quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Atacar para...?

O mesmo mundo que ignorou as centenas de milhares de mortos na Síria, na Ucrânia ou no Iraque prepara-se agora para corajosamente bombardear até à Idade da Pedra, essa enorme ameaça global que é o Estado Islâmico. Isto claro, sem colocar "botas no chão" não vá acontecer alguma desgraça. Para isto, uma coligação semi-formal de mais 50 países juntou-se a um grupo de outros ex/futuros inimigos que também lutam contra o EI, tais como a Síria de Bashar Al Assad (que ainda anteontem ia ser bombardeada pelos EUA e a França) ou o Irão dos Mullahs (que na semana passada era a maior ameaça à segurança mundial).

Não tenho dúvidas quanto ao nível medieval, fundamentalista e violento desse grupo terrorista e já aqui tive oportunidade de escrever bastante sobre o assunto, mas pergunto-me se esta intervenção trará algo de bom. Até compreendo a noção de que algo tem que ser feito, mas não vejo de que maneira o bombardeamento (que certamente arruinará a economia desse proto-estado e as suas capacidades militares convencionais) poderá levar a algo que não seja o entricheiramento dentro das enormes cidades que ocupam. Alguém acredita ser possível bombardeá-los para fora de uma cidade como Mosul, com quase dois milhões de habitantes sem colocar tropas no terreno ou causar enormes baixas civis "colaterais"?

Por outro lado, já vimos isto antes: as potências mundiais gastam milhares de milhões de dólares a destruir um país e depois não mostram grande capacidade de o reconstruir ou ajudar no processo de democratização de que tanto falaram inicialmente.

O mais curioso é que não existe melhor exemplo histórico de um conquistador conseguir tornar o conquistado em aliado do que os EUA no final da segunda guerra mundial, quando a Alemanha, Japão e Itália (entre outros), graças a uma ocupação benigna, processos judiciais relativamente limpos (como o Tribunal de Nuremberga) e um investimento massivo por parte do vencedor (o Plano Marshall), colocaram as três potências do Eixo entre os seus melhores amigos no pós-guerra. Ainda mais relevante será o facto de, muito rapidamente, se terem tornado em três super-economias altamente desenvolvidas, tecnologicamente avançadas e pacifistas, algo que nem Iraque, nem Afeganistão, nem Líbia se podem orgulhar.

Infelizmente, tudo indica que esta operação não passará do habitual das últimas décadas. As bombas vão cair e quanto mais tentarem erradicar os fundamentalistas mais vítimas civis provocarão. O Estado Islâmico vai cair enquanto entidade e provavelmente o seu líder será morto. Mas no seu lugar milhares de outros se levantarão dos escombros de um país arruinado e que se auto-convencerãi da perfídia dos americanos e da necessidade de se aproximarem do que acreditam ser o caminho do Profeta, do comunismo mais radical ou qualquer outra forma violenta alternativa.

Talvez existisse uma hipótese de se evitar este inesgotável ciclo de violência se fosse colocado tanto esforço na reconstrução e verdadeira democratização do país como certamente vai ser colocado no seu arrazamento.

3 comentários:

  1. Gosto e o ler considero que tem argumentos inteligentíssimos. Neste caso e concordando (mais terrorismo e mais radicalização surgirão), penso que se trata de um problema muito difícil. Inegável a responsabilidade dos poderosos nestes cenários mas também vejo como inconcebíveis o sofrimento e o medo que aterrorizam aqueles que caem sob o EI/ISIL/ISIS. Descalçar esta bota não vai ser fácil....

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    1. Concordo, esta questão certamente não terá resposta fácil. Ainda hoje vimos dezenas de curdos a morrerem nas manifestações dentro da Turquia, pedindo a intervenção destes. Já existem até ameaças do PKK de acabar com o processo de paz do movimento curdo na turquia...

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    2. E muito obrigado pelos simpáticos comentários.:)

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