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O uso de roupas que cobrem o corpo todo é, em muitos casos, anterior ao Islão (como é o caso da burka afegã), no entanto acabaram por ficar associados a esta religião por apropriação cultural no momento da sua criação. Sem querer entrar em excessivos detalhes sobre a história e desenvolvimento da religião muçulmana e da cultura árabe, gostava só de apontar um pormenor relevante que distingue o Islão dos dois outros grandes monoteísmos (Judaísmo e Cristianismo): o facto de o seu líder religioso ter-se tornado em vida também como líder político e militar e ter participado na criação do seu império. Isto fez com que o Islão tivesse muito cedo, ainda durante a vida do profeta Mohammed, que definir muitas regras práticas de governação, de justiça, policiamento, estratégia militar e até leis de família.
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O que me leva novamente à questão do uniforme árabe. A lei islâmica não é totalmente clara em relação à roupa, mas defende que as mulheres devem vestir de forma modesta para que não atraiam uma indevida atenção dos homens. Ou seja, procura-se evitar a atração do sexo oposto e condena-se a vaidade de o tentar fazer.
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Princesa Haya da Jordânia com o seu marido Sheikh Mohamed Al Maktoum, Primeiro-Ministro dos EAU e Sheikh do Dubai |
No entanto, se as mulheres da península arábica tentam seguir a letra da lei, parece-me claro que a cada dia que passa estão mais longe do espírito da lei. Quando fui viver para o Dubai, há quase uma década atrás, as abayas eram quase todas iguais: pretas da cabeça aos pés, e muito raramente com um fio dourado ou diamantes bordados nas mangas ou no hijab (o lenço que cobre a cabeça). Com o tempo, foram-se tornando mais visíveis, com fios pendurados nos ombros, pequenos recortes em azul escuro, dourado ou castanho e com cortes mais à medida. Grandes nomes da moda, como Yves Saint Laurent investem cada vez mais neste mercado e algumas abayas têm agora a marca bem visível. Nos desfiles de moda, como aconteceu na recente inauguração do Yas Mall, em Abu Dhabi, onde os vestidos ocidentais e locais foram mostrados em conjunto na mesma colecção. Não é de descurar também a influência de algumas personalidades, como a Princesa Haya, segunda esposa do Sheikh Mohammed do Dubai, que - tal como o marido - utiliza por vezes roupas tradicionais ou modernas, quer do Médio Oriente como do Ocidente.
Com as mulheres dos Emirados a tomarem conta das universidades e, cada vez mais, a ganharem espaço na vida pública e profissional do país, podemos estar a assistir a uma mudança cultural muito relevante neste país, a da emancipação real das mulheres, onde a roupa é apenas uma pequena parte de tudo o que poderá estar para vir.
[1] Como declaração de interesses, devo informar os leitores que me considero agnóstico, tendo sido educado no cristianismo de Roma.