sexta-feira, 1 de junho de 2012

A Era da Mentira

Book Review

Eleito livro internacional do ano, o prémio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei leva-nos ao interior das intrigas internacionais no mundo da proliferação nuclear. Revela um conjunto de histórias interessantes e alguns momentos muito pessoais ligados à história recente e que ainda estão bem vivos na memória de todos. Como director da Agência Internacional de Energia Atómica das Nações Unidas (AEIA), esteve directamente ligado aos esforços para controlar a proliferação nuclear militar, assim como na ajuda aos estados membros na construção de capacidade nuclear civil.

Aborda muitos temas quentes, tais como o programa nuclear iraniano, o véu de mentiras que cobriu a invasão do Iraque em 2003, a capacidade nuclear israelita, o programa clandestino da Coreia do Norte e o bazar nuclear de A. Q. Khan. Em todos eles, apercebemos-nos de como a reação da comunidade internacional se revela completamente diferente dependendo não das acções, crimes ou atropelos aos tratados, mas sim pelo nível da relação das principais potências do mundo (em particular os EUA e o Reino Unido) em relação aos prevaricadores.

Não resisti a copiar quatro parágrafos que considerei particularmente esclarecedores. Acredito não estar a infringir os direitos de autor e possivelmente até a contribuir para suscitar interesse neste livro cuja compra recomendo vivamente:

O problema mais elementar do regime de não-proliferação nuclear é, em si mesmo, um exemplo de duplo critério: a assimetria inerente, ou desigualdade, entre os que têm nuclear e os que não têm, exacerbada pela contínua dependência dos Estados que têm armas nucleares em relação a estas e a sua falta de progresso no desarmamento nuclear. Mais grave, em vez de agirem no sentido de cumprirem o seu compromisso de desarmamento, a maior parte deles modernizou o seu arsenal e continuou a desenvolver novos tipos de armas. Para países que não têm tais armas, e que não estão abrigo de acordos de protecção nuclear, como a NATO, isto reforça a percepção de a aquisição de armas nucleares é um caminho seguro para o poder e o prestígio, uma apólica de seguro contra ataques.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas também é parte do problema, em parte devido ao poder de veto dos P5, os cinco estados com armas nucleares. O dever do Conselho de Segurança é manter a paz e a segurança internacionais e responder a ameaças contra elas. Certamente nem todas as violações de um acordo de salvaguardas da AIEA são graves o suficiente para chegarem ao Conselho de Segurança. No entanto, nessas raras ocasiões, quando tais violações são encaminhadas, o Conselho deve responder apropriadamente: deve ser ágil, resoluto, enérgico quando é necessário e, acima de tudo, consistente nas suas acções.

De acordo com estes critérios, o registo das actuações do Conselho de Segurança em resposta a ameaças nucleares tem sido insondável. Em 1981, depois de Israel ter destruído o reactor iraquiano de Osirak, o Conselho de Segurança condenou o bombardeamento e também instou Israel a colocar as suas instalações nucleares ao abrigo das salvaguardas da AIEA. Israel ignorou a resolução e o Conselho de Seguranças não fez mais nada em relação ao assunto. Em 1998, depois dos testes nucleares da Índia e do Paquistão, o Conselho de Segurança condenou os testes e pediu a ambos os países que parassem o desenvolvimento de armas nucleares e de sistemas de distribuição. Quando essas resoluções foram ignoradas o Conselho voltou a recuar. No caso da Coreia do Norte, quando a Agência referiu o seu não cumprimento, em 1993, e em 2003, quando o país saiu do TNP, o Conselho não tomou nenhuma acção significativa; em vez disso, deixou que os Estados Unidos tomassem a dianteira através do Quadro Acordado, no anos 90 e, mais tarde, deixou a China liderar as Conversações a Seis.

Por outro lado, em 1990, o Conselho de Segurança impôs sanções ao Iraque que levaram a escandalosas violações dos direitos humanos de milhões de civis iraquianos e que culminaram com a guerra de 2003 sem o consentimento do Conselho. Para agravar ainda mais a situação, o Conselho de Segurança continuou a manter certas sanções contra o Iraque, anos depois da invasão de 2003, quando era claro para todos que o Iraque não tinha qualquer programa de armas nucleares. O Conselho foi incapaz de concordar em como acabar com os mandatos da UNMOVIC e da AIEA no Iraque e fechar o ficheiro das armas de destruição massiva. E, sobrecarregados pela devastação de uma guerra que nunca deveria ter ocorrido, os iraquianos foram obrigados a financiar a UNMOVIC por mais quatro anos, enquanto esta estava parada, em Nova Iorque.




Notas de OReiVaiVestido:

TNP: Tratado de Não Proliferação

P5: Membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, i.e. Estados Unidos da América, Rússia, Reino Unido, França e China. Todos têm armamento nuclear, embora a estes se acrescentem Israel, Índia e Paquistão (nenhum dos três assinou o TNP) e Coreia de Norte (chegou a fazer parte do TNP mas retirou-se em 2003).

UNMOVIC (United nations Monitoring, Verification and Inspection Commission): Comissão criada em 1999 pelas Nações Unidas ao abrigo Resolução do Conselho de Segurança 1284, e que tinha por objectivo verificar a existência de armas de destruição massiva no Iraque. Trabalhou em paralelo com a Agência Internacional de Energia Atómica nas áreas não nucleares (tais como armas biológicas e outras).

2 comentários:

  1. Boa Tarde

    ''Anda meio mundo a enganar outro meio'', esta é a realidade, a cada dia que passa a EUA e Europa estão com o caminho cada vez mais minado, e ainda não foi referido aqui o possiblidade de o Brasil ter a bomba nuclear e a Termo-nuclear ainda mais potente que a convencional, Brasil tem capacidade de ter um arsenal nuclear superior ao dos EUA e tão grande ou maior que o russo.

    Mundo está a caminhar a todo vapor para o apocalipse, cada vez mais existe a possiblidade de fabricar uma ogiva nuclear até mesmo Portugal tem essa tecnologia, e a tecnologia hoje em dia já é facil de ter acesso.

    A provablidade de haver uma guerra termo-nuclear na Europa é pequena, mas no Médo Oriente as possiblidades são muitas a começar em Israel e a terminar no Irão, mas caso exista um possivel guerra ira ser uma bola de neve.

    Há países que ainda não são suficientemente maduros para ter tal tecnologia estou falando do Coreia do Norte,Israel, Paquistão e Irão (caso a tenha).

    O ocidente tem vindo cada vez mais a tentar impor suas ditaduras monetárias e é claro se não é com boas maneiras vão com as más, A Primavera Árabe foi exemplo disso, e possuir a bombas de ogiva nuclear mete medo ao ocidente, veja se o caso ultimante da Síria, eles querem a tudo custo exercer poder e influêcia naquele país pois como sabe é uma maneira de obrigar a Rússia a recuar e cercar cada vez mais o Irão.

    Daqui a 20 anos veremos a capacidade da América perante os paises da BRIC ( Brasil, Rússia, Indía e China), eles faram uma aliança num futuro próximo e EUA está assustado com isso, apesar de tentar meter o brasil ao seu lado, a diplomacia brasileira não está para aí virada.

    Uma guerra é o mais provável mas será uma guerra convencional (sem ''azeitonas radiactivas), este é o fim inevitável ao qual eu tenho estado atento.

    Não sou a favor nem de Árabes nem de Cumonistas ou alguma idiologia de extrema-direita, sou aquele que se limita a ver o mundo comom ele está, e ele está de pernas para o ar.

    Cumprimentos ao administrador do blogue e a quem postou este pequeno texto.

    Obrigado pela vossa atenção.

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    1. Bom Dia

      Muito obrigado pelos seus cumprimentos e pelos seus comentários.

      Eu, de facto, também temo que esta sucessão de eventos e ameaças possa deflagar uma guerra maior, embora não espere que seja nuclear. A verdade é que enquanto existir um país no mundo com armas nucleares, nenhum dos outros se sentirá seguro, em especial os que têm relações diplomáticas mais tensas e não pertencem a nenhuma aliança do tipo da NATO.

      O caso do médio oriente é óbvio. Israel não assinou o tratado de não proliferação, tem umas centenas de ogivas nucleares e capacidade para as lançar sobre qualquer cidade da região. Depois de terem estado envolvidos em 6 guerras e inúmeros conflitos mais pequenos, dificilmente algum dos vizinhos se sentirá seguro enquanto não tiver paridade nuclear.

      A diplomacia tem que continuar a manter uma pressão enorme sobre o Irão para conseguir garantir ao mundo que toda a pesquisa e enriquecimento de urânio é feito exclusivamente para fins civis. Tem simultaneamente que obrigar Israel a entrar no TNP e cumprir as resoluções da ONU que incluem inspeções ao material israelita.

      Mas como dizia Hans Blix recentemente (e outros Henry Kissinger), é necessário criar um médio oriente livre de armas nucleares. E depois disso conseguir que os P5 reduzam substancialmente os seus arsenais em simultâneo. O mesmo em relação à Índia e Paquistão, que terão que sincronizar o desmantelamento dos seus arsenais.

      Espero que o Brasil saiba encontrar o seu próprio lugar no mundo, não só nesta questão como em muitas outras. Tem dimensão, economia, população, recursos e tecnologia para conseguir liderar uma América do Sul renovada. Tem também ainda muitos problemas por resolver, como a distribuição de riqueza, a corrupção e o crime. Espero que não considerem o poder nuclear militar como uma prioridade. O Brasil é demasiado grande para alguém o invadir. E é não é louco para querer atacar alguém com armas nucleares.

      É simplesmente demasiado perigoso. Com milhares de ogivas pelo mundo fora, quanto tempo demorará até acontecer um erro técnico? um malentendido? um louco à frente de um desses países? uma arma desviada para um grupo fundamentalista?

      É simplesmente demasiado perigoso...

      Cumprimentos,

      António

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