terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Petróleo, Medo e Armas

Explorar o interior de uma feira internacional de armamento é uma experiência que desperta alguma curiosidade para um civil, como é o meu caso. Quando imagino guerras o que me ocorre é morte e destruição; o desaparecimento de regimes, sociedades e economias que - seguindo a lei universal - são transformados em algo de diferente, tipicamente ódio e ressentimento ou, raríssimas vezes, um ambiente melhor do que o que o precedeu. Claro que nada disto é mostrado numa feira deste tipo, onde as palavras de ordem são sempre a segurança, a manobrabilidade, capacidade de carga e outras características que um qualquer arquitecto com gola alta procuraria no seu novo Volvo.

O lado tecnológico da guerra é fascinante, embora sempre ligeiramente desfazado da realidade no terreno, como disse James A. Field na sua famosa frase "é proverbial que os generais sempre se preparam para a guerra anterior". Mas não será certamente mero conservadorismo. Os investimentos bélicos são enormes, demoram anos a serem transformados em armas utilizáveis e ainda mais a tornarem-se lucrativos. Nesta feira de Abu Dhabi (IDEX 2015), notava-se a enorme preponderância de drones, fossem eles de ar, terra ou mar. Sem dúvida o resultado de uma década e meia de guerra assimétrica no Iraque, Afeganistão e agora também da Síria. Também notei as enormes opções para APC (armored personnel carriers), certamente ligado ao grande número de baixas sofridas pelos países ocidentais nos Humvees e outros veículos leves semelhantes. Os grandes tanques - como o americano M1 Abrams - gastam tanto combustível que é inevitável que atrás desta fortaleza móvel e inexpugnável tenham que vir uma fila de apavorados camiões com gasolina e munições E é aí que estão um grande número de vítimas americanas no Iraque entre 2003 e 2011 - devidamente mascaradas nas estatísticas já que são considerados contractors e não militares[1].


Até há pouco tempo acreditávamos que os países ocidentais tinham uma hiper-sensibilidade às suas baixas, coisa que regimes menos democráticos não sofriam porque controlam mais a opinião pública e em especial a opinião publicada. Mas os tempos mudaram e mesmo países sem direito de voto não conseguem evitar totalmente os blogues, redes sociais e as centenas de televisões internacionais por cabo. Como seria de esperar, também os adversários usam cada vez mais as tecnologias ao seu dispor espalhando a sua mensagem de forma progressivamente mais eficiente. Os recentes casos do piloto jordano, Muadh Al Kasasbeh; do massacre dos soldados Shiitas do exército Iraquiano capturados pelo ISIS ou dos Cristãos Egípcios (Coptas) na Líbia mostram uma face terrível do Estado Islâmico, mas também a recém-descoberta sensibilidade às baixas por parte dos governos árabes. Não é de estranhar por isso que hoje estejam todos aqui em Abu Dhabi de carteira aberta a comprar aviões telecomandados, entre outros.

Mas este shopping spree começou bastante antes do aparecimento do Estado Islâmico. A constante ameaça (real ou imaginária) entre os três blocos do Médio Oriente (Árabes, Persas e Judeus) e o medo de levantamentos populares como a Primavera Árabe fez com que uma parte considerável das receitas do petróleo seja rapidamente gasta em armamento militar, como pode ser visto pelo orçamento militar da Arábia Saudita[2], que ultrapassou em 2014 países como o Reino Unido, a França ou a Alemanha e tem hoje o maior orçamento mundial em percentagem do PIB. Para um país que não entrou numa guerra a sério desde a sua formação em 1932, parece complicado de explicar. E não é um fenómeno novo, podemos encontrá-lo no Egipto de Nasser, no Iraque de Saddam, no Irão de Reza Pahlavi, etc. 


A verdade é que este constante clima de medo e desconfiança (entre Árabes, Persas e Judeus; entre Sunitas e Shiitas; entre seculares e religiosos) é extremamente lucrativo para muita gente. Em especial para os grandes exportadores de armas dos EUA, Europa e Rússia. E é esse o verdadeiro motivo para tantos estarem contra qualquer normalização das relações entre o Irão e o Ocidente. Só isso explica porque no meio das negociações o Congresso Americano - empurrado simultaneamente pelos lóbis de Israel, da Arábia Saudita e do complexo Industrial-Militar - tentou passar novas sanções sobre o Irão. Felizmente Obama esteve (para variar?) à altura e ameaçou clara e publicamente com o veto de tais sanções. Nas suas palavras na CNN, entrevistado por Fareed Zacharia, enquanto o Irão cumprisse o seu lado do acordo não permitiria que ninguém sabotasse as negociações. A paz pode ser do agrado de milhões e milhões de civis, mas não é conveniente a toda a gente.

Esperemos que daqui a uns anos estas feiras de armamento não tenham tanto interesse... 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Podemos ter paz na Terra Santa

O primeiro livro que li especificamente sobre a questão Israelo-Palestiniana terá sido provavelmente o "Palestina: Paz não Apartheid" de Jimmy Carter. Desde então tenho seguido com grande interesse os movimentos deste antigo Presidente dos Estados Unidos pelo Médio Oriente nas suas incansáveis viagens pela região, procurando o entendimento entre os seus muitos e muito complexos actores. Se Carter poderá não ser um dos presidentes que maior marca deixou na história americana, o seu trabalho posterior enquanto activista dos direitos humanos reservou-lhe um lugar brilhante na história.

Também não pude deixar de notar nos anos que passei em Ramallah a regularidade com que Carter visitava o país. As suas viagens eram seguidas com enorme interesse quer pela população quer pelos media locais mas, ao contrário de outros dignatários internacionais, não causava demaisado aparato. A vinda de George Bush, por exemplo, levou à declaração de feriado municipal para que as ruas pudessem estar totalmente vazias à passagem da comitiva. Também não tinha pressa em ir-se embora. Lembro-me bem de uma comitiva de deputados portugueses que visitou Ramallah em Junho onde metade destes recusaram-se a entrar na zona controlada pela Autoridade Palestiniana, tendo por isso ficado em Jerusalém. Também não perderam grande coisa porque nessa noite vimos Portugal a ser derrotado pela Espanha e atirado para fora da copa. De qualquer forma, imediatamente a seguir ao jogo seguiram o seu caminho para o outro lado da muralha. Jimmy Carter por seu lado ficava sempre vários dias, corria de reunião em reunião falando com tudo e todos. Não só as pessoas que trabalham no Carter Center em Ramallah, mas também elementos do governo, oposição, grupos civis, etc. 

"Podemos ter paz na Terra Santa, Um plano que vai funcionar" de Jimmy Carter mostra-nos essa faceta incansável do velho estadista. Será provavelmente tambem uma das poucas figuras mundiais que compreende a importância - e actua nesse sentido - de incluir grupos como o Hamas e o Hizbullah no processo de paz. Esses grupos representam demasiadas pessoas e demasiado poder no terreno para poderem ser ignorados e a sua agenda é muito mais prática do que outros grupos terroristas. Se foi possivel que a violência do IRA, na Irlanda do Norte, terminasse, porque motivo devemos desistir de tentar que outros grupos em tudo semelhantes entrem também no processo político regular e democrático?

Carter mostra-nos quais são as limitações de ambos os lados, quais os pontos comuns e que passos podem e devem ser seguidos até termos uma solução de dois estados. Alerta também para o risco de esta solução deixar de ser exequível, se a situação continuar a piorar, nomeadamente no que toca aos colonatos judaicos na Cisjordânia.

Em primeiro lugar, a necessidade de um governo único na Palestina tecnocrático que seja apoiado quer pelo Hamas quer pela Fatah até às eleições. Já foram feitas várias tentativas e, embora difícil, deverá ser um objectivo possível. Que o Hamas aceite todos os compromissos internacionais, tais como os acordos de Oslo e a resolução 242 das Nações Unidas, incluindo a existência de Israel. Até este momento o Hamas já aceitou que o Presidente Abbas tem autoridade para negociar com Israel e aceita qualquer acordo desde que este seja referendado junto dos palestinianos. Que a ocupação da Cisjordânia seja terminada com trocas de terras mutuamente acordadas em zonas de maior concentração de colonatos. Que exista aceitação mútua e normalização das relações de todos os países árabes com Israel, no seguimento da proposta Saudita de 2002 (que foi também aprovada pela Liga Árabe). Que a Palestina seja criada como um estado desmilitarizado, com forças da ONU aceites por Israel e Palestina a controlar as suas fronteiras.

Embora com enormes desafios, a solução proposta por Carter faz sentido e é um dos poucos caminhos ainda abertos para uma resolução pacífica do problema. Mas, como o próprio diz, o tempo pode estar-se a esgotar e os facts on the ground tornarem-se simplesmente demasiado complexos para se conseguir desenhar dois estados lado a lado. Nessa altura, só existirão duas hipóteses, ambas terríveis: status quo ou apartheid.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Terroristas e Filhos da P...

Já imaginaram se um país fizesse uma lei a criminalizar os filhos da p..., cabrões e morcões? À primeira vista talvez até pudesse apelar a um certo sentido de justiça. Afinal de contas todos sofremos à conta desses que constantemente nos ultrapassam no trânsito pela faixa de segurança, que usam o nosso dinheiro de forma indevida, que nos roubam nos trocos, que vivem de explorar o trabalho dos outros, etc. No entanto, é claro que tentar legislar o que as pessoas "são" não funciona dada a sua subjectividade, apenas o que "fazem". A legislação foca-se por isso, na sua generalidade, nos comportamentos das pessoas.

Com o enorme número de leis, decretos, procedimentos e regras em todo o mundo dedicados ao terrorismo, seria de esperar que o conceito de terrorismo (ou de "acções terroristas", ou de "terrorista") fosse claramente definido. Mas a verdade é que não é. Nem especialistas da matéria (como os centros de investigação de Leiden, The Hague, ou do programa START da Maryland University), nem os media, nem os governos, nem o público têm uma definição clara e aceite. De alguma forma, toda essa documentação tem pés de barro, porque constrói sobre uma definição inexistente ou altamente imprecisa. 

No entanto o termo terrorismo é utilizado de forma absoluta e acrítica por tudo e todos, inclusivé por muitos que são considerados por outros de terroristas. O Hamas é uma organização terrorista, quando visto de Israel. Israel é acusado de ser um estado terrorista pelo Hamas. Menachem Begin, líder do grupo terrorista judaico Irgun e mandante do atentado à bomba ao Hotel King David, foi mais tarde Primeiro-Ministro de Israel e recebeu o prémio Nobel da Paz, pelo processo de paz com o Egipto. Yaser Arafat, o super-terrorista cuja Organização para a Libertação da Palestina (OLP) cometeu centenas de ataques terroristas de todos os tipos, incluindo pirataria aérea, atentados bombistas, bombistas suicidas e raptos, acabou por se tornar Presidente eleito da Autoridade Palestiniana e receber também o seu próprio Nobel da Paz. E como estes poderia falar de outros "terroristas", como Nelson Mandela, Xanana Gusmão e outros. A verdade é que não sabemos o que é um terrorista. Não é simplesmente um criminoso, porque existe uma específica componente política no crime. Também não é um revolucionário, porque existe um lado de propagandista de terror que vai para lá do comum revolucionário político.

Muitos investigadores defendem que o terrorismo é sempre originário numa entidade não-estatal, mas temo que isso seja mais resultado da dependência financeira dos centros de investigação aos subsídios estatais do que a uma posição neutra e sincera sobre o tema. É que não nos devemos esquecer que o principal cliente dos estudos sobre o terrorismo são os próprios estados e organizações supra-estatais, tais como a INTERPOL, a União Europeia, etc. Existe também uma certa ironia nesta posição, dada a origem da palavra ser precisamente o de uma política de estado, França no caso, durante o Reino do Terror, de 1793 a 1794. Em sua defesa, a ideia é que os mesmos actos, se cometidos por estados, são simplesmente crimes contra a humanidade. 

Um outro factor que devemos ter em conta, relaciona-se com as vítimas do atentado. Um ataque a uma coluna militar deve ser considerado um ataque terrorista? Não será isso um ataque de guerrilha, ou guerra assimétrica? E se este ataque for feito com um bombista suicida, como o de 1983, em Beirut, que vitimou 241 militares americanos?

E como devemos olhar para a História? Será que existe alguma diferença entre Viriato, George Washington, la Résistance française ou Bin Laden? E seria a luta contra a invasão soviética pelos Mujahedeen (do qual Bin Laden fazia parte) e apoiada pelo Ocidente, um acto de terrorismo ou só de resistência? E quando o mesmo o fez contra a invasão dos EUA e seus aliados em 2001?

A situação actual é tão confusa que na "moderada" Arábia Saudita, o ateísmo passou a ser definido como um acto de terrorismo! Por outro lado, quando um grupo é considerado como terrorista, toda a sua estrutura passa a ser tido como tal. Por esse motivo, oferecer uma ambulância a Gaza é hoje um acto de financiamento de uma organização terrorista, correndo-se riscos legais gravíssimos caso as força policiais o entendam. E, claro, uma organização colocada na lista de terrorismo não tem sequer acesso às suas contas bancárias, o que a impede de colocar o estado em tribunal para tentar limpar o seu nome.

Sem uma definição clara, toda a legislação associada ao terrorismo está propensa a ser abusada e deturpada conforme as necessidades do momento. E, finalizando, para não ser acusado de só ver o problema, aqui fica a minha definição:

Terrorismo: Acto ou ameaça de violência ilegal, pública e propagandeada sobre civis com objectivos políticos.

E sim... nesta definição, D.Afonso Henriques, George Washington e muitos, muitos outros eram ou foram terroristas. E não ilibo estados.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O Lóbi Árabe

Para quem acompanha as compras anuais de armamento por parte da Arábia Saudita e seus mais próximos aliados ou a produção diária de petróleo da região, não é difícil imaginar o poder político que estas compras e vendas de milhares de milhões de dólares necessariamente irão provocar. Nos Estados Unidos da América, os lóbis são entidades legais, aceites pelos cidadãos e que utilizam o seu poder financeiro e influência nos media para conseguirem junto do poder político os mais rentáveis negócios e vantajosa legislação para os seus associados.  

Por todos estes motivos, este livro escrito por Mitchell Bard despertou imediatamente o meu interesse. No entanto, rapidamente esse interesse acabou por se transformar numa enorme desilusão. Era inevitável que uma outra referência fosse feita a "O Lóbi de Israel", da autoria de Mearsheimer e Walt, mas não contava que o livro se resumisse a pouco mais do que uma incapaz resposta a esse livro. 

"O Lóbi Árabe, A aliança invisivel que mina os interesses da América no Médio Oriente" tem vários defeitos graves e que, na minha opinião, arruinaram o livro. Primeiro, Bard parece encontrar em praticamente todos os intervenientes do Médio Oriente um membro do lóbi Árabe. Sejam os missionários cristãos, os professores das universidades americanas de Beirute ou Cairo, as ONGs, os trabalhadores das petrolíferas, os diplomatas americanos, os Judeus não-sionistas, e até todos os países do terceiro mundo, os países da europa e a própria ONU. O autor parece ter dificuldade em compreender porque é que tantas e tão diferentes pessoas - a que ele e outros chamam de Arabistas - pareciam estar de acordo sobre os riscos da criação de Israel e, mais tarde, na posição pouco imparcial dos Estados Unidos em relação a este país. Um a um, ridiculariza cada um dos perigos levantados pelos Arabistas: os direitos das populações originais da Palestina; o risco de perder o acesso ao petróleo; retaliação económica por parte dos povos Árabes; delegitimização da posição Americana; ascensão do fundamentalismo islâmico; empurrar países para a esfera Soviética; guerras e instabilidade política. Todos estes riscos acabaram por se confirmar (embora em diferentes graus e momentos), mas não é assim que Bard vê a história.     

Na esmagadora maioria dos casos, o autor vai individualmente acusar cada uma destas pessoas de serem anti-semitas, jew haters, negadores do Holocausto ou apoiantes de terrorismo. Algo estranho até percebermos que a sua noção de anti-semitismo inclui toda e qualquer crítica ao governo de Israel ou ao Lóbi de Israel. Nas suas palavras: "[John Foster] Dules [Secretário de Estado de Eisenhower] fez também uma série de afirmações que podem ser consideradas como anti-Semitas. Por exemplo, em Fevereiro de 1957, queixou-se do enorme controlo que os Judeus têm sobre os media (...) e que a embaixada de Israel controlava o Congresso". Bard não parece compreender a diferença entre a crítica ao poder do seu lóbi e o ódio a um povo. Eu certamente não consideraria o estudo do poder do lóbi Árabe como um acto de islamofobia per se, mas seria interessante obter a sua opinião sobre o assunto. 
Sadat, Carter e Begin

Para personagens como Jimmy Carter, antigo presidente americano que conseguiu o processo de paz entre o Egipto e Israel, Mitchell Bard reserva um capítulo inteiro, afirmando que "(...) o anti-Sionismo de Carter estava implícito na sua seita fundamentalista e levou a ler a Bíblia de forma particular de forma a garantir direitos iguais para Judeus e Palestinianos". Acusações profundamente injustas para uma das pessoas que mais fez pela paz no Médio Oriente durante as últimas três décadas e que, não obstante a sua avançada idade, continua a percorrer as capitais todas da região para conseguir o que é aparentemente impossível. A paz no Egipto é fruto do seu trabalho e os prémios Nobel da Paz que Anwar Sadat e Menachem Begin receberam em 1978 bem poderiam ter sido partilhados com Carter, que de qualquer forma acabou por o receber em 2002[1].

Um segundo problema grave deste livro é a tentativa, francamente mal conseguida, de mostrar o lóbi Árabe como algo agregador e representativo da totalidade do mundo Árabe, misturando-o com a causa palestiniana, bem mais alargada em termos de opinião pública e menos financiada do que a primeira. No mínimo estamos a falar de dois lóbis diferentes. Em qualquer caso, esta ideia de um lóbi todo-poderoso não tem bases sólidas. A realidade é bastante diferente. O título está simplesmente errado e dever-se-ia chamar: o lóbi Saudita. É que durante o livro todo não ouvimos uma palavra sobre Marrocos, Argélia, Líbia, Jordânia, Iraque e tantos outros países... Árabes! E quando ouvimos é para descobrir que o "Lóbi Árabe" estava em guerra contra o Egipto de Nasser, contra o Iraque de Saddam ou a Síria de Assad. Talvez para ter um título mais interessante ou para conseguir defender essa fantasia de uma relação muito próxima entre a resistência palestiniana e o dinheiro do petróleo, Mitchell procura que o governo de 27 milhões de Sauditas seja representativo dos mais de 350 milhões de Árabes.

Por outro lado - e embora o autor não queira nem chegar perto destas questões - o Lóbi Saudita esteve ao lado do Lóbi de Israel em muitas destas matérias. Nas guerras contra Nasser (directas no caso de Israel, indirectas - via Yemen - no caso da Arábia Saudita), na confronto com o Irão pós-Revolução Islâmica, nas guerras contra o Iraque de Saddam Hussein e, acima de tudo, na espectacular artimanha que fez com que os mujahedeen repelissem o invasor Soviético. Algo que só foi possível com uma profana aliança de Israel, Arábia Saudita, Paquistão, Estados Unidos e os fundamentalistas islâmicos afegãos (mais tarde chamados de Taliban) e voluntários estrangeiros árabes (mujahedeens, no qual o jovem milionário Osama Bin Laden[2] começava a dar cartas enquanto líder e organizador de grupos de guerrilha e rotas para os combatentes árabes). Claro que na altura não ocorreria a nenhum Ocidental, Árabe ou Israelita chamar a estes de terroristas, mas isso é outra conversa...

Uma terceira questão que coloca relaciona-se com as fontes que Mitchell Bard utiliza. O inqualificável Steve Emerson[3] é uma delas, que é citado pelo autor em algumas acusações sem grande fundamento e ainda menos provas. Quanto às referências mais eruditas, utiliza as ideias de Bernard Lewis[4] como verdade absoluta mas demonstra completo desprezo por Edward Said[5], naquela que é a confirmação de uma visão dogmática sobre o Médio Oriente.

Concluindo, Mitchell deixa-se cair numa visão tendenciosa de quem claramente não é um académico neutro e desinteressado mas um assalariado de um lóbi que tem como objectivo arruinar outro. Mesmo sendo editor do jornal do poderoso lóbi Judeu da AIPAC[6][7][8], esperava muito mais. Uma pena, porque este é um assunto demasiado sério e que deveria ser estudado abertamente, de forma competente e inequivocamente isenta.

Só mesmo a influência de muitos milhões pode explicar como a Arábia Saudita é o único país do mundo onde as mulheres não podem conduzir mas que é tratado publicamente pela liderança ocidental como um país "Árabe moderado". Que bloggers como Raid Badawi sejam presos e chicoteados em praça pública no que é considerado um leal aliado do Ocidente. Que pessoas de outras religiões não posso ter os seus locais de culto ou sequer rezar na sua privacidade de forma legal. Essas leis e tradições só são aceites pela influência política ganha pelas multimilionárias vendas de petróleo e compras de armas. Cá estaremos a esperar ansiosamente pelo livro que será capaz de explicar como realmente funcionam esses círculos de interesse.