Book Review
Ian Kershaw, proeminente escritor inglês, traz-nos esta obra interessantíssima sobre a segunda guerra mundial, que na realidade se concentra numa só pergunta: por que motivo o III Reich, como entidade política, se aguentou de pé até os soviéticos literalmente baterem à porta do Fuhrer?
A pergunta é relevante. Milhões de civis e militares morreram nos últimos meses da guerra, quando era óbvio para todos os envolvidos que a guerra estava perdida para o eixo. Tragédias como o Wilhelm Gustloff[1], Hiroshima e Nagasaki, a destruição de Berlim[2] entre muitas outras batalhas causaram um sofrimento indescritível sem qualquer valor para o desfecho da guerra.
Normalmente as guerras perdem-se no campo da diplomacia e/ou da política antes de se perderem militarmente. Pelo menos de uma derrota militar deste nível, com o colapso total e absoluto das forças armadas. Na primeira guerra mundial, por exemplo, uma revolução interna na Alemanha[3] provocou a sua derrota, que no campo militar ainda estava longe de ser absoluta. Na frente oriental, também um golpe bolchevique na Rússia sentenciou a saída desta guerra[4], sem que alguma vez as tropas alemãs tivessem sequer aproximado de Moscovo ou São Petersburgo[5]. Sem precisar de ir tão longe, temos a derrota de Portugal na guerra do Ultramar, causada por uma revolução em casa e não por uma derrota militar no terreno[6].
Neste caso, o regime Nazi manteve-se de pé até aos últimos instantes e a autoridade de Adolf Hitler intacta até à sua morte. Como seria de esperar, são muitos os motivos porque isto terá acontecido. E nem sempre se passou da mesma forma. A autoridade do partido e dos representantes do estado na frente leste não era a mesma da frente ocidental. A atitude das forças ocupantes também não era a mesma.
O livro foca-se no período final da guerra, desde o atentado falhado de Stauffenberg[7] em Julho de 1944 e que por pouco não conseguiu matar Hitler no seu Wolfsschanze (a "Toca do Lobo", um quarter-general na Prússia Oriental), até ao final da guerra em 1945.
Kershaw explora de forma brilhante, fluida e bem documentada as várias motivações por parte dos cidadãos alemães, funcionários públicos e forças armadas para manterem a sua estrutura até ao fim. Desde a estrutura corrupta que rodeava Hitler e que mantinha uma constante luta de poder, as infatigáveis guerrilhas entre os diferentes ramos das forças armadas até ao medo que os alemães tinham do que seria uma ocupação estrangeira. Uma ocupação soviética, acompanhada pelos relatos assombrosos dos civis em fuga da Prússia Oriental, devidamente regados pela propaganda Nazi, fizeram com que na frente leste a resistência tenha sido sempre maior. A sensação de grande parte das tropas alemãs era, nessa frente, de que a sua guerra era justa ou, pelo menos inevitável para travar as "hordas asiáticas". Os mais veteranos lembravam-se no entanto do que fora o avanço alemão pelas estepes russas durante a Operação Barbarossa. E sabiam que o que lhes estava a cair em cima era uma vingança bíblica. Já do lado ocidental, o comportamento era bastante diferente, com grande parte dos intervenientes a prepararem o pós-guerra e sem medo do que lhes esperava depois de uma ocupação anglo-americana (com excepção dos líderes nazis locais, nomeadamente os Gauleiter[8] e os que trabalhavam directamente com estes).
Não obstante a propaganda nazi e os boatos infundados de que ainda seria possível uma paz separada entre o III Reich e os aliados ocidentais que permitisse que se juntassem na "inevitável" guerra contra o inimigo bolchevique, os receios provaram-se correctos. A esmagadora maioria dos prisioneiros de guerra alemães na frente oriental morreram em cativeiro depois da guerra (à semelhança do que aconteceu aos prisioneiros soviéticos feitos pelos alemães, que foram deixados a morrer de fome e frio em campos espalhados pelos territórios ocupados). Mas o medo da ocupação não foi certamente o único motivo. A máquina de terror criada pelo regime Nazi virou-se nos últimos meses da guerra não só para os seus inimigos habituais, mas também para os restantes alemães. Qualquer sinal de derrotismo recebia a pena de morte. Traição ou rendição levava a consequências trágicas nos familiares para além dos próprios.
Uma questão interessante relativa à sobrevivência do regime até tão tarde prende-se com a própria estrutura de poder. Ao contrário da Itália, por exemplo, que tinha um Grande Conselho Fascista[9] que nomeava o ditador e um Rei que servia como alternativa de transição, a Alemanha não dispunha de qualquer forma pacífica de retirar Hitler do poder. Para além disso, todos à volta de Hitler, nomeadamente as quatro grandes personagens imediatamente abaixo deste (Goebbels, Himmler, Bormann e Speer) estavam profundamente divididos e receosos uns dos outros. E o poder de todos era dado por Hitler. Todos viram como Goring, lider da Luftwaffe, fora totalmente despido de poder por Hitler depois dos falhanços em 1944 e era, nesta altura final da guerra, absolutamente desconsiderado por todos, desde a população até aos políticos e militares[10].
O livro é brilhante mas, aconselho a sua compra de forma condicional. Acredito que é um livro que faz muito sentido depois de já se ter lido muitos outros sobre a segunda guerra mundial. Foi escrito para quem já leu as obras de Martin Gilbert, Churchill, Max Hastings, Antony Beevor e Richard Overy. Para quem estiver a ler os seus primeiros livros no assunto, este certamente não será o melhor para começar. No entanto, se já começa a sentir que cada livro que lê acrescenta menos sobre o assunto, então "Até ao Fim, Destruição e Derrota da Alemanha de Hitler 1944-1945" é um livro que certamente quererá ter na colecção e que lerá com enorme prazer.
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