Para acabar com todas as guerras
Regessando à literatura da primeira guerra mundial, decidi ler "To End All Wars, A story of Loyalty and Rebellion, 1914-1918" de Adam Hoschschild. O livro é interessante, mostrando a Grande Guerra na perspectiva de um conjunto limitado de personagens, principalmente dos pacifistas, socialistas e líderes anti-guerra ingleses. Não é, por isso, muito detalhado no que toca às grandes batalhas e movimentos táticos, aos diferentes teatros de guerra e aos países mais pequenos que também entraram na guerra (Portugal não aparece uma única vez referenciado no livro).
O que mais apreciei neste livre foi o ponto de vista das suffragettes, as mulheres que lutaram pelo voto da mulher e que no final da guerra acabariam por conseguí-lo, pelos visionários que sonhavam com um mundo pós-capitalista e pós-imperialista melhor e que viram no movimento bolchevique russo uma esperança enorme. A revolução que acabou a odiável império dos Romanov levou muitos destes a mudarem-se para a Rússia nos anos que se seguiram, mas não foram poucos os que rapidamente perceberam a realidade do que significava esta ditadura do proletariado. Muitos outros, que acreditaram até ao fim, provavelmente só perceberam quando - décadas depois - as purgas stalinistas perseguiram, levaram para os Gulags e assassinaram muitos destas "influências estrangeiras" por espionagem em mais uma das suas loucas teorias da conspiração, resultado do seu (não menos insano) complexo de perseguição.
|
Emmeline Pankhurst 1913 |
Na luta pelos direitos das mulheres, talvez as histórias mais interessantes sejam as da disfuncional família Pankhurst: Mãe e quatro filhas que lutaram pelos seus direitos enquanto mulheres simultaneamente lutando também entre si e por todo o tipo de objectivos políticos completamente diferentes. Emmeline Pankhurst[1], a matriarca da família, apoiou a guerra e o mesmo Primeiro-Ministro a quem poucos anos insultava publicamente. O seu radicalismo e o apoio ao esforço de guerra ajudou a que as mulheres se tornassem uma parte crucial do esforço de guerra, em especial na sua componente industrial, o que levou ao alargamento do direito de voto às mulheres (e também a muitos homens que não tinham direito devido a não cumprirem os requisitos de propriedade). Também as suas filhas seguiram caminhos historicamente interessantes: Christabel[2] a mais velha das suas filhas, esteve exilada em França antes da guerra, apoio a entrada do Reino Unido na guerra e acaba a sua vida nos Estados Unidos encontrando a paz nas profecias da religião, acreditando na segunda vinda de Cristo. Sylvia[3], outra das suas filhas, ficou horrorizado com o apoio que a irmã mais velha e a mãe deram à guerra. Toda a vida lutou pelos direitos das mulheres e, nas décadas a seguir à guerra pela causa anti-fascista. Adela[4], que iniciou a sua carreira política ao lados das irmãs e da mãe, pelo sufrágio universal, virou para o comunismo, emigrou para a Austrália e virou depois para a extrema direita, defendendo a aproximação da Austrália ao Japão imperial na segunda guerra mundial.
|
Keir Hardie 1902 |
Também as histórias de Keir Hardie[5], fundador do que é hoje o partido Trabalhista inglês, amante da jovem Sylvia Pankhurst e profundo activista contra a guerra, nos mostra um lado emocional e desesperado dos que compreenderam que a primeira guerra mundial era um desastre de proporções inimagináveis. Morreu antes do final da guerra profundamente desgostoso do rumo que o seu país levava.
Esta obra de Adam Hoschschild é por isso muito apelativa, mostra-nos a guerra no prisma dos poucos que lutaram contra ela. Do ponto de vista das outras guerras que se lutaram em paralelo, pelos direitos das mulheres, pelos direitos dos trabalhadores, pelos direitos dos povos das colónias inglesas. Como ponto fraco, aponto apenas a dependência que continuamos a ter dos autores ingleses no âmbito da história. Temo que com tantos livros escritos pelos muitos e brilhantes historiadores ingleses, e tão poucos pelos historiadores de outros países, que a própria história acaba por ser reescrita. Que criemos uma ligação demasiado próxima às personagens que são naturalmente alvo dos britânicos e extremamente distante dos que lutaram do outro lado da barricada, ou noutros campos de batalhas mais discretos.
Sem comentários:
Enviar um comentário