segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Quem apoia o Hamas?

Se formos a acreditar nos que consistentemente apoiam toda e qualquer acção violenta do governo de Israel, toda a gente que mostre a mais pequena dúvida em relação à violência de Israel parece ser um apoiante fanático do Hamas. Afinal de contas, só mesmo um militante fundamentalista islâmico é que alguma vez se poderia emocionar com o sofrimento das crianças de Gaza. Alguém mais "humanista", como um comentador de um dos meus recentes artigos diz que "não choro nem um pouco a morte de um terrorista, mesmo que ele tenha 5 anos de idade". 

O nível de desumanidade que tenho encontrado nas caixas de comentários deste blogue tem-me ajudado a abrir os olhos em relação a um fenómeno estranhíssimo: o nível de violência que a generalidade das pessoas apoiam. Quer os que defendem Israel quer os que defendem a Palestina. É comum ver gente a desejar a morte de todos os Judeus, tanto como ver outros a clamarem pela homicídio de todos os Muçulmanos. Nunca quis acreditar que de um lado e doutro as principais motivações sejam algum tipo de instintos primários de anti-semitismo e islamofobia, mas talvez tenha que rever isso um destes dias.

Já aqui escrevi várias vezes sobre o Hamas, mas como alguns leitores insistem em acusar-me de apoiar o Hamas, aqui vai o que eu penso deles: O Hamas é uma organização terrorista. A sua legitimidade democrática (uma vez que ganharam as últimas eleições livres da Palestina) não altera o facto de utilizar tácticas terroristas, ou seja, é um grupo terrorista que não soube dar o salto para ser um partido político de pleno direito, como aconteceu a muitos outros movimentos terroristas espalhados pelo mundo. A execução sumária de várias pessoas acusadas de espiarem para Israel nos últimos meses, sem qualquer julgamento ou oportunidade de provar a sua inocência mostra o total desrespeito pelos mais básicos conceitos de justiça. Também não tenho dúvidas de que a ascensão do Hamas é o resultado directo da incompetência e corrupção da Fatah, o partido de Yasser Arafat, assim como da política de violência indiscriminada de Israel que resultou na primeira intifada.


Shimon Peres e Mahmoud Abbas
O Hamas cresce por cada nova guerra com Israel. Para o mundo árabe, a sua legitimidade enquanto único poder em todo o mundo islâmico que ainda luta contra Israel torna-o especial aos olhos da população árabe e muçulmana. Noutras ocasiões, foi o Hizbullah que conseguiu esse tipo de unanimidade, mas logo a seguir a 2006, quando teve o seu pico de popularidade, a sua energia vem-se perdendo e vê-se agora envolvido na guerra civil Síria do lado do exército de Bashar Al Assad, ou seja, a lutar contra os muçulmanos Sunitas quer moderados quer fundamentalistas. 

Pelo contrário, a Fatah e o seu líder Mahmoud Abbas, vão perdendo apoio enquanto mantém a difícil tarefa de controlar a sua população nestas alturas difíceis em que os palestinianos vêm o seu povo a ser bombardeado em Gaza. São obviamente vistos como colaboracionistas e como fracos, e quando a sua política de apaziguamento é traída pelo anúncio de novos colonatos israelitas na Cisjordânia, onde meio milhão de judeus já se encontram em colonatos ilegais, a sua legitimidade cai por terra.

Se o Hamas beneficia politicamente de cada nova guerra, que é que dá ao Hamas essa oportunidade a cada par de anos senão Israel? Talvez pudesse ser apenas por estupidez e incompetência. Afinal de contas, logo nos primeiros dias de guerra já dava para saber que o Hamas sairia politicamente vitorioso e que o governo de Israel sairia derrotado

Agora lemos os jornais israelitas a atirarem em cima de Benjamin Netanyahu[1], que já teve que despedir um dos seus ministros[2], enquanto do outro lado do muro as sondagens dão agora vitória ao Hamas numa eventual eleição palestiniana[3] algo que não surpreenderá quem viu a festa espontânea feita em Gaza assim que o cessar-fogo foi anunciado.

Se eu, que não tenho qualquer experiência política consegui facilmente e sem quaisquer dúvidas prever este desfecho como é que Netanyahu e o seu governo não o conseguiram? Provavelmente não será estupidez ou incompetência, apenas algum aventureirismo e uma continuação da famosa política de "corte de relva", ou seja, Israel não pretende resolver problema nenhum, apenas manter o status quo, impedir a criação do estado palestiniano, manter o Hamas politicamente forte e militarmente fraco e a Fatah comprometida e desacreditada enquanto lhe vai roubando território, um colonato de cada vez.

Quem apoia o Hamas? Eu não sou de certeza. Israel, a avaliar pelos seus actos, talvez...  

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Contra o boicote a Israel

Victoria's Secrets é uma das empresas alvo da campanha
de BDS (Boycott, divestment and sactions)
Sou extremamente crítico da governação de Israel e a forma como lida com a questão palestiniana. O cerco a Gaza, a ocupação da Cisjordânia e o estado de apartheid que o os israelitas não judeus vivem em Israel são crimes contra a humanidade que deviam envergonhar todos os israelitas. Isso não faz dos seus inimigos uns santos nem dos seus vizinhos meras vítimas, mas cada um é culpado dos seus próprios pecados, e a conta de Israel não é pequena.

Dada a minha opinião sobre Israel e uma vez que vou publicando diferentes aspectos e detalhes desta nest blogue, recebo regularmente petições e emails para dar o meu apoio a um boicote económico a Israel. Isto significa penalizar as marcas que têm fábricas em Israel ou que têm lá as suas origens. Nos habituais alvos a abater estão a Victoria's Secrets, a Hewlett Packard[1], Motorola[2].


Tirando o fim das ajudas militares, sou absolutamente contra o isolamento comercial de Israel. Tenho a certeza que isso só tornaria o problema muito pior. Sou aliás, regra geral, contra esse tipo de sanções económicas.

Olhemos para outros países que sofreram embargos nas últimas décadas e veremos que todos sofreram imensamente, mas nenhum se tornou militarmente mais fraco, menos violento com a sua população ou mais cumpridor dos direitos humanos. Regra geral, uniram-se à volta dos seus líderes e aumentaram os seus níveis de ódio pelos estrangeiros que tantos danos causaram ao país. Os civis desses países sofrem, mas as suas elites e regimes não. Um tipo de pena colectiva que causa danos em todos menos naqueles que seriam eventualmente os alvos legítimos.
Cuba... hoje!

Em Cuba, meio século de embargo americano não ajudou o regime a cair. O país é pobre, mas aprendeu a não depender do exterior, em especial depois da queda da União Soviética. Julgou-se que nessa altura não haveria futuro para Cuba, mas 25 anos depois o regime não caiu.

Na Coreia do Norte - o mais opressivo de todos os regimes à face da terra - um isolamento quase total a qualquer influência exterior tornou o país paupérrimo mas com um exército monstruoso e aparentemente bem treinado e fanático. A sua tecnologia nuclear e de mísseis é real e um perigo para a humanidade. Em tudo o resto, é pior do que a maioria dos países do terceiro mundo. Mais uma vez, um povo em sofrimento com uma elite e um poder militar capazes de causar terror na região.


Teerão (Irão)
No Irão, 35 anos de sanções e isolamento tornaram uma economia totalmente dependente do petróleo numa economia altamente diversificada. Mesmo quando invadidos pelo Iraque de Saddam Hussein numa das mais violentas guerras que o Médio Oriente já vira e onde o Iraque era apoiado pelas Monarquias do Golfo e pelo Ocidente, o regime não tremeu.

No Iraque, entre 1990 e 2003, o embargo comercial (que incluia produtos médicos e farmaceuticos) foi de tal forma violento que a UNICEF estima que meio milhão de crianças com menos de 5 anos terão morrido à conta deste. O regime, mesmo depois de perder duas guerras e de um quase total isolamento não caiu até à invasão americana de 2003.

Em todos os casos, a população sofreu, mas por si só as sanções económicas e o isolamento não alteraram o rumo político. Pelo menos para melhor. Se hoje em dia quer Israel quer a Palestina estão verdadeiramente preocupados com o que pensa a opinião pública mundial é precisamente porque ambos estão bastante dependentes dela. O isolamento só beneficiará os fanáticos de ambos os lados.

Estou aliás convencido que este problema israelo-palestiniano só se resolve quando tivermos uma combinação de dois factores: (1) absoluta dependência económica de ambos aos EUA e (2) um Presidente americano que os force a chegarem a um compromisso debaixo da ameaça directa de retenção dos fundos. Nessa altura, cada vez que um F-16 israelita atacar Gaza, os fundos ficam retidos mais um mês ou dois. Cada vez que o Hamas lançar um rocket, o dinheiro essencial para pagar os seus funcionários públicos não chega a tempo. Claro que não será fácil para um Presidente conseguir isso e manter a coragem para a fazer cumprir, mas não vejo outra solução.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A importância do conflito Israelo-Palestiniano

Porque é a questão Israelo-Palestiniana tão importante? O que faz com que pessoas de todo o mundo discutam com tanto pormenor, tantos detalhes históricos, tantas emoções, amor e ódio um assunto que - em muitos sentidos - não é diferente de tantos outros que assolam o mundo? Porque motivo não discutimos todos o problema da Coreia do Norte, a Chechénia ou a Transnístria? Qual a razão para um genocídio no Rwanda, onde centenas de milhares de pessoas morreram de forma selvagem, ter acontecido sem que o mundo mostrasse qualquer preocupação?

Estas não são perguntas retóricas e desafio aqui os meus leitores a darem as suas próprias respostas. 

Não queria focar-me demasiado nos méritos de cada um dos campos, mas na questão da importância que é dada ao conflito. Foi-me dito por um diplomata em Jerusalém que, a qualquer momento existem 600 correspondentes estrangeiros em Israel. Ou seja, sem contar com os que chegam durante os períodos de guerra, em tempo de paz, esta pequena cidade terá provavelmente mais atenção mediática do que metade dos países de África juntos. A questão da importância é utilizada também por uma parte da imprensa pró-Israel para mostrar que por detrás de qualquer crítica a Israel poderá estar um primário anti-semitismo, e não uma questão de direitos humanos, como defende a esquerda.
Manifestação Pró-Palestiniana em Sidney, Australia

Ronald S. Lauder, presidente do World Jewish Congress escreve um artigo para o New York Times (republicado n'O Observador[1]) que, a determinada altura, pega nessa questão dizendo que "Na Europa e nos Estados Unidos, assistimos a manifestações contra as mortes trágicas de palestinianos, utilizados como escudos humanos pelo Hamas, a organização terrorista que controla Gaza. As Nações Unidas conduziram inquéritos e focam a sua raiva em Israel por se defender contra essa mesma organização terrorista. No entanto, o massacre bárbaro de milhares e milhares de cristãos é visto com relativa indiferença." João Marques de Almeida, também n'O Observador[2] questiona "Muitos interrogam-se, com alguma surpresa, por que razão há tantas manifestações contra Israel cada vez que o seu governo usa a força militar para se defender de ataques dos seus vizinhos. E a surpresa aumenta quando se fazem comparações. Alguém viu manifestantes na Embaixada da Síria quando o seu governo matou (e mata) milhares de cidadãos sírios? Não."

O argumento é interessante. Basicamente, quem critica o governo de Israel pelo seu comportamente é anti-semita, caso contrário não estaria a olhar para Israel, mas sim para o Irão, Síria ou Arábia Saudita. Interessante, mas sem mérito. É semelhante a ter um violador que está escandalizado com a sua prisão porque existem pedófilos no mundo. Quanto defendido pelos apoiantes de Israel, este não é um argumento legítimo que se use um crime de terceiros para limpar os seus próprios crimes. Mas eu não apoiei nenhuma das agressões de Israel, e preocupo-me com um possível crescimento do anti-semitismo (e da islamofobia), por isso o assunto interessa-me.

Por outro lado, esta ideia é tão generalizada que convém compreender mesmo qual o verdadeiro motivo (ou combinação de motivos) porque tanta gente se interessa por esta assunto. 

Religião
Jerusalém

Este deveria ser relativamente óbvio para quem já se passeou por Jerusalém ou conheça minimamente a história da região. Num espaço de um ou dois quilómetros quadrados temos alguns dos lugares sagrados dos Judaísmo, Cristianismo e Islão. Em alguns casos, os lugares santos praticamente atropelam-se, como no Muro das Lamentações e a Mesquita de Al Aqsa, sendo que a Igreja do Santo Sepúlcro fica a apenas uns minutos a pé. Para todos os crentes das três religiões monoteístas, existe um interesse natural em tudo o que rodeie esta cidade santa, assim como outras terras bíblicas que a rodeiam, como Bethlehem (Belém), Hebron ou o Rio Jordão. Não poderá no entanto esta ser a única explicação. Afinal de contas, uma grande parte da esquerda e direita seculares levam este conflito muito a sério sem qualquer interesse no seu lado religioso. 

Holocausto
Entrada para o campo de extermínio de Auschwitz, na Polónia

A vergonha do genocídio cometido nos anos 30 e 40 na Europa sobre os Judeus é, na minha opinião, outro das questões que torna este assunto tão próximo dos Europeus e Americanos. Na Europa, subsiste um sentimento de culpa muito real e vivo devido ao Holocausto, que fica patente quando vemos a proximidade da Alemanha a Israel[3], amizade que só é superada pelos Estados Unidos da América. Mas, obviamente, a Alemanha está longe de ter sido a única culpada da Shoah. França, Itália, Áustria, Holanda, Bélgica, Polónia, Ucrânia, Croácia e muitos outros foram ajudantes preciosos ou até voluntários nas perseguições e homicídios em massa. Para muitos governos, o risco de serem acusados de anti-semitismo é demasiado sério para poderem fazer a mais pequena crítica e a sobrevivência e progresso de Israel acabam por se tornar uma responsabilidade nacional.

Por outro lado, Israel utiliza a memória destes crimes como grande factor de união de todos os Judeus. Arrisco-me a dizer que nas últimas décadas, o Holocausto é a verdadeira raison d'être deste povo, da mesma forma que a Nakba se tornou o verdadeiro ponto fulcral da identidade Palestiniana. 

Propaganda


Há muito que Israel aprendeu as técnicas modernas de propaganda. Utiliza a sua influência junto do Congresso norte-americano através dos seus poderosos lóbis, como a AIPAC ou o World Jewish Congress[4]. A sua máquina dentro e fora do país está afinada para uma audiência global e utilizam todos os trunfos que têm com a qualidade de uma grande agência de marketing. Nesta última guerra, algumas das catch phrases utilizadas eram de grande nível e conseguiam passar imagens muitos simples e fortes tais como "nós usamos sistemas anti-mísseis para proteger os nossos civis, eles usam os seus civis para proteger os seus mísseis. É essa a diferença". Num ou noutro caso, o excesso de simplismo foi tal que destruíu a mensagem, como aconteceu quando quiseram convencer em Assembleia Geral das Nações Unidas que o Irão estava a um par de meses de conseguir a bomba atómica usando um desenho que parecia tirado dos cartoon do coiote. Mas em geral, Israel sabe bem passar a mensagem, fá-lo de forma massiva, cuidada e repetitiva, como deve ser uma propaganda eficaz.

Mas se só um lado soubesse passar a mensagem, não estaríamos todos permanentemente a discutir as origens, soluções e personagens do conflito. Durante muito tempo, os palestinianos não tiveram voz fora do mundo árabe. A ocupação acontecia sem demasiados envolvimentos do resto do mundo, não obstante a azia sentida por muitas capitais do Médio Oriente. Existiram 3 factores que modificaram tudo isto: Arafat, a crise de 73 e a primeira intifada. Separados no tempo, mas visivelmente cumulativos colocaram a questão Palestiniana nas primeiras páginas de todo o mundo. 

Yasser Arafat[5], histórico líder palestiniano, foi o primeiro homem a conseguir unir os árabes entre o rio Jordão e o mar. Com uma mistura de mitos, actos de coragem, muito desespero e um toque de ingenuidade, Arafat manteve a sua luta viva. Percorreu capitais, correu atrás da Internacional Socialistas, tentou derrubar governos e aliou-se a tudo e todos que lhe dessem uma palavra de apoio. Segundo Robert Fisk[6], talvez o mais destacado reporter de guerra do Médio Oriente, Arafat tinha ainda uma característica interessante: sempre que chegava algum diplomata internacional ou líder político, ele dava muito mais atenção aos media presentes do que à figura propriamente dita. Com todos os seus defeitos, ele soube desde cedo que as hipóteses do seu povo não estavam numa guerra mas na opinião pública. Em paralelo, não hesitou em utilizar directa ou indirectamente (através da PFLP[7], DFLP[8] entre outras) actos de terrorismo. As técnicas mudaram com os tempos, mas estiveram quase sempre presentes, passando por ataques bombistas, pirataria aérea, bombistas suicidas, etc. O terrorismo foi, enquanto instrumento de propaganda, utilizado extensivamente por Arafat e a sua Organização para a Libertação da Palestina (PLO). Depois do 11 de Setembro de 2001, todo o modelo teve que ser revisto de forma a não ficaram associados a Bin Laden e a sua Al Qaeda.

A crise de 1973 é interessante porque é a primeira vez que o mundo árabe se consegue unir pela causa palestiniana. Este artigo ameaça tornar-se longo, por isso prometo escrever um destes dias só sobre a ligação entre a derrota Árabe de 1967, a derrota (política senão militar) de Israel em 1973 e a primeira das grandes crises petrolíferas. De qualquer forma, é inegável que quando a OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) quadríplicou os preços do petróleo devido à ajuda militar de 2,2 mil milhões de dólares que os Estados Unidos se preparavam para dar (e deram), o problema da Palestina passou a ser um problema do mundo. Embora com o passar das décadas este factor (o de uma unidade árabe temporária) se tenha diluido, foi determinante nos anos 70 para - em conjunto com os ataques terroristas - colocar a história da Palestina nas bocas do mundo.

O terceiro momento - e que será provavelmente o mais decisivo em termos de propaganda - foi a primeira intifada. Este levantamento popular espontâneo apanhou de surpresa as lideranças palestinianas e israelitas. Uma espécie de precursor da Primavera Árabe, uma população não politizada farta da ocupação, dos jogos de bastidores, das promessas de ajuda árabe e da indiferença das grandes potências do mundo lançou-se à rua e desafiou os tanques munidos apenas de pedras. As imagens que o mundo viu mudaram a imagem que este tinha da Palestina, e de Israel. Imagem após imagem, Israel deixou de ser o David para ser o Golias. Um mundo horrorizou-se com o à vontade com que o então Primeiro-Ministro de Israel - Yitzhak Rabin - anuncia que o problema será resolvido com espancamentos generalizados. Desde então, o comportamento de Israel vem sendo escrutinado cada vez mais de perto o que o leva a um progressivo isolamento. É um situação recorrente que já aconteceu noutros lugares do mundo. Timor-Leste, antiga colónia portuguesa e com enormes ligações emocionais e históricas a Portugal, sofreu uma ocupação brutal da Indonésia durante décadas até ao dia em que o mundo viu as imagens do Massacre de Santa Cruz[9]. Demorou mais uma década até a ocupação indonésia acabar, mas desde que as imagens foram mostradas ao mundo que o seu destino estava traçado. Um a um, os líderes mundiais afastaram-se do governo de Suharto e deixaram de considerar a resistência timorense como terrorista. Mas Israel não é a Indonésia e a sua ocupação é muito diferente. Israel não veio para ocupar militarmente mas para criar um país. Para colonizar como se fosse território virgem. Para além de que não tem para onde recuar. Mas, à semelhança da Indonésia, viu a força das imagens de civis mortos pelo seu poderoso exército a retirarem-lhes legitimidade política. Desde a primeira intifada que Israel vem perdendo a sua aura aos olhos do público mundial. Embora espontâneo e imprevisivel, a intifada foi - de longe - o maior golpe de propaganda a favor da causa palestiniana.  

Existe um outro factor (mais lateral, mas bastante curioso) ligado à propaganda que é o ciclo vicioso da informação. Tal como referi anteriormente, um diplomata português na Palestina disse-me em 2011 que, em qualquer período de paz estão em Jerusalém pelo menos 600 correspondentes internacionais. Todos esses jornalistas precisam de justificar o seu salário, o que significa que subitamente, um ataque de pequena dimensão espontâneo, como aconteceu em 2008 com duas vítimas mortais[10] ou a petição do direito de residência de uma família[11] conseguem provocar directos nas maiores televisões de notícias do mundo. Muitos outros lugares do mundo são vítimas de enormes atrocidades, muitas vezes maiores, mas que não está lá ninguém para contar a história.

Refugiados

A questão da Palestina, ou de Israel se preferirem está também intimamente ligada com a questão dos refugiados de 1948, ou seja, a guerra da independência de Israel e 1967. Não pretendo aqui entrar em grande detalhe sobre o que causou os refugiados e os seus impactos, uma vez que já o fiz noutras ocasiões (nomeadamente no post Palestina e os Refugiados e The Ethnic Cleansing of Palestine).

Campo de Refugiados Palestinianos 1948
No que diz respeito à questão da importância do conflito para o resto do mundo, a falta de integração das populações refugiadas da Palestina é um dos seus grandes motivos. Nascidos no Líbano, mas sem passaporte libanês mesmo depois de duas ou três gerações. Nascidos na Síria, mas sem serem sírios. Por todo o Médio Oriente encontro pessoas que se dizem palestinianos, nascidos noutro país e que não têm passaporte. Apenas um documento de refugiados das Nações Unidas. Estas populações, tratadas como cidadãos de segunda em muitos outros países árabes revoltaram-se vezes sem conta tendo causado duas guerras civis (Jordânia e Líbano) e envolvidos em problemas de várias outras. Isto faz com que o problema se mantenha vivo ao longo de gerações.

Para os países que rodeiam Israel e Palestina, este é sem dúvida um factores cruciais para a importância do conflito.

Lóbis
Congresso EUA

Quer Israel, quer a Palestiniana estão totalmente dependentes das ajudas externas. Embora com um potencial turístico fabuloso (não só a religioso, mas também um clima perfeito), inseridos numa região cuja riqueza do petróleo lhes poderia permitir ter enormes investimentos externos e uma multiculturalidade singular, a verdade é que nenhum dos países se aguenta sozinho. Israel recebe ajudas directas americanas anuais de milhares de milhões de dólares, para além de várias ajudas indirectas ao nível militar, científico, académico e económico. A sua economia está excessivamente militarizada, com um programa nuclear de custos incertos, serviço militar obrigatório de longa duração para homens e mulheres, armamento de todo o tipo a ser desenvolvido e produzido internamente (como os tanques Merkava) e constantes guerras que, não obstante o apoio quase total da população judaica, têm um preço elevado em termos de gastos do estado (Netanyahu propôs recentemente cortes de 425 milhões de euros para pagar os 50 dias da operação em Gaza[12]).

Desta forma, Israel utiliza os seus lóbis nos EUA e no resto do ocidente[13] para manter o país na agenda política. Enquanto existir no poder americano uma visão clara de que Israel está debaixo de um perigo de vida - e simultaneamente que os apoios financeiros às campanhas dos congressistas e senadores estão dependentes do dinheiro desses lóbis - as ajudas vão continuar a pingar.

A Palestina não tem um lóbi muito forte, mas uma coligação de forças unem-se em seu auxílio e tem ganho força a cada ano que passa (muito devido à percepção de que o moral high ground de Israel se desvanece por cada civil que morre em Gaza nas suas regulares guerras). Sendo a generalidade dos governos e políticas de Israel associadas à direita, a esquerda mundial - em especial a europeia e sul-americana - juntam-se à causa. Isto inclúi vários países com economias enormes, como o Brasil, a França ou a Itália. Com mil milhões de muçulmanos no mundo, incluindo os maiores produtores de petróleo, a generalidade dos seguidores do Islão - sejam eles seculares, moderados, conservadores ou fundamentalistas - encontram-se sempre na linha da frente dos protestos, embora não tenha existido nunca um movimento de militância estrangeira em larga escala (como aconteceu com os mujahedin no Afeganistão ou com Islamic State na Síria e Iraque).

Anti-Semitismo e Islamofobia


Para muitos, este seria o único e verdadeiro motivo que tudo explicaria. Para quem apoia Israel, todos os seus adversários serão anti-semitas. Para quem apoia a Palestina, todos os seus adversários são islamófobos. 

Pelo que vejo nas caixas de comentários deste blogue e na sua página irmã do facebook, até poderia ser verdade. Talvez tudo se resumisse a estes tipos de discriminações racistas. Mas, sinceramente, duvido. Parece-me que mesmo muitos dos que fazem esses tipos de comentários, estão-se a deixar levar por generalizações perigosas e erradas, mas que estas são resultados dos factos de que falei antes e não a sua consequência. Claro que depois de transformadas em dogmas, estas ideias costumam ser tão fortes que ignoram factos e qualquer evento pode ser deturpado até significar precisamente o contrário do que de facto aconteceu. Mas quero acreditar que as esmagadora maioria das pessoas escolhe o seu lado convencida dos méritos do que lhe está a ser vendido.

E agora... a palavra aos meus leitores. Qual é a importância do conflito Israelo-Palestiniano?