segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Palestina e os refugiados

1948 Coluna de refugiados palestinianos
Uma das questões centrais do problema Israelo-Árabe e de uma futura solução de paz (seja ela de um ou dois estados) é do direito de regresso dos refugiados. E embora exista uma resolução da ONU (Resolução 194 de 1948[1]) que indica claramente que o direito de regresso existe, este continua a ser um dos temas que tem bloqueado muitas das conversações de paz. O grande problema é que depois de tantas guerras, de uma limpeza étnica em larga escala (em 1948[2]) e da não integração dos descendentes de refugiados nos países de acolhimento, existem hoje, segundo as Nações Unidas, mais de 5 milhões de refugiados palestinianos[3].
Ministro israelita dos Negócios Estrangeiros,
 Moshe Sharett, assina o acordo de reparações
 entre Israel e a Alemanha (RFA) em 1952

Dada a quantidade de refugiados, existe um problema claramente financeiro, ou seja, se de um momento para outro regressassem todas estes milhões de palestinianos (ou mesmo uma fracção delas) com direito a reaverem as suas terras, casas, depósitos bancários, bens ou compensações por valor semelhante, isso arruinaria imediatamente o estado de Israel e provavelmente também o da Palestina. Ou seja, é perfeitamente impraticável que tal aconteça, não obstante ser da mais elementar justiça que isso acontecesse. Aliás, o próprio estado de Israel, enquanto auto-entitulado representante de todos os judeus do mundo presentes e passados, recebeu enormes compensações da Alemanha[4] pelos crimes cometidos por esta durante a segunda guerra mundial. Nesse sentido, Israel deveria também arcar com as consequências dos seus actos de 1948 em diante.

No entanto, muitos destes refugiados não nasceram na Palestina ou em Israel. Muitos são filhos ou mesmo netos dos refugiados de 1948 ou 1967[5]. Isto causa alguma estranheza já que em muitos outros lugares do planeta existiram migrações massivas forçadas durante os anos 40 e no entanto não temos hoje um problema grave de refugiados na Ucrânia, na Alemanha ou na Polónia (só para dar alguns exemplos). Na mesma altura, durante a criação do estado de Israel, cerca de 700 mil judeus que viviam em países árabes, desde Marrocos até ao Irão são forçados também a fugir de suas casas. Uma enorme comunidade perfeitamente integrada nas sociedades desses países desde tempos ancestrais, foram subitamente considerados personas non gratas e fugiram para Israel. Marrocos, onde viviam um quarto de milhão de judeus está hoje reduzida a uns insignificantes dois mil. O Iraque, com mais de 100 mil judeus em 1948 tem hoje virtualmente zero e os únicos países que mantêm acima de dez mil judeus é a Turquia e o Irão, mas mesmo assim muito menos do que no final da segunda guerra mundial[6].

A grande diferença entre todos estes refugiados e os refugiados palestinianos está no comportamento dos países de acolhimento. E, devemos sublinhar, países anfitriãos que partilham cultura, língua, religião e história com a esmagadora maioria de pessoas desta vaga de refugiados.

Do outro lado do Jordão, a Jordânia é hoje o mais amigável dos vizinhos quer para israelitas quer para palestinianos. No entanto, nem tudo começou bem e desde a derrota de 1967, na guerra dos 6 dias, os refugiados palestinianos foram mantidos também como cidadãos de segunda. Acabou com o terrível "Setembro Negro"[7], uma guerra civil entre palestinianos e jordanos em grande parte provocada por Yasser Arafat num dos seus inúmeros erros  (e crimes) que resultaram em milhares de vítimas mortais. Muito poderia ter sido salvo se Arafat tivesse aceitado a proposta do Rei Hussein da Jordânia para servir como seu Primeiro-Ministro em 1974[8], o que teria levado à inclusão dos palestinianos como jordanos de pleno direito nessa altura. Infelizmente tal não aconteceu e acabou por fugir com as suas tropas para uma das outras concentrações de refugiados da Palestina: o Líbano.
1982 Yasser Arafat em Beirute

A norte, um Líbano que era supostamente o estado cristão maronita do Médio Oriente, via a sua frágil maioria política a desvanecer-se rapidamente para maior taxa de natalidade dos sunitas, shiitas e druzes[9][10]. O pecado original de, com o apoio da potência colonial gaulesa, terem criado um país com demasiado território e onde a os cristãos detinham mais poder político mas uma maioria demográfica muito ligeira. Desta forma, os palestinianos foram mal vistos e mantidos em guetos sem acesso aos serviços do estado (como educação ou justiça) e, durante décadas, sem terem sequer o direito de transformar as suas barracas em casas. Foram proibidas a utilização de variados materias de construção e o exército libanês mantinha este população de centenas de milhares permanentemente policiada[11][12]. Não é de estranhar que 1975 o país entrasse em guerra, precisamente entre cristãos e palestinianos (teve várias outras fases onde as várias facções regionais foram intervindo, como os sunitas, shiitas, israelitas, sírios e iranianos, para além dos Estados Unidos da América, Itália e França). Até hoje, os palestinianos nascidos no Líbano continuam a não ter passaporte libanês nem têm qualquer representação política[13].


2014 Palestinianos do campo de refugiados de Yarmouk,
perto de Damasco na Síria. (Imagem da UNRWA,
agência responsável pelos refugiados palestinianos)
Na Síria a situação era semelhante, embora os palestinianos nunca tenham conseguido criar a situação de "estado dentro de um estado", como aconteceu na Jordânia e Líbano. Hoje, muitos palestinianos nascidos na Síria estão novamente em fuga devido à selvagem guerra civil de destrói o país a cada dia que passa.
1948 Campo de Refugiados palestinianos em Gaza

Para sudoeste, numa pequena faixa de território denominada Gaza e praticamente desconhecida do mundo, viviam apenas 80 mil habitantes[14]. Em 1948 chegaram até quase 300 mil habitantes[15]. Com as vagas seguintes de refugiados e o seu crescimento demográfico natural, passa de uma pequena cidade agrícola e piscatória para um dos lugares mais populosos à face da terra. Nas tréguas que se seguiram à guerra da independência de Israel, este território ficou nas mãos do Egipto[16], mas este nunca abriu o território ao Sinai nem permitiu que fossem considerados egípcios. Para todos os efeitos, tal como os restantes vizinhos árabes, o Egipto não queria o preço de absorver a população e queria manter o estatuto de refugiado vivo assim como um problema político grave para Israel. Com a paz conseguida em 1978/1979[17] entre Menachem Begin e Anwar Sadat (respectivamente líderes de Israel e Egipto), a faixa de Gaza e a Cisjordânia deveriam ter recebido a sua autonomia[18] num período de 5 anos, mas Israel nunca permitiu que essa parte do acordo fosse honrada. Como tal Gaza, ficou progressivamente mais isolada, e cada vez mais ocupada por colonos israelitas. Mais recentemente, com a decisão de Ariel Sharon de retirar todos os colonos israelitas de Gaza em 2005[19], o pequeno território de um milhão e oitocentas mil pessoas deixa de ser um sítio isolado para o que teremos de chamar de prisão a céu aberto, com todas as suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas controladas por Israel, com excepção da fronteira do Sinai, em Rafat. Entre Israel e Egipto, o povo de Gaza está hoje fechado num cerco absoluto.

Ou seja, cinco milhões e meio de palestinianos espalhados pelo mundo, tratados como cidadãos de segunda em todo o lado. Muitos conseguiram ser refugiados mais do que uma vez na vida. Histórias que ouço regularmente quando encontro palestinianos que cresceram nos campos de refugiados da Jordânia ou do Líbano, depois conseguiram ir trabalhar para o Kuweit para, depois da Tempestade do Deserto[20] serem expulsos novamente. Uma história que prometo contar com mais detalhe um destes dias. Mais um tiro no pé de Yasser Arafat, depois de apoiar Saddam Hussein na sua invasão do Kuweit[21].

Que fazer? Sinceramente eu só vejo uma solução. Num acordo de paz total entre Israel, Palestina e a Liga Árabe, (1) os refugiados devem ter direito a compensações mas não ao direito de regresso. O mesmo em relação aos refugiados judeus dos países árabes; (2) todos os palestinianos nascidos nos restantes países árabes devem ganhar cidadania automática (percebo que os negociadores da Autoridade Palestiniana não queiram admitir isto porque dependem também das ofertas monetárias de antigos refugiados e muitos países árabes apoiam a causa mas querem livrar-se dos palestinianos, mas não vejo outra forma). Os Estados Unidos da América e a União Europeia, se quiserem ajudar, podem contribuir muito quer na parte diplomática quer financeira. No final, quer Israel quer Palestina, têm que ter as suas fronteiras seguras, viver em liberdade e ter acesso aberto ao mundo. A Palestina independente poderá depois permitir ou promover o regresso dos antigos refugiados à nova Palestina.

A questão dos refugiados não é a única em aberto, mas é uma das mais complexas e provavelmente uma que não tem soluções ideais. Outros assuntos, como o estatuto de Jerusalém e os colonatos na Cisjordânia terão também que ser decididos, e certamente teremos também tempo para falar sobre esse assunto em breve.



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