quarta-feira, 4 de setembro de 2013

No, you Can't Mr.Obama

Obama prepara-se para escalar mais um degrau no nível de violência que temos na Síria. Estimam-se já em mais de 100.000[1], os mortos desta guerra civil. Os refugiados em mais de dois milhões[2].


Allepo, Síria
Não tenho dúvidas de que ficarmos a olhar enquanto um país se desintegra não é solução. Não acredito no que muitos chamam de "solução síria"[3], que se limita a ser deixar que se matem todos. No Rwanda, na Bósnia, no Líbano, na Somália e muitas outras guerras civis, a matança não acabou só por si. E em muitos casos só acaba passadas décadas de violência, quando a guerra civil já consumiu tudo o que o que o país tinha.

Mas esta guerra não é um problema só dos Sírios. Arábia Saudita[4], Qatar[5] e Emirados Árabes Unidos[6] colocam dinheiro e armas nas mãos dos rebeldes. O Reino da Arábia Saudita, em especial, tem estado a dar um enorme apoio aos rebeldes fundamentalistas de influência wahabista. Quererá Obama ficar como responsável por mais um país nas mãos de uma Arábia Saudita com muito pouca paciência para a liberdade religiosa? E até quando Obama acredita que conseguirá controlar o Reino, quando se prepara uma sucessão com potencial para correr muito mal[7]?

Os relatórios de que a Al Qaeda está presente em larga escala também são mais do que muitos[8]. Embora provavelmente estes grupos sejam mais de inspiração da Al Qaeda do que propriamente ligados à sua liderança real (se é que ainda existe uma), a verdade é que estamos a falar de verdadeiros inimigos do Ocidente, da Democracia e da liberdade religiosa. Depois de ficar para a história como o Presidente que apanhou Osama Bin Laden, será que Obama vai querer ficar também como o homem que deu à Al Qaeda um novo santuário depois de Bush ter destruído o anterior?


A sexta esquadra avança para o Médio Oriente
Mas olhemos para este assunto de outra forma. A situação está tão má na Síria que se compreende que os "polícias do mundo" sintam necessidade de fazer algo. Uma mente mais ingénua do que a minha (e com menos conhecimentos de história do Médio Oriente[9]...) até poderia propor uma invasão, retirar o ditador Al Assad do poder e tornar a Síria num exemplo de democracia para todo a região. Depois todos os outros países imitariam esse belo exemplo e poderiam viver felizes para sempre. Mas também não é isso que Obama quer fazer. Ele assegura-nos já que não haverão tropas americanas no terreno ou, de uma forma mais teatral, no boots on the ground. Teremos por isso uma intervenção mais limitada. A aviação americana destruirá todos os alvos e mais alguns e os misseis de cruzeiro vão limpar os palácios, bunkers e instalações militares mais pesadas. Mas sempre sem tropas no terreno. Que acontecerá depois? (alguém lhe deve ter feito estas questões porque em apenas dois dias já parecem existir dúvidas em relação a essa promessa[10])
Obama prepara a sua "guerra de opção"

Dá para imaginar que isso trará vantagens no terreno aos rebeldes. Mas sem ninguém a controlá-los, deveremos esperar por mais do que aconteceu na Líbia? Eu diria que vai ser muito pior. Uma guerra civil muito mais prolongada, um país mais misturado em termos de religiões, etnias e ideologias, eu esperaria que as vinganças serão terríveis. Espero uma invasão ao estilo soviético em 1945 com massacres atrás de massacres. Aos milhões de refugiados juntar-se-ão muitos mais e o regime (e os sects não-sunitas) lutarão quase até à última bala.

Uma outra hipótese é a silver bullet. Uma bala certeira (ou mais precisamente, uma bomba de várias toneladas.... certeira) que apanhe Assad e a guerra acabe miracolosamente. Por vezes a queda do líder acaba a guerra de uma só vez. Em Angola, décadas de guerra acabaram com a dramática morte de Jonas Savimbi[11], no entanto foi acompanhada de uma vitória militar clara sobre o adversário. Mas aqui, e quando Obama declara à partida que não quer tropas no terreno, a vitória militar vai demorar um pouco mais. E será muito mais descontrolada, mais ao estilo do Afeganistão pós 2001.

A solução - obviamente - passa pela Rússia e pelo Irão. Obama deveria estar sentado à mesa com o novo presidente iraniano e com Putin. Se retirarem as armas aos dois lados do conflito forçam-nos a conversarem uns com os outros. Coloquem-se na posição dos interesses russos e percebam o que têm que lhes oferecer para que estes obriguem Assad a desistir. Seja a inviolabilidade da base da frota russa no mediterrâneo, a vida de Assad em Moscovo ou Teerão ou outra coisa qualquer que seja razoável ceder. Dêm uma oportunidade ao Irão para que junte à comunidade internacional.

O Médio Oriente é já, hoje, uma confusão louca. Todos os problemas estão misturados. Cada problema não resolvido é mais um que se junta à lista de esqueletos no armário. Este é mais um que se prepara para alimentar ainda mais esta loucura da guerra de civilizações que muitas tanto procuram como panaceia para todos os males do mundo.

Há uns anos atrás, todos rejubilamos quando vimos Bush reformar-se. O warmonger estava fora do caminho. Obama era novo, mostrava uma vontade férrea de mudar o mundo e o mundo encheu-se de esperança com ele. Hoje, com Guantánamo ainda a funcionar, a guerra do Afeganistão tão mal como sempre, um Iraque abandonado à sua sorte, uma Primavera Árabe que não recebeu o mais pequeno apoio dos americanos, e os Estados Unidos da América a soarem os tambores de guerra, só me ocorre uma frase...


NO YOU CAN'T MR.OBAMA!


2 comentários:

  1. Boa Noite caro António,

    É com prazer que vejo mais um "post" seu relacionado com o Médio Oriente, e conhecedor como aparenta ser dessa região devido às suas experiências que por lá vive ou viveu admiro o facto de as partilhar com todos nós, assim como as suas opiniões, as quais respeito.

    "A aviação americana destruirá todos os alvos e mais alguns" já imaginou que Assad pode lançar suas bombas químicas assim à toa e culpar a intervenção militar americana pelo facto de estes terem acertado por mero acaso uma instalação militar síria onde guardavam parte do seu arsenal químico, no qual resultou milhares de mortos, na sua grande maioria civis...Não acho boa ideia esta forma de tentar resolver o assunto.

    "uma Primavera Árabe que não recebeu o mais pequeno apoio dos americanos" Guerrilhas montadas e treinadas pela CIA, armas fornecidas por mercenários que eram pagos para também lutarem do lado dos guerrilheiros(caso de mercenários portugueses que foram presos por tentarem fornecer armas e informações ao governo americano por intermédio de um empresa alemã de armas H&K), serviram se dos media como quiseram e quando quiseram para derrubar os governos ditatoriais, fizeram um intervenção aérea na Líbia etc...após queda do governo que foi feito? Nada se podia fazer, quem tomou conta do poder foi os homens que a América e restante Ocidente encarregou se de armar, ou seja está bem à vista de todos que fugiu de mãos o controlo de qualquer poder de negociação e influência, pois esse era o principal objectivo, é caso para dizer que o tiro saiu pela culatra!

    Agora resta ao americanos jogarem com os interesses russos e não só, e pressionar o Irão de forma a ser um governo fantoche caso contrário, já se sabe! E como toda a gente sabe os russo são tão bons como os americanos e só não mordem como eles porque não têm "dentes afiados" como eles e claro também têm muito medo, não se encontram preparados para tal, e limitam se a jogar à moda da "guerra fria", mas isso aí de nada incomoda o Ocidente.

    Os melhores cumprimentos,

    Fábio Gomes.

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    1. Caro Fábio

      Muito obrigado pelos seus comentários.

      Eu sou totalmente contra esta ideia dos americanos de lançar bombas sobre a Síria e acharem que isto ajuda no que quer que seja. Não sei o que vai na cabeça do Assad, mas é bem possível que, sendo encurralado, comece a tomar opções perigosas, como colocar nas mãos do Hizbullah e outras milícias pró-governamentais essas mesmas armas. Ou seja, aquele que é o verdadeiro motivo de Obama para intervir (a possibilidade de serem lançadas armas químicas sobre Israel), torna-se mais provável devido à sua actuação. Um paradoxo que deveria obrigar Obama e Kerry a pensarem duas vezes.

      Quanto ao apoio americano à Primavera Árabe eu mantenho o que disse. Considero que os americanos não ajudaram minimamente os democratas árabes que se levantaram no Egipto, no Bahrain, no Yemen, na Arábia Saudita ou na Túnisia. Pelo contrário, já resolveram ajudar grupos armados, mílicias fundamentalistas e outros do mesmo género na Síria e Líbia, quando lhes interessou. O que se passa na Síria não é uma "Primavera Árabe", mas simplesmente uma luta pelo poder. Claro que quanto à definição de "Primavera Árabe" ainda tem muito que se lhe diga.

      Não ouvi falar dessa história dos mercenários portugueses, mas fiquei curioso. Se tiver alguma informação, por favor envie.

      Quanto à sua conclusão final, não podia estar mais de acordo. Há qualquer coisa a acontecer entre as grandes potências que é mais agressiva do que qualquer coisa que temos visto nos últimos 20 anos. A Rússia e a China estão a ganhar músculo. Os EUA não estão a gostar. E se nunca arriscariam um confronto mais frontal, podem sempre causar muitos problemas se o desejarem, mesmo sem se envolverem de forma muito óbvia.

      Os melhores cumprimentos,

      António

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