quarta-feira, 25 de julho de 2012

A lotaria do útero

Dubai - Sheikh Zayed Road
O assunto que aqui trago hoje encontra-se para nós - portugueses - ao nível da ficção científica. São os "problemas de ricos", neste caso dos Emirados Árabes Unidos, país do golfo pérsico que, como se sabe, é um dos maiores produtores mundiais de petróleo e detendo as sextas maiores reservas do mundo deste recurso[1]. A isso acresce o facto desta federação de sete emirados ter uma população relativamente pequena, cerca de 8 milhões de habitantes, mas dos quais apenas 16,6% são cidadãos emiratis, ou seja menos de um milhão e meio. A sua capital, Abu Dhabi, é considerada a mais rica cidade do mundo[2], e tem o maior fundo soberano do planeta estimado em 627 mil milhões de dólares (o que significa que poderia dar cinco vezes a ajuda financeira que portugal recebeu da Troika)[3].Os cidadãos deste país beneficiam de extensos subsídios para além de educação e saúde totalmente por conta do estado. A sua maior cidade, o Dubai, tem o maior arranha-céus do mundo, o Burj Khalifa, e muitas outras obras marcantes de engenharia e arquitectua tais como a Palm Jumairah, o hotel "7 estrelas" Burj Al Arab e as belíssimas Emirates Towers que abrem a zona central da avenida Sheikh Zayed, talvez a mais famosa de todas as avenidas do Médio Oriente. O país é hoje um hub de turismo, aviação, media, tecnologias de informação, portos indústria naval e - claro - petrolífera. O seu PIB per capita atinge os 48.000 USD anuais, colocando-o consistentemente nos 10 países mais ricos do mundo[4], mais do dobro do português que se encontra por volta do lugar 40 entre os quase 200 países do mundo.

Abu Dhabi - Emirates Palace
Desta forma, os jovens dos Emirados Árabes Unidos saem das universidades com expectativas totalmente irrealistas dos salários que devem receber e dos cargos que devem ter. Com os salários da função pública altíssimos, praticamente toda a população local recusa-se terminantemente a trabalhar no privado. Os salários são baixos, os benefícios menores e provavelmente terão que ter chefes estrangeiros. Foi a isto que o empresário emirati Mishal Kanoo, presidente do Kanoo Group[5], definiu como "the lottery of the womb". Num artigo em 2011 para o jornal local de língua inglesa The National, Kanoo alertava para os perigos dessas ideias e a forma como estavam a definir a própria cultura dos cidadãos dos EAU. Basicamente os jovens do seu país consideravam "merecer" um bom trabalho porque tinham ganho a lotaria do útero[6]. Para além disso, critica duramente a política de emiratização posta e prática e que força quotas de cidadãos locais nas empresas privadas. O que sempre ouvi foi que os salários locais são de tal forma altos que compensa mais pagar as multas do que contratar o tal número mínimo de emiratis. Mas não comprendi a dimensão do problema (ou melhor, dos salários dos recém graduados) até começar a ler outras notícias relacionadas com o tema. Uma notícia na BBC sobre o programa de emiratização, de Março deste ano, anunciava que apenas 5% dos empregados do sector privado eram locais, enquanto representavam 60% a 70% dos funcionários públicos[7]. Em termos de procura de emprego, 90% dos emiratis desejam encontrar trabalho como funcionários públicos[8]. Também igualmente exemplificativa é um outro artigo de opinião do The National escrito por Ali Al Saloom, onde relata que o seu bom nome assim como o da sua família foi seriamente afectado por ter trabalhado enquanto jovem num hotel pelo "indigno" salário de 3.500 Dirhams (cerca de 780 euros) por mês, para além de que quando contrata pessoas e espera pagar 3.000 a 5.000 Dirhams mensais (para um estrangeiro), os jovens emiratis pedem pelo menos 20.000 Dirhams (cerca de 4.500 euros)[9]. E para comprovarmos que Ali Al Saloom não está errado nas suas previsões, deixo ainda aqui uma notícia de um outro jornal local, o 7 Days, que fez primeira página em Maio do corrente ano, que relata um estudo da UAE University, que concluiu que 10% dos jovens dos EAU entre os 18 e 23 anos espera receber no primeiro emprego entre 35.000 e 50.000 Dirhams (7.900 e 11.250 euros) mensais. Para além destes, outros 30% têm as suas expectativas acima de 25.000 Dirhams (5600 euros)[10].

Como disse inicialmente, para nós portugueses, tudo isto parece vindo do espaço. Com um salário mínimo abaixo dos 500 euros e um salário médio a rondar os 900 euros[11], é-nos bastante difícil sermos solidários com este tipo de dificuldades sentidas por pessoas que muito pouco têm a temer em relação às suas perspectivas financeiras futuras. Mas não deixa de ser um problema e grave. Que acontecerá quando o petróleo acabar ou for subsituído por outra tecnologia? Que futuro estará reservado (como perguntava o 7 days) aos potenciais Bill Gates e Steve Jobs deste país quando são levados para o conforto de uma vida de privilégio e sossego profissional absoluto? Quem é que irá emigrar, aprender diferentes formas de trabalho, aventurar-se para ambientes altamente competitivos e ganhar com todas essas experiências?

Estão longe de ser estes os nossos problemas, mas não deixam ser questões relevantes e que definirão o futuro da região no longo prazo. E mostra-nos a história que é pelo Médio Oriente que começam e acabam uma parte relevante dos problemas geo-estratégicos do mundo. De qualquer forma, Deus queira que um dia Portugal possa enfrentar este tipo de desafios...

8 comentários:

  1. Boa noite

    Muito bom texto, e bem escrito e informativo.

    Portugal podera vir a ser um pais rico economicamente sem ser preciso petroleo, basta sair do Euro no momento certo, e recuperar os pilares da nossa soberania, repor fronteiras, por maos no nossos capitais, e colocar como e obvio colocar o escudo como moeda oficial.

    Depois seria saber "jogar" (negociar) com as potencias aliadas a nossa situacao privilegiada geograficamente, pois ninguem deixaria que nos fossemos para uma o colo de um super-potencia economica rival (China, Russia), nesse negocio pedir investimento no nosso pais na industrializacao, e investir forte na area tecnologica.

    Depois e bom lembrar que Portugal e o pais juntamente com a grecia um pais com uma alta prespectiva de termos petroleo, na costa lusitana existe o problema e como explora lo e se vale mesmo a pena, e para nao falar que Portugal tem 184 minas de ouro e ferro por explorar e do gas propano que nos podemos ter uma das maiores reservas do mundo qume o diz e uma empresa america que esta interessada nessa mesma regiao.

    cumprimentos ao administrador e peco desculpa pela falta de acentos mas como o pc e de teclado alemao nao tem acentos portugueses.

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    1. Caro Anónimo

      Obrigado pelas suas palavras. Temia um pouco que este texto, por ser relativo a um problema que simplesmente não nos afecta enquanto simultaneamente sofremos de problemas tão graves, não causasse grande interesse. Claro que não escrevo só para os outros, também o faço para organizar as minhas ideias e poder confrontar-me a mim próprio com que disse anteriormente (falhei por exemplo quando dei por garantida a vitória do Syriza nas últimas eleições gregas), mas fico feliz pelo interesse demonstrado.

      Quanto ao seu comentário propriamente dito, só tenho discordância na questão da saída do euro. Já tivemos moeda própria no passado e o que a história nos mostra é que todos os problemas eram resolvidos imprimindo mais moeda o que tem consequências desastrosas a longo prazo. Talvez agora nos portássemos melhor, mas tenho as minhas dúvidas.

      Por outro lado, não sei o que aconteceria à nossa dívida. Não tenho conhecimento de nenhum mecanismo que nos permitisse passar a imensa dívida pública e privada de euros para a nova moeda, o que levaria a que cada desvalorização (mesmo tendo consequências positivas nas exportações) tornaria a dívida mais díficil de pagar.

      Por fim, sendo Portugal um país altamente globalizado (i.e. o nível de Exportações mais Importações a dividir pelo PIB é muito acima da média) as dificuldades causadas por ter moedas diferentes poderia ter impactos muito imediatos nas transacções, obrigando a um ajustamento violento e não necessariamente positivo.

      Compreendo a saída do Euro seja vista como uma opção. E como não acredito em tabus acho que deve ser discutida abertamente sem dogmas ou preconceitos. Mas para já tudo me leva a crer que a solução para Portugal tem que ser ficar no euro mas adaptar a sua economia para estar mais baseada na produção e na exportação, menos no consumo e mantendo uma balança comercial positiva e muito sólida.

      Os melhores cumprimentos,

      António

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  2. Aconselho a leitura do seguinte artigo do Independent
    http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/johann-hari/the-dark-side-of-dubai-1664368.html?fb_action_ids=2901623858935&fb_action_types=news.reads&fb_source=other_multiline#access_token

    A face muito negra mesmo de Abu Dhabi. Impossível ficar indiferente.

    Cumprimentos

    SC

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    1. Cara Susana

      Conheço bem esse artigo. Li-o há alguns anos e quando vou regularmente ver os artigos do Robert Fisk noto que continua no top 10 do ranking de artigos mais lidos do The Independent há bastantes anos e com boas razões para isso. Mesmo depois de Johann Hari ter caído em desgraça por ter re-escrito e acrescentado coisas às entrevistas que tinha feito (o seu último artigo é um pedido de desculpas formas por iso mesmo).

      O problema dos direitos dos imigrantes nos EAU, em especial os do sub-continente indiano é extremamente grave e infelizmente ignorado pelos expats. O racismo em relação a estes não é só ao nível da exploração pelas empresas que os trazem para trabalhar, mas até nas pequenas coisas do dia-a-dia. E não é um exclusivo dos árabes locais. Notei quase sempre a mesma mentalidade nos europeus, americanos e outros que trabalham no Dubai e Abu Dhabi. Nota-se nas passadeiras por exemplo, onde a esmagadora maioria das pessoas não trava se o transeunte for um indiano. No tratamento que recebem numa fila do McDonalds, na possibilidade de entrar num restaurante, etc.

      O Sheikh Mohammad iniciou uma série de reformas desde 2006 (quando tomou oficialmente conta do Dubai por morte do irmão Sheikh Maktoum) no sentido de inverter essa tendência. Pode parecer pouco, mas foi bom naquela altura ver que as obras paravam no pico de calor no verão, devido as acidentes que aconteciam quando as temperaturas vão acima dos 45 graus. Que começaram a prender os que abusavam das empregadas domésticas (tipicamente tiravam-lhes os passaportes e tornavam-se basicamente escravas).

      E - sendo um país onde existe censura - fico contente por lhe dizer que hoje (encontro-me em Abu Dhabi e acabei de fazer a experiência) é possível ver esse mesmo artigo.

      Nem o Dubai nem Abu Dhabi são o paraíso na terra. Nenhum lugar é. Felizmente têm conseguido subir muitos pontos ao nível dos direitos humanos, pelo que vou sabendo, mas ainda haverá certamente muito a fazer.

      E concordo totalmente consigo. É impossível ficar indiferente.

      Cumprimentos,

      António

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  3. Boa Tarde

    Pedia ao Sr Antonio que visse este pequeno video http://www.youtube.com/watch?v=GX2eK68M7ME&feature=related depois compare a situacao economica portuguesa e de seguida va procurar qual o pais que tem mais problablidade de ter recursos naturais em ambundacia depois diga alguma coisa

    Obrigado pela atencao.

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    1. Caro Anónimo

      Obrigado pelo seu comentário. Vi o video que enviou com bastante interesse. Em relação a muito do que se relaciona com o médio oriente, tenho noçao de que são verdadeiras (nomeadamente o golpe no Irão) e também muito do que dizem sobre Saddam Hussein. Nas partes mais relacionadas com a América Latina, não tenho um conhecimento tão profundo, por isso não estou em condiçoes de julgar, mas não fico surpreendido.

      Não fiquei totalmente convencido que o "self-proclaimed economic hitman" fosse verdade, mesmo que muits das coisas que conta sejam reais.

      E também não tenho a certeza de que exista algum tipo de conspiração contra Portugal, embora não tenha dúvidas de que muita gente estará apostando muito dinheiro na nossa queda (pode ser que lhes corra mal...)

      Os melhores cumprimentos,

      António

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  4. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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