Muitas revoluções começam por ser um levantamento popular genuíno em que o povo procura legitimamente maiores liberdades, honestidade na política, transparência nos serviços policiais e secretos, uma justiça cega e um estado de direito. Considero que, na sua generalidade, a Primavera Árabe representou, para as ruas do Cairo, Damasco, Tunis e muitas outras capitais, essa inocência e verdade de objectivos.
Mas a outra face da inocência e honestidade é a ingenuidade. E quando o sangue começa a banhar as ruas dessas mesmas cidades, os cálculos tornam-se mais frios e bárbaros. Como um predador em cativeiro desde a nascença, o perigo está em que conheça o sabor a sangue, transformando-o naquilo que na sua essência, ainda é. E o ser humano também o é: um animal selvagem que depois de conheçer o sabor do sangue dificilmente se livra desse instinto.
Tunísia e Egipto cairam rapidamente. Suficientemente depressa para os revoltosos conseguirem manter a sua inocência intacta. Mantiveram-se na posição de vítimas nunca deixando que crescessem para o lugar de opressores eles mesmos. No Yemen, Líbia e Síria, a situação prolongou-se até que os mais cínicos, pragmáticos e violentos dos revoltosos tomassem conta da revolta. O poder passou dos idealistas para os generais anti-governo.
E é aí que começam as minha dúvidas. Quando não temos um claro inocente na história. Quando da oposição pode sair algo igual ou pior do que o já lá está. E devemos ter sempre em conta que não existe nenhuma situação tão má que não possa ser piorada. Viu-se isso no Irão, onde depois de um corrupto bárbaro ser deposto do poder (o Xã e a sua família) um "homem santo" ascendeu à direcção dos destinos do país (o Ayatollah Khomeini) mostrando imediatamente uma face ainda mais déspota e sanguinária do que a do seu antecessor.
Tal como defende a ONG Avaaz, acredito que é necessário iniciar imediatamente um embargo de armas total ao governo sírio e à oposição. Criar uma no-fly zone sobre todo o território e se nada mais funcionar, seguir o exemplo da Bósnia fazendo uma intervenção directa da ONU, com tropas de vários países nomeadamente dos russos e americanos. Assad não tem nem nunca teve qualquer legitimidade para estar à frente do seu país, no entanto é preciso garantir que a sua deposição não é seguida de um ajuste de contas sobre as muitas minorias étnicas e religiosas existentes na Síria.
Perdeu-se o momento em que a revolução na Síria poderia ter corrido realmente bem. Bashar Al Assad não o permitiu e entrou num jogo de tudo ou nada que dificilmente ganhará.
Para o resto do mundo, e em especial para o Conselho de Segurança da ONU, agora é uma questão de tentar controlar os danos, não permitir que os massacres continuem e evitar que a guerra civil continue a escalar e eventualmente chegue aos países vizinhos.
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