É difícil prever os resultados do acordo de Concertação Social entre o Governo, UGT e Patronato. Mas alguns comentários podem ser já feitos, tendo em perspectiva os valores até agora conhecidos sobre a economia Portuguesa em 2011:
Deixou-se cair a proposta de aumento de meia hora diária de trabalho, que me parece que poderia ter algum efeito limitado, mas positivo na produção nacional. Embora uma parte dos trabalhadores estejam habituados a trabalhar mais do que as 8 horas diárias que estão na lei sem qualquer pagamento de horas extraordinárias por força das necessidades naturais de projectos, correcção de testes e preparação de aulas, por puro brio profissional ou ambição de carreira, em algumas situações esta alteração poderia ter sido útil para, por exemplo, reduzir filas de espera de hospitais, lojas do cidadão e repartições públicas ou aumentar a produção do sector fabril baseado em linhas de montagem. Se por um lado é claramente um esforço extra que está a ser pedido aos trabalhadores sem compensação acrescida, por outro será certamente menos doloroso do que a alternativa da redução salarial.
A questão dos feriados e pontes também é importante. Não existindo nenhuma fórmula mágica para aumentar a produtividade (anual) do país através de discursos brilhantes ou educação instantânea, aumentarmos a quantidade de trabalho que cada um de nós faz dá um resultado imediato. Sendo nós um país com uma enorme indústria do turismo e que depende muito dos consumidores nacionais, a criação de um enquadramento legal que permita e fomente a utilização das pontes é também um factor positivo.
A simplificação do processo de despedimento é algo que teria sempre que ser feito mais tarde ou mais cedo. Teremos sem dúvida que estar atentos para que seja utilizado em última instância, em casos de sobrevivência da empresa ou de manifesta inutilidade do trabalhador, mas só quem nunca trabalhou numa empresa de média ou grande dimensão é que acredita que estes elementos inúteis e desmoralizantes para os que realmente trabalham não existem. Dão um péssimo exemplo mostrando a todos os outros que o crime compensa e que o mérito não passa de um sonho. Talvez esta medida ponha travões a esta situação, para benefício não só das empresas, mas principalmente para a esmagadora maioria dos funcionários que trabalha duramente todos os dias sem procurar desculpas, sem falsas baixas e sem recusar desafios.
Um último ponto sobre o acordo de concertação é que talvez o seu maior mérito esteja mesmo na forma e não na substância. Sou um grande crítico da economia exibicionista dos dias de hoje. Tudo é espectáculo, tudo é recebido pelo seu aspecto, tudo é superficial. Mas a realidade é que também temos que jogar com isso e não podemos ser ingénuos ao ponto de pensar que - como país - não temos uma imagem a recuperar. Para quem está fora - mesmo pessoas com grandes responsabilidades financeiras - Portugal explica-se em 15 linhas semanais na Economist ou no Financial Times. Convém que essas poucas frases digam que estamos unidos, pacíficos e a trabalhar seriamente para sair da crise.
A CGTP também poderia ser uma das partes do acordo mas, como já se viu diversas vezes, está mais preocupada em ter visibilidade mediática do que em chegar a qualquer tipo de acordo.
ResponderEliminarOs efeitos do acordo da concertação social na produtividade do país será pouco acima (ou abaixo) da nulidade.
ResponderEliminarEnquanto andarmos a criar serviços e produtos para competir apenas no preço, bem podes cortar um pouquinho no custo do trabalho que as empresas continuam a não dar lucro.
Concordo. Parece-me que o ponto mais positivo está mesmo na imagem que passa do país, cujo valor é impossível de calcular.
EliminarTambém estou totalmente de acordo que a competição pura e dura pelo preço leva-nos inevitavelmente a vivermos como na Índia ou China.
O preço é obviamente relevante, mas os que querem aumentar a competitividade somente à custa da redução dos custos (em especial dos salários que apenas representam uma parte do total), não iram ter grandes resultados nem económicos nem sociais (nem eleitorais já agora...).
Gostaria que comentasse o seguinte artigo:
ResponderEliminarhttp://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2011/3-2012-Acordo-UGT-Patroes-Governo.pdf
Não encontrei ainda tempo para ler o pdf completo, mas no que consegui vi bastantes dados extremamente interessantes e algumas conclusões com as quais tive dificuldade em concordar. Vou procurar lê-lo com mais calma e se possível não só a conclusão mas o estudo todo.
ResponderEliminarNuma nota breve, estou totalmente de acordo que a substituição de importações é uma factor tão importante como as exportações, que a política de competição pura pelo preço é negativa quer a curto quer a longo prazo, que existem sérias dúvidas sobre onde esses apoios estão realmente a ir parar e que a inexistência de crédito às famílias e empresas está a bloquear de forma fatal o crescimento da produção (incluindo os exportadores e os substituidores de importações) e aniquilando a compra de imóveis e recuperação do parque habitacional.
Causou-me bastantes dúvidas a frase sublinhada no original: "os patrões ficam com a possibilidade, só por esta via, de “sacar” no limite à Segurança Social mais de 1.146 milhões €". Eventualmente bastantes empregos serão criados por causa desta lei que não o seriam de outra forma. Nesse caso isto não é dinheiro que está a ser sacado de forma alguma, mas sim empregos que estão a ser criados com todas as vantagens que isso trás. Se todos eles, sem excepção, fossem empregos que seriam criados de qualquer forma, então de facto isto seria apenas uma forma de colocar o estado a pagar parte do salário. Aí sim, seria sacar os tais potenciais mil milhões. Na realidade parece-me impossível ter a certeza. A verdade estará provavelmente num ponto intermédio.
De qualquer forma, não quero ser excessivamente crítico de um estudo ao qual terá certamente sido dedicado muito tempo e esforço e ao qual ainda não tive oportunidade de dedicar a merecida atenção.
Vejo que apesar das "algumas conclusões com as quais t(e)ve dificuldade em concordar", para já, apenas lhe causou "bastantes dúvidas a frase sublinhada no original"...
ResponderEliminarEvidentemente, quando lhe solicitei um comentário tinha em mente as "dificuldades em concordar" com o tal estudo - para já, parece-me que discorda apenas na tal frase. As razões que avança merecem-me uns reparos: os tais 1.146 milhões €, não deixam de ser um "depósito" dos trabalhadores (via Segurança Social... como poderia ser de um investimento numa companhia de seguros ou numa aplicação bancária que só não o foi porque a lei assim o estabeleceu). Creio que é claro que todos os empregos que forem criados a partir desta "linha de crédito" visam empregos "artificiais" com o intuito de "sacar mais umas massas" em que o grosso da despesa está a cargo do Estado, via poupanças dos trabalhadores e, por outro lado, reduzir a "estatística dos desempregados" obrigando os desempregados a aceitarem salários de miséria - todos os empregos criados a partir desta "solução miraculosa", do meu ponto de vista, serão criados sem qualquer necessidade por parte do patronato. Não acredito que o seu número venha a ser substancial e o que for criado, será sempre encarado como mais um esquema para "sacar mais umas massas", tal como os esquemas ligados aos subsídios adiantados pela UE ou pelos diferentes governos.
Aguardo futuras análises ao texto.
Comprimentos
A parte das conclusões com que tenho dificuldade em concordar referia-se também à seguinte frase:
ResponderEliminar"As medidas concretas do “Acordo” visam, por um lado, transformar a precariedade num modo permanente de vida para o trabalhadores portugueses e, por outro, baixar ainda mais os rendimentos
do trabalho em Portugal, através dos despedimentos individuais com a justificação de diminuição daprodutividade; (...)"
Esta frase por exemplo, parece passar dos factos para as intenções. O autor conclui o que vai na cabeça do legislador (e dos que assinaram o tratado). É dificil concordar quando alguém dá por verdade absoluta o que um terceiro está a pensar. Ao usar a palavra "visa" ele não nos diz o que considera serem os efeitos deste acordo, mas sim quais os seus objectivos ou a sua agenda escondida.
Sobre a questão de olhar para a segurança social quase como um depósito forçado, estou totalmente de acordo. Assim deveria ser. Infelizmente para a minha geração (tenho 34 anos), a segurança social representa tudo menos um depósito. É simplesmente um imposto para pagar as reformas e subsídios que a minha geração nunca terá. Tomara eu que o que descontei nos últimos 12 anos estivesse bloqueado num depósito a prazo forçado que só poderia tocar no dia em que estivesse desempregado ou reformado. Dormiria bem mais descansado. Mas não é isso que vai acontecer. Quando chegar a minha vez, terei que ter as minhas próprias poupanças de lado ou trabalhar até cair para o lado.
Sobre o patronato, provavelmente discordamos como resultado de experiências diferentes. Tive bons e maus patrões quer em Portugal quer noutros países, e como empresário, quero acreditar que trato todos os que trabalham comigo com o melhor sentido de justiça e não me passa pela cabeça viver de esquemas para sacar dinheiro ao estado. Esta lei não nos afectará porque tipicamente contratamos pagando mais do que os funcionários recebiam antes.
Resumindo, tenho dificuldade em acreditar que a generalidade dos patrões sejam abusadores que pretendem fazer dinheiro a qualquer preço (moral). Também não acredito que sejam todos anjinhos e sei o quanto é difícil competir contra empresas que atropelam todas as regras legais e morais
Cumprimentos,
A frase que cita não creio que contenha alguma surpresa: a agenda neoliberal assumida pela UE (julgo que, oficialmente, desde a cimeira de Lisboa... pelo menos!!!) é essa... creio que lhe chamam de “mobilidade” e que significa, na prática, isso de “precariedade” e, consequentemente no mercado de trabalho nacional, a “redução salarial”.
ResponderEliminarEu revi o meu comentário anterior e admito que talvez o tenha levado ao erro “de olhar para a segurança social quase como um depósito forçado” – o que eu pretendia era dizer que o Estado não tem o direito de usar os fundos da SS para outros fins que não para os que eles foram criados... a preocupação com as dívidas do Estado com as empresas privada chocam abertamente, por hipocrisia, com estas práticas abusivas.
Eu não tenho qualquer experiência com o patronato português – tenho o exemplo do meu pai que trabalhou cerca de 2 anos em Portugal, tendo recebido apenas os primeiros 6 meses e nem sequer conseguiu ver o seu nome inscrito na SS... isto em meados da década de 80, e a do meu filho que actualmente trabalha há mais de 3 anos a recibos verdes, num “call center” e que, recentemente (desde há 8 meses), viu o seu salário reduzido para cerca de 400 euros... mas é claro que não preciso de grandes experiências pessoais para poder criar uma noção “justa” do patronato do tecido empresarial das nossas pme.s, bastando para isso seguir atentamente as notícias do que campo laboral: ainda hoje, de manhã, a RTPi falava da recusa de os trabalhadores de uma empresa, se recusarem a retomar os seus postos de trabalho porque há 2 meses não recebem o seu salário.
Cumprimentos
PS. O patrão do meu pai, nos anos de 1982-84, em 1986 declarou a falência da sua empresa e uns meses depois abriu uma nova empresa... aonde provavelmente voltou a fazer o mesmo.
Esses exemplos que deu são dramáticos e no caso do seu pai, claros casos de polícia. Tenho a certeza que existem imensos "xicos-espertos" no patronato mas quero acreditar que não são a maioria. Podemos dar dezenas de exemplos de bons e maus empregadores que provavelmente não chegaremos a conclusão nenhuma. Mas acredito que concordaremos numa coisa: grande parte do problema está no nosso sistema judicial que simplesmente não funciona. No mundo da justiça existe uma frase muito simples que é "slow justice is no justice". Portugal é um exemplo disto. O devedor sabe que nenhum tribunal o vai obrigar a pagar em tempo útil. A coisa é tão complicada que ninguém se dá ao trabalho de ir para o tribunal porque vai perder tempo e dinheiro numa esperança de recuperar algo passado 20 anos.
EliminarSobre o caso do salário de 400 EUR, eu não faço ideia como é que alguém consegue viver com o salário mínimo (principalmente numa cidade como Lisboa). Acho que uma pessoa que consegue por comida na mesa nessas condições é praticamente um herói. Em 2000 eu trabalhei com um pouco menos do que essa quantia e sei o que era dividir quarto, contar todos os tostões e não ter a mais pequena margem para uma emergência. Talvez por isso não me escandalize muito cortar-se nas férias, feriados ou aumentar as horas de trabalho mas fico extremamente indignado que não se aumente o salário mínimo. Eu não vejo forma de sairmos deste buraco senão trabalhando todos muito mais e mais duro, mas por amor de Deus não baixem os salários das pessoas, em especial as que recebem menos 1000 EUR.