Edward Said, o mais famoso de todos os académicos palestinianos, simplesmente supera tudo o que li até hoje sobre o Médio Oriente. "Orientalismo", escrito há mais de três décadas, é a sua obra prima, e um dos mais influentes livros na sua área desde a sua publicação. O mais interessante é que o livro não é realmente sobre o Médio Oriente, mas sobre o campo de estudos criado pelos europeus - e mais tarde americanos - que estuda esta região. Conta-nos a história dos grandes escritores orientalistas, arabistas e outros, a forma como foram evoluindo de uma posição mais académica até ao mais puro policy making. Explora as suas limitações e, principalmente, o enorme erro de essencialismo que foi sendo multiplicado ao longo dos tempos, até os resultados do estudo do Oriente não terem qualquer semelhante com a realidade, embora fossem perfeitamente consistentes entre si.
O centro de todo o estudo é precisamente essa ideia de essencialismo: a capacidade de reduzir os orientais, em especial os árabes muçulmanos à sua religião. Como se mais nenhum factor fosse relevante. Como se o facto de se nascer num país super-exportador de petróleo com uma qualidade de vida imensa não fosse relevante para os definir. Ou, outros, viverem como refugiados do dia em que nasceram até à sua morte. Ou sob ocupação. Em liberdade ou numa ditadura. Como se o tempo não influenciasse a forma de pensar dos povos e dos indivíduos. Como se as experiências pessoais não colocassem tantos a desalinharem com a norma do seu povo.
Said está, na minha opinião, absolutamente correcto nesta sua crítica feroz ao essencialismo e ao Orientalismo moderno. E é um erro grave que, para além de apoiado e suportado por pensadores como Bernard Lewis, de quem aqui escrevi recentemente, chega às massas que tão facilmente reduzem cada um dos árabes a essa imagem geral do que é suposto ser um árabe. Um imagem imutável, essencialista e que recusa qualquer individualismo.
Neste mesmo bloque, vejo comentários assustadores de gente que deseja a morte de todos os Muçulmanos, ou noutros casos a defenderem novos Holocaustos sobre os Judeus. Como é possível que alguém defenda crimes dessa dimensão se não se convencer que os "outros" são todos iguais e todos criminosos? Que os bebés de colo estão destinados a serem terroristas ou opressores e que cada adulto está à espera do momento certo para nos atraiçoar?
A partilha de alguma ideias neste blogue durante os últimos anos ensinou-me pouco sobre História, mas bastante sobre o ódio que tantas pessoas sentem por seres que nunca viram e conheçem apenas dos filmes e noticiários. E isso é verdadeiro quer para islamofóbicos quer para anti-semitas. No seu ódio, mostram-se rigorosamente iguais.
A única crítica que faço refere-se à forma violenta como Edward Said vê, por exemplo, o uso de cientistas, historiadores, arqueólogos e burocratas que acompanharam o exército de Napoleão durante a sua invasão do Egipto em 1798. Os objectivos do imperialismo podiam estar totalmente errados, mas o uso da ciência enquanto suporte deste não é, a meu ver, particularmente estranho ou negativo. Quando comparamos com a conquista das américas pelos Espanhois e Portugueses, vemos que estes últimos não tinham o mais pequeno interesse em compreender os povos que lá viviam, as suas religiões, a sua ciência ou a sua história. Embora ainda de uma posição de superioridade - compreensiva já que ele era de facto o conquistador - olho para a atitude de Napoleão como uma demonstração de humildade perante a civilização que encontrava. Mas quanto mais nos aproximamos dos dias de hoje, mais verdadeira é a crítica de Said e mais incompreensível a forma limitada com que o mundo vê outros povos, hoje tão próximos e tão cheios de testemunhos.
Por tudo isso, ler Said é algo que aconselho vivamente a quem já tenha dedicado algum tempo a tentar compreender e pensar o Médio Oriente, mas muito mais para quem acredita já ter todas as respostas e para quem acha que "já escolheu um lado".
O centro de todo o estudo é precisamente essa ideia de essencialismo: a capacidade de reduzir os orientais, em especial os árabes muçulmanos à sua religião. Como se mais nenhum factor fosse relevante. Como se o facto de se nascer num país super-exportador de petróleo com uma qualidade de vida imensa não fosse relevante para os definir. Ou, outros, viverem como refugiados do dia em que nasceram até à sua morte. Ou sob ocupação. Em liberdade ou numa ditadura. Como se o tempo não influenciasse a forma de pensar dos povos e dos indivíduos. Como se as experiências pessoais não colocassem tantos a desalinharem com a norma do seu povo.
Said está, na minha opinião, absolutamente correcto nesta sua crítica feroz ao essencialismo e ao Orientalismo moderno. E é um erro grave que, para além de apoiado e suportado por pensadores como Bernard Lewis, de quem aqui escrevi recentemente, chega às massas que tão facilmente reduzem cada um dos árabes a essa imagem geral do que é suposto ser um árabe. Um imagem imutável, essencialista e que recusa qualquer individualismo.
Neste mesmo bloque, vejo comentários assustadores de gente que deseja a morte de todos os Muçulmanos, ou noutros casos a defenderem novos Holocaustos sobre os Judeus. Como é possível que alguém defenda crimes dessa dimensão se não se convencer que os "outros" são todos iguais e todos criminosos? Que os bebés de colo estão destinados a serem terroristas ou opressores e que cada adulto está à espera do momento certo para nos atraiçoar?
A partilha de alguma ideias neste blogue durante os últimos anos ensinou-me pouco sobre História, mas bastante sobre o ódio que tantas pessoas sentem por seres que nunca viram e conheçem apenas dos filmes e noticiários. E isso é verdadeiro quer para islamofóbicos quer para anti-semitas. No seu ódio, mostram-se rigorosamente iguais.
A única crítica que faço refere-se à forma violenta como Edward Said vê, por exemplo, o uso de cientistas, historiadores, arqueólogos e burocratas que acompanharam o exército de Napoleão durante a sua invasão do Egipto em 1798. Os objectivos do imperialismo podiam estar totalmente errados, mas o uso da ciência enquanto suporte deste não é, a meu ver, particularmente estranho ou negativo. Quando comparamos com a conquista das américas pelos Espanhois e Portugueses, vemos que estes últimos não tinham o mais pequeno interesse em compreender os povos que lá viviam, as suas religiões, a sua ciência ou a sua história. Embora ainda de uma posição de superioridade - compreensiva já que ele era de facto o conquistador - olho para a atitude de Napoleão como uma demonstração de humildade perante a civilização que encontrava. Mas quanto mais nos aproximamos dos dias de hoje, mais verdadeira é a crítica de Said e mais incompreensível a forma limitada com que o mundo vê outros povos, hoje tão próximos e tão cheios de testemunhos.
Por tudo isso, ler Said é algo que aconselho vivamente a quem já tenha dedicado algum tempo a tentar compreender e pensar o Médio Oriente, mas muito mais para quem acredita já ter todas as respostas e para quem acha que "já escolheu um lado".