sexta-feira, 28 de março de 2014

Angelina Jolie - Justiça vs Paz

Angelina Jolie é famosa pela sua arte e pela sua beleza, mas também pelo trabalho que faz junto das Nações Unidas, em especial  com António Guterres[1], alto comissário para os refugiados das Nações Unidas (UNHCR)[2].

Este é um discurso de 17 de Outubro de 2008, em Nova York que vale a pena rever. Trata da importante questão do negócio entre justiça e paz. Quando a comunidade internacional aceita oferecer segurança e exílio a um tirano e a amnistia aos seus colaboradores para acabar com uma guerra civil. À primeira vista um bom negócio, evitamos a morte de milhares de civis e combatentes em troca de uma aministia geral. Mas sem justiça, permitimos aos violadores, torturadores e assassinos que se cruzem com as vítimas e seus familiares na rua. Será difícil imaginar quantos não tentaram fazer justiça pelas próprias mãos? Que mensagem deixamos aos que no futuro se prepararem para cometer actos semelhantes? E não estaremos simplesmente a adiar o problema e lançar as sementas da nova guerra que se avizinha?





sexta-feira, 21 de março de 2014

Um lugar que não existe: Transnistria

Vi este documentário há uns anos. Na altura, não passava de uma curiosidade sobre mais um desses países que não são países[1]. Territórios, como a Palestina, que têm governo, exército ou algum tipo de força militarizada e uma óbvia vontade de independência. A Transnistria[2] é o resultado da guerra civil na Moldávia, e onde os pró-Russos acabaram por ficar com uma pequena faixa de terra no oriente, junto à fronteira com a Ucrânia. Agora que Crimeia já é Russa, é de esperar que também este território se junte à Rússia, que já lá tem unidades militares a actuar como forças de paz[3].

Ao contrário da Palestina, Timor-Leste ou dos Tameel Tigers, a Transnistria não parece procurar a atenção internacional. O status quo tem, até agora, beneficiado a Transnistria cujas exportações de armamento ilegal têm um lugar especial na sua economia. Os uniformes mantêm os símbolos da URSS, as estátuas de Lenine mantém-se enquanto a sua polícia secreta não se deu ao trabalho de mudar o seu antigo nome: KGB[3].



segunda-feira, 10 de março de 2014

Porque não sou comunista

Um pequeno excerto da obra do filósofo britânico Bertrand Russel.[1] A minha contribuição resume-se aos sublinhados.

Marx's doctrine was bad enough, but the developments which it underwent under Lenin and Stalin made it much worse. Marx had taught that there would be a revolutionary transitional period following the victory of the proletariat in a civil war and that during this period the proletariat, in accordance with the usual practice after a civil war, would deprive its vanquished enemies of political power. This period was to be that of the dictatorship of the proletariat. It should not be forgotten that in Marx's prophetic vision the victory of the proletariat was to come after it had grown to be the vast majority of the population. The dictatorship of the proletariat therefore as conceived by Marx was not essentially anti-democratic. In the Russia of 1917, however, the proletariat was a small percentage of the population, the great majority being peasants. it was decreed that the Bolshevik party was the class-conscious part of the proletariat, and that a small committee of its leaders was the class-conscious part of the Bolshevik party. The dictatorship of the proletariat thus came to be the dictatorship of a small committee, and ultimately of one man - Stalin. As the sole class-conscious proletarian, Stalin condemned millions of peasants to death by starvation and millions of others to forced labour in concentration camps. He even went so far as to decree that the laws of heredity are henceforth to be different from what they used to be, and that the germ-plasm is to obey Soviet decrees but that that reactionary priest Mendel. I am completely at a loss to understand how it came about that some people who are both humane and intelligent could find something to admire in the vast slave camp produced by Stalin.

A Crimeia é dos Tártaros. Se os russos vierem, morro aqui a combatê-los

A seguinte reportagem do Jornal "O Público"[1] dá-nos uma das muitas perspectivas do problema que foi criado na Crimeia e que a cada dia que se passa parece mais perto de explodir. Stalin considerou todo o povo Tártaro culpado de traição à pátria assim que a "Grande Guerra Patriótica" (leia-se, a segunda guerra mundial) acabou. Enquanto muitos Tártaros lutavam na Europa, as suas famílias eram expulsas das suas casas e do seu país e espalhadas pela União Soviética[2]. Metade não sobreviveu à deportação. Às vezes pergunto-me como é possível a Palestina ter chegado ao ponto que chegou. Ou a Chechénia. Kashmira. Síria e tantos outros. A Crimeia tem tudo para se tornar mais uma dessas situações impossíveis de resolver. Potencialmente, daqui a 100 anos ainda nos vamos de lembrar de Putin da mesma forma que recordamos Sykes, Picot[3] ou Balfour[4]. Ficamos agora com um referendo que por muito limpo que possa ser, é feito depois de uma limpeza étnica, de uma migração massiva de russos para o território, de uma oferta territorial de Krushev sem qualquer sentido e debaixo de uma ocupação do maior interessado no resultado. E, tal como na Palestina e outros casos semelhantes, agora não há solução justa possível. Os Russos que ali vivem não são imigrantes, mas sim segunda ou terceira geração. Os Tártaros que regressaram são apenas uma fracção dos descendentes dos sobreviventes originais. Os militares Ucranianos estão aterrorizados e presos dentro dos seus barcos e fortes tendo perdido o controlo da maioria das fronteiras. Os Russos falam frequentemente da sensação de cerco, mas parece-me que terão os seus vizinhos mais razões para sentirem um aperto no coração. E o que já aconteceu não pode ser desfeito. Mais um vela acesa em cima de um barril de pólvora. 




“A Crimeia é dos Tártaros. Se os russos vierem, morro aqui a combatê-los”

PAULO MOURA (em Sinferopol) 03/03/2014 - 07:37

A população tártara da Crimeia foi deportada nos tempos soviéticos e só regressou depois da Perestroika. Tem boas razões para temer os russos. Quando finalmente conseguiram uma vida normal, tudo parece de súbito ameaçado. Dizem que vão combater.

Os soldados soviéticos chegaram a meio da noite e disseram: “Peguem nas vossas coisas e venham connosco. Têm 15 minutos”. Mustafaia tinha sete anos, mas lembra-se bem daquele dia 18 de Maio de 1944. “Só houve tempo de pegar em duas almofadas e três cobertores. Eu, a minha mãe e os meus dois irmãos corremos à frente dos soldados russos para os vagões do comboio. Eles diziam que nos matavam se não corrêssemos. O meu pai não estava connosco, porque tinha ido para a guerra, onde veio a morrer”.

Milhares de tártaros das aldeias da Crimeia entraram naqueles comboios, que partiram rumo ao Uzbequistão. Ninguém lhes explicou porquê, nem para onde iam. Ninguém lhes disse que abandonavam a sua terra para sempre.

“A viagem durou 45 dias”, conta Mustafaia Halidé, que hoje tem 77 anos. “Não nos davam água nem comida. Morreram muitas pessoas no caminho. Dos que partimos, talvez só metade tenha chegado. Aos que iam morrendo, eles atiravam-nos para fora do comboio”.

Mustafaia vive hoje sozinha, na sua casa da aldeia de Novinka, a uns 40 quilómetros de Simferopol, a capital da Crimeia. Nasceu na aldeia de Markur, não longe daqui, numa casa que pertencia aos pais, e que eles tiveram de abandonar, quando ocorreu a deportação. “A casa ainda existe. Já lá fui três vezes vê-la. Pertence a russos”, diz Mustafaia. Nunca ninguém lhe disse que tinha direito a recuperar a casa, ou a qualquer forma de compensação. E ela também não protestou. Já se sente suficientemente grata por poder de novo viver na Crimeia.

“Quando chegámos ao Uzbequistão, puseram-nos a viver num curral para animais, em Sheridan. A família ficou separada: a minha mãe num curral, nós noutro. Nos primeiros tempos, passámos muita fome. Apanhávamos erva para comer. Aos 10 anos comecei a ir à escola, mas iam buscar-me todos os dias, para trabalhar na apanha do algodão. Era nisso que todos trabalhávamos, para sobreviver”.

Mustafaia viveu 47 anos no Uzbequistão. Casou, teve cinco filhos. O marido morreu há 49 anos, nunca voltou à Crimeia que abandonara na infância. E Mustafaia, tal como todos os tártaros, nunca soube porque teve de passar toda a vida numa terra estranha. “Na altura, ouvimos dizer: ‘Os russos querem a Crimeia para eles!’ Mas só agora é que lemos, na internet, coisas sobre as razões do que se passou”.

A traição como pretexto
Na internet, 60 anos depois, Mustafaia e os filhos leram que a deportação dos Tártaros foi um castigo de Estaline por eles terem, alegadamente, colaborado com os nazis. “Não conheço ninguém que tenha ajudado os nazis. O meu pai combateu no Exército Vermelho, contra os nazis, e morreu na guerra. Deu a vida pelos russos, enquanto eles lhe deportavam a família”.

Fekret Seferchaiev, de 78 anos, vive numa outra casa de Novinka, e foi deportado no mesmo dia de Maio de 1944. Eram uma família de nove pessoas, só um dos irmãos estava na guerra. “O medo foi tão grande, que não levámos nada. Perdemos a casa, perdemos tudo. Quando chegámos lá, meteram a nossa família e mais outras três num barracão sem janelas. A água que bebíamos estava contaminada, a minha mãe, o meu pai e uma das minhas irmãs morreram com uma infecção duas semanas depois de termos chegado”. Segundo os historiadores, mais de 40 por cento da população tártara morreu nos primeiros anos do exílio, devido às más condições de alimentação e higiene.

Os seis irmãos sobreviventes foram separados e entregues a diferentes famílias, no Cazaquistão. “Para não morrermos à fome, éramos obrigados a trabalhar para eles, a tomar conta das vacas”, diz Fekret. “Por isso não pude ir à escola. Sou analfabeto”.

A falta de instrução impediu mais tarde a sua ascensão no Partido Comunista, onde se inscreveu, não propriamente por acreditar na bondade do socialismo, mas para tentar aceder a um bom emprego. “Cheguei a trabalhar em Mosvovo. Queria ser um homem poderoso. Mas não me deixaram”.

Os tártaros, grupo étnico de origem turca e religião maioritariamente muçulmana, representam hoje cerca de 10 por cento da população da Crimeia. Mas sempre foram a maioria, e, até ao século XVIII, constituíram um estado independente, o Canato da Crimeia, uma das maiores potências da Europa oriental.

Com a derrota do Império Otomano pelos russos, em 1774, o Canato deixou de ter a protecção dos turcos e foi anexado pelos russos. Mais de um milhão de tártaros fugiram então para várias regiões otomanas. Após a revolução de 1917 os Tártaros chegaram a criar a sua própria república independente, que seria no ano seguinte destruída e anexada pelos bolcheviques.

Durante a Segunda Guerra, uma Legião Tártara colaborou com os nazis durante a ocupação alemã da península. Várias unidades tártaras, por outro lado, combateram os nazis no Exército Soviético. A “traição dos tártaros” não pode portanto ter sido mais do que o pretexto para o decreto de Estaline que deportou todo o povo tártaro numa só noite. O verdadeiro motivo terá sido despovoar as regiões de maiorias étnicas não-russas, para prevenir problemas na periferia do império. Alguns historiadores sérios afirmam porém que a deportação se deveu simplesmente à loucura de Estaline.

Quando, nos anos 80, começou a Perestroika na URSS, Mikhail Gorbatchov autorizou os Tártaros a regressarem à Crimeia. Muitos aproveitaram, apesar de Moscovo nunca ter concedido nenhuma compensação nem subsídio, nem sequer ter pedido desculpa aos Tártaros.

“A vida inteira à espera disto”
Susana Seferchaieva, 42 anos, nora de Fekret, construiu a primeira casa da aldeia de Novinka. “Aqui não havia nada, eram campos apenas”, recorda ela, que chegou grávida, em 1991, do Uzbequistão onde nasceu. “Os meus pais foram deportados e morreram lá, em Tashkent. O seu sonho era um dia voltar à Crimeia, por isso eu estou aqui, por eles”.

Várias aldeias foram construídas de raiz, porque as antigas estão hoje ocupadas por russos. “Eu voltei porque a minha terra é aqui”, diz Mustafaia. “Os velhos estavam a morrer, ninguém traria para aqui a nossa memória. Eu tinha de vir. Senhor Estaline, não morri, por isto estou na Crimeia”. Trouxe os filhos, que hoje não têm emprego, por causa da crise económica na Ucrânia, mas nem por isso lhes passa pela cabeça emigrar. “Daqui não saímos mais”, diz a mulher, na sua casa forrada a papel de parede cor-de-rosa, com os sofás cobertos de rendas, um lenço de seda amarela emoldurando-lhe o rosto moreno.

“Já não somos a maioria porque metade morreu, e outros ainda estão das terras de exílio. Mas a Crimeia é dos Tártaros. Se os russos vierem, eu não fujo. Morro aqui a combatê-los. Não acredito que eles respeitem os Tártaros”.

Mustafaia está ao lado da revolução de Maidan, que “tem o direito de lutar contra chefes corruptos”. E o único líder russo de que gosta é Gorbatchov. “Estaline o que devia fazer era comer merda. E Putin, se eu pudesse, matava-o”.

Fekret, que tentou ser poderoso numa Rússia que nem lhe permitiu aprender a ler, tem agora toda a família na Crimeia. “Passei a vida inteira à espera disto. Poder ter a minha casa, a minha família, a minha terra. E agora tudo pode voltar atrás. Estamos aqui há 15 anos, e antes nada existiu. Isto é a nossa vida”, diz ele, chamando as três netas, que já nasceram na Crimeia. Fatineska é a mais nova, tem 7 anos e um olhar doce e frio que entende tudo.

“Agora temos uma vida normal, integrados na Ucrânia, mas estou certo de que os russos vão tentar destruir isso. Fizeram-no na Tchetchénia, vão fazê-lo aqui. Mas nós desta vez vamos combatê-los”, diz Fekret.

Susana, mãe de Fatineska, diz a rir: “Desta vez não nos deportam, porque temos os nossos homens connosco”