Anos 30 - Fila do pão |
Para um leigo, não é claro como um crash bolsista provoca uma crise económica e social de grande escala. Lá porque o mercado subitamente resolve avaliar as ações das empresas cotadas em bolsa 25% abaixo, isso não deveria ter um grande impacto na economia, para lá de uma resistência dos detentores de acções em as venderem a um preço tão baixo. Isso não deveria causar uma diminuição directa da capacidade de produção, da qualidade dos produtos ou da procura. E na realidade, directamente, não causa. O verdadeiro problema é o desaparecimento do mercado de dívida. Muitos dos investimentos financeiros (nomeadamente a compra de acções na década de 1920 ou a compra de casas no início do século XXI) é feita com recurso à dívida. Enquanto esses activos continuarem a aumentar de preço, essa dívida é segura, já que qualquer problema pode ser resolvido vendendo o activo e saldando a dívida. O problema começa quando esses activos subitamente valem menos do as dívidas que lhes estão subjacentes. A partir daí entramos numa situação "abaixo da linha de água", o que significa que o cidadão ou empresa que é responsável pela dívida e pelo activo, está agarrado ao activo porque não o pode vender para limpar a dívida e tem que pagar a dívida quer o activo lhe dê o retorno esperado ou não. O financiador, por outro lado, tambem fica numa situação impossível. Sabe que emprestou dinheiro a alguém que terá dificuldades em o pagar de volta e também não quer a penhora do activo porque este vale menos do que a dívida. Quer do lado do devedor quer do lado do emprestador, a tendência será por isso a de controlar os seus gastos de forma a precaver-se contra as previsíveis dificuldades. Isto significa os emprestadores vão parar de emprestar dinheiro enquanto os valores dos activos estão em queda, vão cortar nos empréstimos a outras instituições financeiras por medo que estas estejam ainda mais expostas a crédito malparado e forçam os seus devedores cumpridores a reduzirem a sua exposição. Tudo isto causa uma pressão enorme sobre todos os bancos, que ficam limitados na sua tesouraria, em todas as empresas, cujos investimentos vão ser adiados ou cancelados, e sobre as famílias, que sem acesso ao crédito e com medo do futuro retraem os seu consumo preparando-se para o pior. Nesta altura, todos os agentes da economia entram num ciclo de austeridade do qual ninguém consegue sair sozinho sob pena de ser o primeiro a cair.
Aí, a crise cai em cima da economia propriamente dita. Menos financiamento, menos investimento, menos consumo causam necessariamente mais desemprego, menos produção e cada vez mais dificuldades em pagar as dívidas. Como na história bíblica d'O Sonho do Faraó[3], a única verdadeira solução perfeita para os anos de vacas magras teria passado por poupar durante os anos de vacas gordas. Mas isso, obviamente, já não era possível. Como não é possível hoje.
Nos anos 30, a solução passou pelo New Deal[4] proposto por Franklin D. Roosevelt[5]. Incentivos do estado em grande escala, construção de grandes obras públicas, definição arbitrária da paridade entre o ouro e a moeda americana conseguiram colocar a máquina da economia americana a carburar novamente. O New Deal não foi no entanto uma solução rápida nem limpa. Custou muitíssimo ao estado americano e quando algum desse "falso" investimento foi retirado a economia caiu novamente em recessão, já nos anos 1936 e 1937. O que acabou definitivamente com a Grande Depressão foi mesmo a segunda guerra mundial[6]. Ao tornar-se no "Arsenal da Democracia"[7], os Estados Unidos da América beneficiaram de emprego total, escoamento de toda a produção e exportações massivas que limparam quase em absoluto as reservas de ouro e moeda forte dos aliados, em especial o Reino Unido como Churchill se queixou amargamente (só em 2006 as dívidas de guerra britânicas aos EUA foram finalmente finalizadas[8]). Mesmo no final da segunda guerra, o espectro de uma nova recessão ainda se encontrava no ar, não se tendo concretizado devido ao que ficou conhecido como o Plano Marshall, que por um lado financiou a reconstrução de vitoriosos e derrotados como também garantiu acordos comerciais extremamente vantajosos para os EUA.
Infelizmente, muitas das soluções aplicadas nessa época não são adequadas nos dias de hoje ou (como é o caso de uma guerra mundial) longe de serem algo que queiramos rever. Ao contrário dos anos 30, o mundo hoje tem fronteiras muito mais ténues e existe uma mobilidade populacional, financeira e económica incomparavelmente superior. Um programa massivo de investimento sustentado por um estado pode ajudar a resolver a falta de liquidez da economia temporariamente, mas a quantidade de dinheiro que se iria escapar do país via importações, remessas de imigrantes e fuga de capitais para offshores seria inevitável e em larga escala. Isto será ainda mais verdadeiro no caso dos países da União Europeia onde as barreiras são totalmente inexistentes. E não é preciso ir muito longe para encontrar exemplos disto: Portugal conseguiu entre 2000 e 2011 passar de uma dívida pública de 66 mil milhões de euros para 174 mil milhões. Um aumento de 163% no valor da dívida do estado[9], enquanto o PIB sobe de 127 mil milhões de euros para 171 mil milhões[10]. Um aumento do PIB a valores correntes de apenas 35%. Isto dá-nos uma ideia de como o new deal português falhou completamente nos seus efeitos. Quando as dívidas ultrapassaram o nível que os credores consideraram aceitável a queda era inevitável e este doping financeiro na economia deixou de conseguir sustentar uma economia que estaria provavelmente condenada à recessão.
As bases da teoria económica de John Meynard Keynes[11], tão em voga nos anos 30 e que deram as bases para o New Deal de Roosevelt têm o seu calcanhar de Aquiles no longo prazo. Na realidade o próprio previu isso embora não tenha mostrado grande preocupação com essas consequências. Quando lhe perguntaram o que aconteceria no longo prazo, a sua resposta foi "in the long run, we are all dead". Ele estava certo. Quase todas essas pessoas dos anos 30 estão hoje no céu (ou na sua concorrência). Mas nós estamos cá, e ficamos para pagar as contas todas. A economia está longe de ser uma ciência. A economia é ainda um mundo incompreensível cujas variáveis estão muito longe ser entendidas. Precisamos de novas ideias neste campo. Urgentemente.
Caro António
ResponderEliminarIn a statement to Congress, President Abraham Lincoln states,
“I have two great enemies, the Southern Army in front of me, and the financial institutions in the rear. Of the two, the one in my rear is my greatest foe.”
Excelente frase. Não a conhecia.
EliminarMas fez-me lembrar outra, também de um presidente americano e que é hoje ainda mais verdade do que era nessa altura. Dwight D. Eisenhower no discurso de despedida em 1961:
We must guard against the aquisition of influence (...) by the Military-Industrial complex. (...) We must never let this combination endangers our liberties or democratic processes.
http://www.youtube.com/watch?v=8y06NSBBRtY
Caro António
ResponderEliminarJá vi que gosta e é bom a fazer resumos dos livros que vai lendo. Como tal:
“A parte que não concordo do que escreveu é onde parece dar a ideia de algum tipo de conspiração da alta finança para provocar a IIGM.”
Se as empresas de notação financeira, não tivessem baixado a cotação de Portugal, o financiamento que o país pedisse lá fora seria com juros mais baixos, assim, paga fortunas.
Em situações de conflito militar, os estados pedem dinheiro emprestado, dispostos a pagar juros astronómicos, devido à situação aflitiva que estão a viver.
Se a banca não empresta, ou melhor vende, dinheiro, não ganha para as sopas.
Eu não penso que os banqueiros e comparsas, sejam tão ingénuos ao ponto de não verem o que lhes pode proporcionar os melhores lucros. Nem pessoas com comportamentos éticos irrepreensíveis.
O que os pode levar a não incentivar conflitos, que lhes vão gerar lucros fabulosos?
Um livro muito interessante de quem viveu por dentro todas estas questões.
Tragedy and Hope
A History of the World in Our Time
By Carroll Quigley
http://thenewalexandrialibrary.com/sitebuildercontent/sitebuilderfiles/carrollquigley-tragedyandhope.pdf
Pode ver na wicked quem foi este senhor
http://en.wikipedia.org/wiki/Carroll_Quigley
Entrevista com Carroll Quigley
http://www.youtube.com/watch?v=OV0zavSKHR4
Porque acha então que Lincoln diz que o seu maior inimigo é o que está atrás?
Ele sabia, como nós hoje, que os banqueiros financiaram os dois lados do conflito.
Por curiosidade, em especial o segundo caso Jerome Daly.
“O juiz de Portalegre, o juiz de Minnesota, as hipotecas de casas e as perpétuas vigarices da Banca”
http://citadino.blogspot.pt/2012/05/o-juiz-de-portalegre-o-juiz-de.html
Bom. Boa noite. Isto já é muito tarde e amanhã é dia de escola :)
Caro Carlos
EliminarVou procurar ler os links que enviou. Para ler os livros vou precisar de mais tempo :)
Cmps,
António
“A parte que não concordo do que escreveu é onde parece dar a ideia de algum tipo de conspiração de alta finança para provocar a IIGM.”
ResponderEliminar“... o tratado de Versailles que impôs condições draconianas à Alemanha.”
Afirmações suas no “post” anterior, mas como vou falar de banqueiros aqui fica.
Tratado de Versailles
Tinha uma lista dos negociadores/delegados, dos vários países e as suas outras ligações, mas infelizmente não sei onde está. Apenas uma pequeníssima curiosidade.
Paul Warburg (que elaborou o Sistema de Reserva Federal norte americano), chegou a Paris como chefe da delegação americana.
O seu irmão, Max Warburg, chegou como chefe da delegação alemã...
Quando ler os livros de Sutton, (e a ligação abaixo) peço-lhe que preste atenção aos nomes, os empregos que tiveram, onde, sejam cargos públicos ou privados, para quem trabalhavam os representantes do vários países, ligações, etc, etc.
“Warburg's father had fully expected that Paul would take charge of his family's banking business along with his brothers Aby and Max, but in 1895 Warburg married an American citizen, Nina Loeb, an accomplished violinist, and began to live part of the year in New York. Six years later, at age 34, he left Germany, took up permanent residency in the United States, and accepted a position as a partner at his father-in-law's firm, Kuhn, Loeb and Co.—one of Wall Street's most important and respected banking houses.”
http://www.minneapolisfed.org/publications_papers/pub_display.cfm?id=3815 (Cuidado com a pintura feita)
Paul Warburg (banqueiro) casado com Nina Loeb, filha de Solomon Loeb(*), cuja outra filha Theresa Loeb era casada com Jacob Schiff banqueiro em Nova York entre outros interesses.
(*)Investment bank founded 1867 by Abraham Kuhn and Solomon Loeb. it merged in 1977 with Lehman Brothers (/lol), making Lehman Brothers, Kuhn, Loeb Inc. This firm was then acquired in 1984 by Shearson/American Express, ending with the utterly awkward name, Shearson Lehman/American Express.
Continua
Paul Warburg
ResponderEliminarFederal Reserve Founder (1913)
US Federal Reserve Governor (1913-18)
Member of the Board of Kuhn, Loeb & Co. Partner (1901-13 and 1918-32)
Member of the Board of Union Pacific
Member of the Board of Western Union
American I.G. Chemical (**)
Bank of the Manhattan Company Chairman (1929-32)
Farmer's Loan and Trust Co.
M.M. Warburg & Co. Partner
Council on Foreign Relations Director (1921-32)
Confirme por si e siga as ligações - http://www.nndb.com/people/462/000135057/
(**) “On the eve of World War II the German chemical complex of I.G. Farben was the largest chemical manufacturing enterprise in the world, with extraordinary political and economic power and influence within the Hitlerian Nazi state. I. G. has been aptly described as "a state within a state"”
“In addition to Max Warburg and Hermann Schmitz, the guiding hand in the creation of the Farben empire, the early Farben Vorstand included Carl Bosch, Fritzter Meer, Kurt Oppenheim and George von Schnitzler. All except Max Warburg were charged as "war criminals"after World War II.”
http://www.houseofpaine.org/IGF.htm
Preface to the book TRADING WITH THE ENEMY: An Exposé of The Nazi-American Money-Plot 1933-1949 by Charles Higham
http://www.maebrussell.com/Articles%20and%20Notes/Trading%20With%20The%20Enemy.html
Não eram só banqueiros. Era a alta finança internacional. Sabe-se mais sobre os americanos porque estes pesquisam mais, não são tão secretos.
Lebanon central bank chief got it right.
ResponderEliminarQuando em Portugal, mas não só, os economistas andavam a dizer que a crise não podia ter sido prevista...
http://articles.latimes.com/2009/feb/21/world/fg-lebanon-banker21
2010 ano em que a Alemanha pagou a última prestação do empréstimo obtido para combater na 1ªG.G.
Um maná muito macabro.
http://www.youtube.com/watch?hl=en&v=mSz25O8XAGI
Como disse Rothschild: “Dêem-me o controlo do dinheiro e pouco me importo quem faz as leis”
Guy Carr: “Hitler antagonised the international bankers when he announced his financial policy…….The German Reich abrogated the clause in the Constitution, which made Dr Hans Luther, the President of Reichsbank, a permanent fixture. Until the change was made, the President of Reichsbank could not be removed without his own consent and a majority vote of the Board of the Bank of International settlements.”
http://www.nation.com.pk/pakistan-news-newspaper-daily-english-online/columns/29-Apr-2012/international-bankers-and-wwii
Mujahid Kamran is the vice chancellor of the University of the Punjab.
“When Churchill learned of the brutal allied bombing on Rotterdam he remarked: “Unrestricted submarine warfare, unrestricted air bombing - this is total war…….Time and Ocean and some guiding star and High Cabal have made us what we are.” The High Cabal is the perpetual hidden and lethal enemy of mankind.”
Isto já vai muito longo, no entanto praticamente nada foi dito. Vou deixa-lo repousar :)
Creio no entanto que havemos de falar mais sobre a alta finança e as suas tramóias.