sábado, 10 de março de 2012

Estados Unidos da Europa

A crise em que a europa está envolvida, já com a Grécia, Irlanda e Portugal em situação de apoio financeiro enquanto a Itália e Espanha estão perto disso tem obrigado a medidas de curto prazo duríssimas para os seus cidadãos de forma a controlar a espiral de déficit público destes países.

São muitas as explicações para esta crise, com raízes na crise de subprime americana, seguidas pela crise financeira resultante e finalmente pela crise orçamental provocada pelos gastos estatais feitos na tentative de controlar as crises anteriores. A próxima crise é naturalmente a crise de investimento causada quer pela austeridade orçamental quer pela crise de confiança dos consumidores e investidores.

E acabei de usar oito vezes a palavra "crise" para conseguir descrever a dita-cuja em que nos encontramos...

Sou um crítico violento do prémio Nobel da economia Paul Krugman. Gosto das análises que faz mas discordo das soluções que apresenta. Foi ele mesmo, com o poder que só um "óscar" da economia tem, e suportado por uma onda global de novos keynesianos, que deu a base científica para os déficit orçamentais incontrolados em que nos encontramos. Agora visita Portugal e diz-nos que "não faria diferente do que o governo português está a fazer" e que os salários portugueses teria que ser cortados ainda mais em relação aos da Alemanha. Escrevi sobre as suas visões um mês antes dessa vinda a Portugal:

http://oreivaivestido.blogspot.com/2012/01/economia-de-guerra-de-krugman.html

Nesse mesmo dia, Krugman tem um artigo no New York Times que faz uma análise bastante interessante sobre o problema da Europa e as dificuldades em que esta tenha um comportamento semelhante aos EUA. Deixo aqui o link e uma cópia de um parágrafo que vai de encontro ao meu tema de hoje:

http://www.nytimes.com/2011/01/16/magazine/16Europe-t.html?_r=1&pagewanted=all

"What does this have to do with the case for or against the euro? Well, when the single European currency was first proposed, an obvious question was whether it would work as well as the dollar does here in America. And the answer, clearly, was no — for exactly the reasons the Ireland-Nevada comparison illustrates. Europe isn’t fiscally integrated: German taxpayers don’t automatically pick up part of the tab for Greek pensions or Irish bank bailouts. And while Europeans have the legal right to move freely in search of jobs, in practice imperfect cultural integration — above all, the lack of a common language — makes workers less geographically mobile than their American counterparts.

And now you see why many American (and some British) economists have always been skeptical about the euro project. U.S.-based economists had long emphasized the importance of certain preconditions for currency union — most famously, Robert Mundell of Columbia stressed the importance of labor mobility, while Peter Kenen, my colleague at Princeton, emphasized the importance of fiscal integration. America, we know, has a currency union that works, and we know why it works: because it coincides with a nation — a nation with a big central government, a common language and a shared culture. Europe has none of these things, which from the beginning made the prospects of a single currency dubious."

Acho particularmente interessante porque, na minha opinião, pega precisamente em alguns dos assuntos que eu gostaria de ver discutidos no parlamento europeu e depois sufragados pelos Europeus.

Acredito na criação de uns Estados Unidos da Europa, aliás, não vejo outra solução para a Europa senão essa. Já fizemos muito até agora mas espero que consigamos dar o passo em frente. Mesmo com todas as dificuldades que hoje passamos, devemos lembrar-nos de a europa é o mais democrático de todos os continentes, onde os cidadãos têm o direito de processar os estados, onde os líderes políticos não ficam nos seus lugares para sempre, onde as liberdades religiosa, política e de imprensa são maiores e a UE o maior garante de uma paz duradoura neste campo de batalha das duas maiores guerras alguma vez vistas pela humanidade.

São vários os pontos que a Europa tem que discutir, para além das crises de curto prazo:

- A criação de um verdadeiro governo central, onde todos os estados (e não só a Grécia) abdicam de uma parte da sua soberania.

- Definição do que são os problemas comuns e os problemas de cada um dos estados de forma a que possam ser separadas as responsabilidades (por exemplo, as questões aduaneiras, e de polícia federal, de defesa e de negócios estrangeiros seriam no meu entender centralizadas).

- Funções do Banco Central Europeu, passando não só de protector da inflação baixa para emprestador de último recurso e financiador do governo europeu.

- Língua (e Cultura e Mobilidade Laboral) devia também ser discutida. Sei que é um ponto sensível porque a europa tem quase tantas línguas como países, mas deveria existir uma língua europeia para além das línguas nacionais. Inglês, Françês, Esperanto ou outra qualquer. Uma que fosse ensinada em todos os países desde os 5 anos e que em vinte anos toda a Europa consegui tratar os seus negócios nessa língua. Os romanos conseguiram colocar toda o seu império a falar latim, uma língua incrivelmente complexa sem sequer existir ensino básico. Porque motivo seria tão difícil fazermos o mesmo?

Embora com escassas hipóteses de ganhar, uma solução destas deve ser claramente feita com o apoio do povo e não nas suas costas. Ou por referendo directo ou dando tempo suficiente para que estas questões estejam explicitamente definidas nos planos de governo de todas as eleições nacionais durante um período de 4 a 6 anos.

Existem ainda outras opções, mas eu vejo-lhes defeitos muito mais graves: ficar como está, ou voltar para trás (aos estados nação). Não consigo imaginar como é conseguimos sobreviver a longo prazo se a Europa estiver partida em dezenas de estados de 10 a 40 milhões de habitantes enquanto os outros blocos nos fazem frente com 200 a 1500 milhões. Seja em ataques monetários, económicos, políticos ou mesmo financeiros se nada mudar (ou pior ainda se voltar para trás) não seremos mais do que campo de batalha para os restantes.





4 comentários:

  1. acho que está a ser muito ingenuo na tua abordagem ...
    sinceramente depois das minhas aventuras pela europa fora, se houvesse vontade para uns E.U.Europa teria de ter sido aproveitando esta crise com a introdução dos eurobonds,
    que ia forçar a integração fiscal (ou o desastre europeu) era o "tudo ou nada", o "vai ou racha".

    como não aconteceu e ficando como estamos aparenta na minha humilde opinião que vamos ter uma "death by 1000 cuts".

    a grécia vai sair do euro, vais ter agora mais um resgate com o unico objectivo de adiar o (provávelmente) inevitável, a sua saida, evita-se contagios a ver se não implode já o euro por completo
    porque neste momento cair a grecia por arrasto implica cair espanha e italia, e acabou o euro de vez. basta veres que depois deste hair cut os prognósticos optimista apontam para uma grécia daqui a
    18 anos falida novamente com um passivo de 120% do PIB.

    portugal caminha a passos largos para caminhos semelhantes mas como ha mais concenso social talvez travemos antes do precipicio, vamos a ver.

    se vires esta crise serviu para ver que está tudo deitado na mesma cama, mas com um pé de fora.
    com vista ao governo central, a democracia é uma ameaça e não um meio de união e legitimação, irlanda deu logo um claro sinal! no seu referendo. por isso ou ha uma ditadura "ainda que disfarçada" ou não chegas lá, e se chegares duvido que por lá fiques...

    e depois as diferenças culturais vai dar asneira...

    "Língua (e Cultura e Mobilidade Laboral) devia também ser discutida. Sei que é um ponto sensível porque a europa tem quase tantas línguas como países, mas deveria existir uma língua europeia para além das línguas nacionais."

    boa sorte com essa :) .... aqui estas a ser completamente ingénuo não vai ser no nosso tempo de vida que isso acontece, essa é a unica certeza que eu tenho :) .
    jamais os alemães aceitam falar outra coisa, idem para espanhois franceses ou ingleses. nem na bélgica (onde estou agora) eles se entendem com os conflitos culturais estiveram 1 ano sem governo, o facto de serem uma monarquia é que aguentou isto!!!
    basta veres no projecto onde estou, toda a documentação e email é enviado em françes e holandes simultaneamente o ingles eles aceitam pacificamente como "outsider"
    mas se alguem manda um mail sem ser nas 2 linguas está a barraca armada...MESMO.

    tens razão quando dizes que ficar como estamos ou voltar para tras é mau para a europa, mas esta UE ja nasceu muito torta.

    estavamos melhor nos tempos pré EURO, o ECU como moeda de sistema financeiro e um mercado livre na UE, que isto que tens hoje.

    acredito que uma possivel solução para portugal passe pela CPLP (não podemos ser os tolos que se deitam na cama sem tb pormos o nosso pé fora de alguma maneira), não é por nada que tens paises que não falam portugues a querer aderir... pensa nisso ;)

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    1. Caro Marco

      Eu concordo muito do que dizes, excepto o juízo de valor em relação à minha potencial ingenuidade. :)

      Estou cansado de ver a Portugal (e a Europa e provavelmente o Mundo)a navegarem à vista. Estão atentos às rochas e baixios mas não sabem qual é o destino final. E não há ventos favoráveis para quem não sabe qual é o seu objectivo.

      Provavelmente o que eu acredito não acontecerá no meu tempo de vida. Mas não vai acontecer nunca se não se começar a pensar, analisar e discutir o assunto.

      A democracia, o sufrágio universal, o fim da escravatura, os direitos do homem, etc são tudo coisas que foram discutidas durante décadas e séculos até que começassem a ser implementados.

      Dez anos atrás era tabu falar-se em federalismo europeu. Hoje já se fala, embora sem grande convicção. É um passo.

      Resumindo, temos que resolver os nossos problemas de curto prazo (Portugal em especial), mas isso não pode ser desculpa para nos recusarmos sequer a pensar no que queremos que seja o nosso futuro. Foi precisamente a falta de visão de longo prazo que nos colocou onde estamos hoje...

      Abcs

      António

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  2. a "ingenuidade" era para o teu plano de "4 a 6 anos" :) em que até querias por os alemães a falar outra lingua qualquer :P e não foi com más intenções :P ... (mas pronto eu pago a proxima cerveja na mesma :) ehhehehe)

    acrescento só que para grandes mudanças precisas de grandes figuras de estado "inspiradoras", mas no que toca ao projecto europeu "foi nos dado" o van Roumpoy ... que nem vale a pena comentar :S

    com a "moda" dos politicos de profissão/carreira que saiem das universidades directo para as máquinas partidárias sem saberem fazer mais nada e sem terem outro tipo de experiencia de vida, sou relativamente pessimista em relação ao futuro.

    abraço

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    1. ahahaha

      I'll hold you to that promise. Deves-me então uma cerveja.

      Os 6 anos são entre o ter um plano final e o decidir andar para a frente com ele: ou por referendo (e aí é mais rápido) ou dando os tais 4 a 6 anos para que os partidos no governo de cada país tenham sido forçados a incluir/excluir isso nos seus programas de governo. Desculpa se não fui claro.

      Quanto às figuras inspiradoras... que saudades de há 20 anos atrás quando à frente da europa estavam homens e mulheres que independentemente dos seus partidos e convicções, eram pessoas sem medo de tomar decisões. Veja-se a simplicidade com que se decidiu avançar para a reunificação da Alemanha (nomeadamente na decisão totalmente política de considerar as duas moedas com paridade 1:1). E sim... acho muito assustador este fenómeno generalizado dos políticos de carreira. São especialistas naqueles jogos mas não fazem ideia das dificuldades por que passam os trabalhadores, as empresas e os serviços públicos. Se tivessem experiência num deles, já não era mau. Mas se achas que está mau... ainda pode piorar: imagina que se calhar daqui a 10 ou 20 anos os nossos governos não têm um único ministro de fora do meio político...

      Voltando ao tema dos EUE, acima de tudo acho que os Europeus devem iniciar a conversa. Assim talvez tenhamos isto ainda no nosso tempo de vida (ou não se for essa a decisão). Sempre era melhor do que dividirmos tudo outra vez, levantar novamente barreiras alfandegárias e passado umas décadas estarmos todos à pancada por um qualquer motivo altamente convincente...

      Abraços

      PS: tenho acompanhado o teu Blog. Muito bom (não obstante nós discordarmos em quase tudo :)). Aconselho os meus leitores a verem-no. Aqui fica o link:

      http://sacodenavalhas.blogspot.com/

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