É relativamente comum encontrar livros de que não gosto pela sua forma ou pelas suas opiniões, mas não é habitual encontrar um livro com tantos erros históricos. Tantos, que inevitavelmente colocamos em dúvida tudo o que de novo encontramos no livro.
Escrito por João Barone, entusiasta da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e filho de um veterano que lutou na segunda guerra mundial na frente italiana este "1942 - O Brasil e a sua guerra quase desconhecida" poderia ser um documento interessantíssimo que desse ao público um maior conhecimento sobre a experiência brasileira na guerra.
Mesmo não sendo eu brasileiro, tive imensa curiosidade em ler o livro assim que o vi. O Brasil lutou na segunda guerra mundial, mas mesmo para quem já tenha lido dezenas de livros e documentários sobre esta guerra, o nome do país praticamente não é referido. A sua importância foi obviamente pequena e a sua participação limitada e tardia, mas o que fez desta guerra uma guerra mundial foi precisamente o facto da sua dimensão ser tal que mesmo países longe dos principais palcos de batalha - Europa, Norte de África, Pacífico e China - foram seriamente afectados.
Mas o que encontrei foi, infelizmente, um livro confuso e com graves erros. A sequência cronológica é constantemente atropelada o que permite ao autor usar como argumentos situações fora do seu tempo. Se as descrições dos soldados e pequenas unidades são bastante interessantes, a visão macro da guerra parece excessivamente deturpada e pouco clara. A verdade é que a FEB foi enviada para Itália numa altura em que o desembarque da Normandia já tinha sido feito com sucesso e devidamente consolidado. No leste os exércitos de Hitler e seus aliados já tinha sido amargamente derrotados em Stalingrado e em Kursk e estavam a retirar ou a ser cercadas por uma frente que retrocedia centenas de quilómetros. No atlântico, os submarinos alemães estavam a ser dizimados pela frota americana e o Norte de África estava já totalmente limpo de forças do eixo. Numa frase, a guerra estava ganha quando o Brasil efectivamente pega em armas para lutar contra a Alemanha Nazi. E, numa guerra onde morreram muitos milhões de combatentes e ainda mais civis, o Brasil enviou apenas 25 mil homens para o terreno. Por vezes, Barone perde essa perspectiva e procura energicamente mostrar a importância da frente em que os brasileiros combatiam.
Quanto aos erros e imprecisões, deixo aqui alguns que espero que possam ser devidamente corrigidos em posteriores edições do livro: (p116) a ocupação da Guiana Holandesa pelos Estados Unidos em Novembro de 1941 foi feita com o acordo do governo holandês no exílio. Falar apenas de ocupação leva os leitores a (erradamente) pensarem que foi uma invasão. (p128) referir a hipótese de que o governo americano tivesse conhecimento do iminente ataque a Pearl Harbour (algo que é categoricamente desmentido por todos os historiadores) dizendo apenas que foi "algo nunca comprovado" contribui para alimentar a própria ideia. "Não comprovado" é uns graus diferente de "não existe a mais pequena prova nesse sentido". (p168) obviamente a ELO (Esquadrilha de Ligação e Observação) não executou a sua primeira missão no dia 12 de Novembro de 1945, já que a guerra já tinha acabado à muito por essa altura. (p181) sobre as deserções no FEB, duas em 25 mil são matematicamente menos de um por cento, tal como diz o autor, mas seria mais preciso se dissesse que são menos de 0,01%. É que um por cento de deserções, com a guerra já ganha e os alemães em completa retirada até seria um valor extremamente alto. (p230) Roosevelt não faleceu no início de 1945 como diz Barone mas em 12 de Abril, apenas umas semanas antes do próprio Hitler. (p242) a descrição do levantamento (ou "levante" na forma brasileira) de Varsóvia "que ajudaria a expulsar os nazistas do país e ao mesmo tempo serviria para intimidar a ocupação soviética" está francamente mal explicado. Naquele momento da guerra o objectivo era mesmo a expulsão dos nazis. A tal ajuda que não veio era precisamente dos soviéticos, que atrasaram o seu avanço para dar tempo aos alemães de destruirem totalmente a rebelião. Tirando Churchill que se apercebeu muito cedo das intenções soviéticas, muito poucos foram os que fizeram algo para o evitar. Nota especial para a liderança americana que em momento algum viu nos soviéticos os seus futuros inimigos.
Muitos destes problemas poderiam ter sido resolvidos com uma revisão mais profissional antes do texto ser publicado. Enquanto escritor amador (blogger) compreendo perfeitamente que é normal dar erros ridículos, mas um livro em papel não é uma página da internet que é imediata e facilmente corrigível. Um livro, depois de publicado é um projecto fechado e não pode ser lançado numa versão draft.
Numa nota mais positiva, apreciei muito do que aprendi sobre a participação brasileira, sobre a complicada posição política do governo Vargas (lutando ao lado das grandes democracias quando ele próprio era uma ditadura de inspiração fascista), até da absoluta impreparação das forças brasileira que chegaram à frente ainda sem armas (fez-me lembrar Portugal na Grande Guerra) e o pós-guerra dos pracinhas com o silenciamento das suas experiências. O trabalho que João Barone está a fazer é relevante e é necessário que alguém consiga fazer esta ligação entre os historiadores académicos e um público mais vasto. O seu estilo mais leve é importante, mas terá que se preparar melhor no futuro se pretende avançar novamente para uma obra desta envergadura.
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