prices that would be considered extortionate anywhere else.
A 12-piece chicken bucket costs about US$27 (Dh98) - nearly three times higher than the price in Egypt.

Yamama takes orders from Gazans and phones the nearest KFC franchise in the Egypt - in the city of El Arish 65 kilometres away - from where motorcycle riders rush the deliveries to the border.

After being carried through the tunnels by smugglers, motorcyclists waiting at the other end complete the deliveries.

Taking up to four hours, the delivery process can leave buckets of chicken cold and chips soggy, but Mr Efrangi says this has not dampened appetites in Gaza.

Because Egypt restricts commercial traffic into Gaza, the meals join the illicit flow of consumer goods, building materials and rocket parts that passes through the tunnels.

The underground network keeps the territory's economy afloat and its Hamas rulers armed in its fight against Israel.

Demand for Yamama's KFC-trafficking services has risen rapidly since Mr Efrangi conceived the idea three weeks ago.

"We get orders from all over Gaza," he says. Yamama expected to bring 80 meals into Gaza yesterday. The extra delivery cost covers Yamama's fleet of 35 delivery men on both sides of the border, as well as fees paid to the tunnel operators.

Now, Mr Efrangi's biggest concern is Hamas, which administers Gaza and licenses and taxes its tunnels.

"They might impose special taxes on us - at least, that's what we think," he says.

With a promotional Facebook page earning more than 3,300 "likes", Yamama undoubtedly has raised eyebrows - and appetites - inside Hamas.

Some members have become customers, says Mr Efrangi, who sees Yamama's services as more than just a business.

"Palestinians in Gaza deserve access to these brands and companies, just like anyone else in the world," he says. "We bring that access to them."

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Inimigo às Portas

Filme

Uma das mais importantes batalhas na história da humanidade, a sangrenta defesa de Stalingrado pelas tropas soviéticas pararam o aparentemente imparável exército hitleriano. Nos anos anteriores, Áustria, Checoslováquia, Polónia, Bélgica, Luxemburgo, Holanda, França, Dinamarca e Noruega cairam aos pés da Wehrmacht e ficaram sobre o controlo de Berlim. Em 1941, num ataque surpresa denominado Operação Barbarossa, as forças de Hitler e  seus aliados atacam a União Soviética com um exército de milhões de homens conseguindo em poucos meses tomar o que restava da Polónia, mais a Ucrânia, Bielorússia, Estónia, Letónia e Lituânia chegando mesmo às portas de Moscovo quando a neve, o frio, muito sangue russo e as formidáveis tropas siberianas os conseguiram parar. Uns meses depois, quando o cruel inverno russo passara e a força do contra-ataque russo já esmorecera, uma nova invasão iniciou-se, mas desta vez (e ao contrário do que Stalin acreditara) o objectivo não era a capital Moscovo, mas os poços petrolíferos do sul, onde a grande cidade modelo baptizada com o nome do ditador soviético dominava a região. É aqui, em Estalinegrado que os exércitos alemães encontram a sua primeira grande derrota.

Numa cidade totalmente arrasada pela artilharia de ambos os lados, dois exércitos lançam-se numa batalha nunca vista com milhões de homens a batalharem rua a rua, casa a casa, e muitas vezes até entre andares do mesmo edifício. Nesses meses intermináveis, os atiradores furtivos russos tornaram-se heróis nacionais, usados pela propaganda russa para mostrar o melhor das suas forças. "Enemy at the Gates"[1] é uma versão bastante romantizada de um destes snipers, Vassily Zaitsev[2], uma personagem histórica que abateu centenas de soldados inimigos durante a segunda guerra mundial.

Gostei muito de alguns detalhes históricos bastante realísticos do filme. Noutros casos, a arte cinematográfica claramente terá tido prioridade. A forma como os soldados eram atirados para a batalha sem qualquer tipo de preparação e muitas vezes sem arma é bastante realística. As armas eram distribuidas apenas a uma pequena parte dos soldados e era suposto os seguintes pegarem na arma à medida que o anterior caísse. Aconteceu em Stalingrado mas também em muitas outras batalhas, embora Hollywood normalmente prefira colocar armas nas mãos de todos os figurantes. No entanto eles não saltavam directamente do comboio para a frente de batalha, como é óbvio. Ainda tinham umas caminhadas pela frente e a travessia do rio Volga que aqui foi dramatizada com Stukas a fazerem voos picados passando a poucos metros dos barcos. Alguns sites mais especializados dizem-nos que se o fizessem a essas distâncias que o avião e a sua tripulação juntar-se-ia às vítimas da bomba. Mas não obstante o exagero, conseguem passar a imagem - muito verdadeira - das dificuldades que os soldados tinham para chegar ao campo de batalha. Outras queixas comuns em relação ao filme são os longos períodos de solidão no duelo entre o atirador soviético e o alemão. Num campo de batalha tão  pequeno, era de esperar que estivessem constantemente grandes números de soldados em acção por todo o lado.
Vasily Zaytsev, Outubro 1942 em Estalinegrado

Talvez pela primeira vez, vi num filme, a cruel mas verídica, segunda linha da NKVD. Esta linha encontrava-se umas centenas de metros atrás da principal frente de batalha e destinava-se a disparar sobre qualquer soldado soviético que tentasse retirar. 

Existe um pormenor de que definitivamente não gostei: a simplificação do trabalho de Vasily. Em "Inimigo às Portas", Vasily apenas mata oficiais superiores. Num caso chega a apontar à cabeça de um soldado alemão e depois desiste comentando que era apenas um soldado. Pelo contrário, o sniper alemão já demonstra toda a crueldade que esperamos de um soldado nazi. Não direi aqui os pormenores para não estragar o filme a quem ainda não o viu, mas a realidade - pelo menos a dos atiradores furtivos russos não era essa. Sabendo das enormes dificuldades que os alemães tinham em encontrar água suficiente atiravam sobre toda e qualquer pessoa que tentasse ir buscar àgua às fontes. Isso incluia não só oficiais como soldados. Muitas vezes os alemães obrigavam civis russos a fazerem esse serviço. E estes eram também mortos. Outras enviavam crianças russas. E também estas eram assassinadas pelos snipers soviéticos como nos conta Vasily Grossman, correspondente de guerra soviético que cobriu a batalha nas suas notas pessoais.    

A realidade é muito mais feia do que os filmes americanos alguma vez conseguirão mostrar. O público não aprecia histórias onde nenhuma personagem é boa. Mas realidade é essa: Num contexto que ultrapassou todos os limites, todas as peronagens são ambíguas, pecadoras e complexas.

É um filme de acção interessante e num ambiente diferente. Que joga com as políticas repressivas do regime soviético de Stalin e com as liberdades naturalmente criadas pelo caos instalado de uma batalha de proporções nunca vistas. Mostra a luta pela sobrevivência dos russos e a loucura criada pelo embate de dois dos homens mais loucos e sanguinários que alguma vez existiu. Presta um serviço importante à história ao ajudar a dar a conhecer o que foi uma das mais decisivas batalhas de todos os tempos, e certamente uma das três batalhas (as outras seriam na minha opinião, Kursk e Midway) que mudaram o rumo da segunda guerra mundial.