segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Futuro de Carvalho da Silva

(Resposta ao artigo de opinião de Daniel Oliveira no Expresso Online em 2012-01-30)

Caro Daniel Oliveira

Eu sinceramente tenho muito menos elogios para fazer a Carvalho da Silva. O maior deles é que em portugal os sindicalistas (com ele à cabeça) souberam sempre distinguir uma manifestação de um tumulto.

Em muitos países europeus, 100.000 grevistas na rua significa milhões de euros em prejuízos directos por destruição de carros, lojas, casas, etc. Em Portugal isso não acontece, e isso vale muito para o país e contribui para uma imagem de povo trabalhador e honesto que mesmo quando discorda das decisões dos governos, não apela à violência. Concedo-lhe isso e considero uma qualidade importantíssima e rara na europa sindical.

Sobre o futuro de Carvalho da Silva, o que eu gostaria mesmo é que ele utilizasse todos os seus conhecimentos e experiência e abrisse um negócio grande e de trabalho intensivo. Que desse a sua contribuição na criação de emprego, nas exportações, na produção de qualidade enquanto simultâneamente mantinha os seus funcionários bem pagos, com contratos efectivos e devidamente motivados.

Durante tantos anos ouvimo-lo a descrever o que deveriam ser os patrões, o que deveriam fazer as empresas e como deveriam ser tratados os trabalhadores. Se conseguir fazê-lo com sucesso, criando milhares de postos de trabalho, crescendo, exportando, pagando a totalidade dos seus impostos sem subterfúgios legais, estará a dar uma grande lição a todo o país que certamente lhe seguirá as pisadas.

Não estou a ser irónico. Acredito que o capitalismo liberal aliado à democracia é melhor sistema que existiu, mas tem enormes falhas. Estou totalmente aberto e atento a novas experiências empresariais e governamentais que consigam melhorar estes sistema ou substituí-lo por um novo. Para já ainda não vi nenhum.

Tenho sérias dúvidas sobre se uma empresa gerida da forma que Carvalho da Silva defende teria resultado. Ele tem agora a oportunidade de fazer desaparecer todas essas dúvidas.

Os melhores cumprimentos,

António



quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Praça Tahrir vista da Palestina

Faz agora um ano que se iniciou a revolução no Egipto, inspirada no levantamento popular tunisino e que em conjunto com o Yemen, Síria, Bahrain e Líbia formam a chamada "Primavera Árabe". Em simultâneo, os efeitos fizeram-se sentir na Jordânia, Oman e Arábia Saudita embora de forma diferente e com actuações diversas por parte dos seus governos.

Na altura encontrava-me em trabalho em Ramallah, na Palestina, onde com mais dois portugueses assisti incrédulo ao que se estava a passar na praça Tahrir, vendo e ouvindo a Al Jazeera em directo dias a fio com uma clara sensação de que assistíamos a um momento fulcral na história da região.

O Egipto tem um lugar especial no médio oriente. Define as modas, tem uma história milenar, tem os melhores desportistas (o seu campeonato de futebol é seguido em toda a região) e para além disso tem um poder económico forte e diversificado e uma população enorme. Foi deste país que nasceram os mais poderosos movimentos árabes dos últimos 70 anos, como os movimentos nacionalista pan-árabe de Gamal Abdel Nasser ou a Irmandade Muçulmana de Hassan Al-Banna.

Foi por isso natural que mesmo num país como a Palestina (se o leitor não apreciar a palavra "país" pode substituí-la por "lugar" sem prejuízo para o resultado final) este assunto fosse seguido com enorme interesse e uma sensação de pertença em relação à revolução. Falando com colegas e amigos árabes, foi notória a excitação nos dias anteriores à primeira grande manifestação de sexta-feira e óbvio o aumento do interesse a cada dia que passava.

Desde a revolução tunisina que ouvíamos muitos e extremamente sombrios relatos do que acontecia na Túnisia. Colegas que lá estuduram e trabalharam contaram-nos histórias e detalhes da repressão, falta de liberdade e corrupção endémica centrada na família de Ben Ali, mas agora tratava-se literalmente de outro campeonato. Embora eu ainda não fosse nascido na altura do 25 de Abril de 1974, imagino que o que sentimos durante estes dias será parecido (embora mais distante) com o que a geração dos meus país passou nesses dias que mudaram Portugal.

Ao fim de umas horas de relatos, todos nós já conhecíamos todo o mapa da zona em volta da praça Tahrir, onde estavam as diferentes estações de televisão e vimos em directo as intervenções da polícia, os ataques aos enviados da Al Jazeera, a carga de cavalos e camelos, as rezas dos muçulmanos no meio da praça enquanto os cristãos coptas e os seculares os defendiam dos ataques da população e até à entrada do exército na praça.

Em paralelo, fomos acompanhando também as infelizes declarações dos representantes dos Estados Unidos da América e dos países da União Europeia, que conseguiam estar sempre umas 6 horas atrasados em relação à história. Falavam da estabilidade do Egipto quando um milhão de pessoas pedia uma democracia ao estilo europeu ou americano, confirmando a amizade a Mubarak enquanto este disparava sobre os manifestantes desarmados, e pediam para o ainda presidente para fazer algumas cedências quando milhões de pessoas pelo país fora quebravam o recolher obrigatório e o exército interveio para defender os manifestantes da polícia.

Lembro-me bem de ver os carros blindados do exército a chegarem aos acessos à praça. Sustemos a respiração durante os segundos receando o pior. Tínhamos ouvido tantas vezes as histórias do amor que os egípcios têm ao seu exército que era a instituição mais respeitada do país desde a guerra do Yom Kippur. Mas também sabíamos que é um exército forte e bem armado que beneficiava de um apoio militar e financeiro americano (só ultrapassado por Israel neste campo). Por isso nenhum de nós sabíamos se nos próximos segundos veríamos um banho de sangue sem precedentes na história ou uma reviravolta no país. A primeira reacção dos manifestantes esclareceu imediatamente o que se iria passar a seguir. Todos correram para os tanques e Armoured Personnel Carriers em festa, com bandeiras do egipto no ar agradecendo a sua vinda. Talvez os militares viessem com ordens para reprimir os manifestantes, mas com uma recepção como essa talvez fosse inevitável o que aconteceu: os soldados levantaram os dedos em forma de "V" de vitória e aceitaram as bandeiras do Egipto que levaram em procissão pela praça dentro. Respirámos novamente. O fim anunciado de Mubarak. A partir daqui, podia demorar horas, dias ou semanas, mas não havia dúvidas de que tinha o destino traçado.

Quando no dia seguinte fomos tomar o pequeno-almoço ao centro de Ramallah, vimos bandeiras do Egipto por todo o lado, os palestinianos sorriam orgulhosos com as camisolas da selecção de futebol egípcia vestidas e os cafés e restaurantes tinham pequenas bandeiras vermelhas, brancas e pretas em todas as mesas.

Que a democracia, a liberdade e o progresso cheguem finalmente a este país, e que sejam o modelo e inspiração para muitos mais.

Feliz aniversário Egipto.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Dívida Pública vs Dívida Privada

Existe uma corrente de pensamento em Portugal que defende que não existe nenhum problema grave com a dívida pública nacional, e que o verdadeiro drama encontra-se na dimensão da dívida privada, i.e. das famílias e das empresas (não controladas pelo estado).

Começo por dizer que discordo totalmente. A dívida privada tem que ser vigiada, mas é mesmo nas contas públicas que está o motivo da nossa ruína. É verdade que não tenho acesso aos números internos dos bancos e outras instituições financeiras que estarão em condições de fazer uma análise mais detalhada sobre o assunto, mas existem diferenças grandes entre estas dívidas, os activos que as sustentam e a forma da sua liquidação.

A dívida do estado é enorme face aos seus rendimentos. Embora seja comum representarmos a dívida pública em percentagem do PIB, acho que vale a pena olharmos para a dívida pública em percentagem das receitas do estado. O motivo é simples: da mesma forma que eu não vejo o meu grau de endividamento pessoal em comparação com os rendimentos do prédio todo, também o estado analisar o seu índice de endividamento anual pelo desvio em relação ao que tinha para gastar. Claro que os rendimentos do país inteiro têm uma relação com o valor dos impostos cobrados, no entanto esse dinheiro não é do país, mas sim dos seus habitantes.

Assim, fazendo as contas do deficit orçamental face ao que o estado de facto recebe, facilmente chegamos à conclusão de o déficit real é de 24%:

Despesa do Estado em 2010: 88.000 Milhões de Euros
Receitas do Estado em 2010: 71.000 Milhões de Euros

Déficit Orçamental em Percentagem das receitas: 24%

Isto dá-nos uma ideia da dimensão e velocidade a que o nosso estado se tem estado a endividar. Podemos ainda acrescentar que não há memória de um superavit orçamental, pelo que o passivo aumenta todos os anos que passam. Para além disto, a desconfiança dos investidores fez com que os juros disparassem e atingiram valores recordes nos últimos 2 anos. Esta espiral tem tendência a piorar enquanto o estado mantiver deficit orcamentais crónicos e superiores ao crescimento dos impostos cobrados (seja via crescimento ou via aumento de impostos).

Um outro factor a ter em conta é o destino desse dinheiro emprestado ao estado. Olhando para o orçamento de estado, podemos ver que na sua esmagadora maioria vai para salários, pensões e estado social, ou seja, despesa importante para o presente e futuro do país, mas sem retribuição directa. Podemos vê-la como um investimento mas só a muito longo prazo e sem retorno garantido (basta ver a despesa com a educação que depois é oferecida a outros países via emigração). A um nível pessoal, é como um habitante que acredite tanto na importância da sua saúde e educação que gaste 110% do seu salário anual em clínicas e cursos para garantir que está sempre em forma e devidamente educado para aproveitar todas as oportunidades e mais algumas. Se o fizer indefinidamente, certamente que acabará sem nada, endividado e sem capacidade para pagar mais nenhuma consulta ou curso. Em algum momento - antes, durante ou depois - ele terá que trabalhar para pagar todas essas despesas tão relevantes. O mesmo acontece em relação ao estado, com a diferença que quando é preciso trabalhar, a lei permite-lhe forçar os cidadãos do país a resolverem-lhe as suas contas através de impostos ou recusando-se a cumprir as suas promessas.

No caso da dívida das famílias, o destino é bastante diferente. Na sua maioria existe um activo a compensar o passivo. Por exemplo, quando pedimos dinheiro para comprar uma casa, essa mesma casa é dada como garantia. No caso de incumprimento o credor fica com o imóvel. A dívida das empresas pequenas tipicamente é tratada da mesma forma que a dívida das famílias, obrigando a empresa ou os sócios a comprometerem os seus activos no empréstimo. Tudo isto leva-nos a que não seja possível avaliar o sobreendividamento das famílias sem olhar também para o valor dos seus activos e a sua capacidade de cumprimento do empréstimo. Com as rendas a um nível muito elevado, contratos de trabalho muito fixos e pouca mobilidade, a opção de compra de casa foi certamente a opção lógica para a maioria das famílias portuguesas. A inexistência de um mercado de arrendamento funcional, faz com que o nosso país tenha um endivadamento das famílias acima do que seria natural, mas não necessariamente que esse endividamento seja errado ou não possa ser pago.

O que acabei de descrever não acontece no estado. O seu passivo é utilizado para despesas correntes e vive em constante déficit. Os 100 mil milhões de endividamento que o estado acrescentou nos últimos anos ao seu passivo não serviram para comprar ouro ou qualquer outro activo que possa ser vendido para saldar a dívida. O dinheiro simplesmente saiu dos cofres do estado em gastos correntes e não vai voltar às mãos do estado. Acrescento ainda que as famílias endividam-se a comprar casa, mas depois durante 20, 30 ou 40 anos vão tratando de reduzir esse passivo até chegar a zero (tipicamente aponta-se para que isso aconteça na entrada da idade da reforma). Ou seja, vivem com superavits estruturais que suplantam os juros que pagam e que colocam o passar do tempo a seu favor. Com deficits estruturais os estados fazem exactamente o contrário, dívidas crescentes que só não vão até ao infinito porque em algum ponto os credores vão inevitavelmente recusar-se a disponibilizar mais dinheiro.

Por todos estes motivos, e mesmo sabendo que a dívida externa privada é um assunto sério e à qual nos devemos manter atentos, considero que a dívida pública foi, é e continuará a ser o maior problema financeiro do nosso país.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Os méritos da Concertação Social

É difícil prever os resultados do acordo de Concertação Social entre o Governo, UGT e Patronato. Mas alguns comentários podem ser já feitos, tendo em perspectiva os valores até agora conhecidos sobre a economia Portuguesa em 2011:

Deixou-se cair a proposta de aumento de meia hora diária de trabalho, que me parece que poderia ter algum efeito limitado, mas positivo na produção nacional. Embora uma parte dos trabalhadores estejam habituados a trabalhar mais do que as 8 horas diárias que estão na lei sem qualquer pagamento de horas extraordinárias por força das necessidades naturais de projectos, correcção de testes e preparação de aulas, por puro brio profissional ou ambição de carreira, em algumas situações esta alteração poderia ter sido útil para, por exemplo, reduzir filas de espera de hospitais, lojas do cidadão e repartições públicas ou aumentar a produção do sector fabril baseado em linhas de montagem. Se por um lado é claramente um esforço extra que está a ser pedido aos trabalhadores sem compensação acrescida, por outro será certamente menos doloroso do que a alternativa da redução salarial.

A questão dos feriados e pontes também é importante. Não existindo nenhuma fórmula mágica para aumentar a produtividade (anual) do país através de discursos brilhantes ou educação instantânea, aumentarmos a quantidade de trabalho que cada um de nós faz dá um resultado imediato. Sendo nós um país com uma enorme indústria do turismo e que depende muito dos consumidores nacionais, a criação de um enquadramento legal que permita e fomente a utilização das pontes é também um factor positivo.

A simplificação do processo de despedimento é algo que teria sempre que ser feito mais tarde ou mais cedo. Teremos sem dúvida que estar atentos para que seja utilizado em última instância, em casos de sobrevivência da empresa ou de manifesta inutilidade do trabalhador, mas só quem nunca trabalhou numa empresa de média ou grande dimensão é que acredita que estes elementos inúteis e desmoralizantes para os que realmente trabalham não existem. Dão um péssimo exemplo mostrando a todos os outros que o crime compensa e que o mérito não passa de um sonho. Talvez esta medida ponha travões a esta situação, para benefício não só das empresas, mas principalmente para a esmagadora maioria dos funcionários que trabalha duramente todos os dias sem procurar desculpas, sem falsas baixas e sem recusar desafios.

Um último ponto sobre o acordo de concertação é que talvez o seu maior mérito esteja mesmo na forma e não na substância. Sou um grande crítico da economia exibicionista dos dias de hoje. Tudo é espectáculo, tudo é recebido pelo seu aspecto, tudo é superficial. Mas a realidade é que também temos que jogar com isso e não podemos ser ingénuos ao ponto de pensar que - como país - não temos uma imagem a recuperar. Para quem está fora - mesmo pessoas com grandes responsabilidades financeiras - Portugal explica-se em 15 linhas semanais na Economist ou no Financial Times. Convém que essas poucas frases digam que estamos unidos, pacíficos e a trabalhar seriamente para sair da crise.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Costa Concordia, Titanic, Wilhelm Gustloff e a História

Estava a ver as impressionantes imagens do Costa Concordia adornado para estibordo, meio dentro meio fora de água e vieram-me imagens e histórias de outros desastres navais.

Wilhelm Gustloff
Por coincidência, assisti num dos canais de documentários há menos de duas semanas um programa detalhado sobre o que terá sido provavelmente o maior acidente naval da história: o Wilhelm Gustloff. A maioria dos leitores nunca terá ouvido falar deste barco, mas na noite em que foi ao fundo, morreram mais pessoas do que no Titanic e no Lusitania juntos. No total estima-se que entre 8 a 12 mil pessoas morreram nessa noite e apenas cerca de 900 passageiros e tripulantes foram salvos.

Porque motivo a história do Titanic é ensinada às crianças desde pequenas, e outras como a do Wilhelm Gustloff ou do General Steuben são mantidas no esquecimento?

(Para maior detalhe sobre estes dois barcos e o seu afundamento, podem consultar o wikipedia nos seguintes links http://en.wikipedia.org/wiki/MV_Wilhelm_Gustloff e http://en.wikipedia.org/wiki/SS_General_von_Steuben)

O Titanic é uma tragédia sobre a Hubris do Homem e por isso serve o propósito de colocar o homem como súbdito de Deus e da Natureza. Não é visto apenas como um acidente, mas como uma lição de moral. Relembra-nos o nosso lugar do mundo, como se provasse que não podemos controlar a natureza e que quando consideramos que a tecnologia está no seu auge, algum evento terá que nos lembrar de forma incrivelmente violenta que não somos mais do que uns descendentes de primatas fracos e indefesos que se devem abrigar na gruta até que a tempestade passe.

O desastre do Wilhelm Gustloff (entre outros) conta uma história bem diferente. Uma que não queremos contar aos nossos filhos e possivelmente nem as nós próprios. No caso, já nos meses finais da segunda guerra mundial, durante a evacuação dos civis e feridos alemães para os países escandinavos, este barco estava sobrecarregado com qualquer coisa como seis vezes mais pessoas do que aquilo para que estava preparado para receber. Segundo os sobreviventes, todos os espaços do barco estavam completamente lotados incluindo o que fora em tempos a sua piscina e todas as zonas de lazer do navio.

A evacuação de mais de dois milhões de pessoas da Alemanha para países ocidentais e neutros, depois da revelação das imagens da cidade de Nemmersdorf (Prússia Oriental) onde os soviéticos violaram e assassinaram toda uma cidade, deixando os restos mortais das mulheres violadas crucificados com pregos. Num contra-ataque alemão, a cidade foi retomada permitindo que a população germânica tomasse conhecimento do massacre. Obviamente, os russos tinham ainda bem presente os actos dos nazis sobre a sua população durante a operação Barbarossa e estavam a vingar-se na mesma moeda.

Depois de as autoridades de Berlim decretarem a evacuação de todos os não combatentes, o paquete Wilhelm Gustloff foi utilizado juntamente com todos os outros barcos disponíveis para a retirada dos civis. No dia 30 de Janeiro de 1945, um submarino soviético afundou-o com torpedos causando o mais mortal de todos os acidentes em alto mar.

Não foi por causa do número de vítimas que o Titanic ficou na história. Se fosse o caso, vários outros seriam mais famosos. Mesmo o Lusitania, um navio civil cujo torpedeamento pela Alemanha em 1915 contribuiu para a entrada dos Estados Unidos na Grande Guerra, ficou com seu lugar na história. O único motivo porque estes navios alemães não são lembrados é, a meu ver, porque foram os nossos aliados que os abateram. Porque no fundo estes são os nossos crimes históricos. Mesmo que em breve a URSS fosse inimiga das potências ocidentais, naquele momento interessava a todos que o assunto fosse apagado dos anais da história.

O Wilhelm Gustloff conta uma história de ódio e vingança, de crimes de guerra que não foram julgados em Nuremberga ou em qualquer outro lugar, da crueldade de uma guerra onde ambos os lados perderam todo e qualquer sentido de humanidade. E é por isso mesmo que nunca o podemos esquecer.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

E agora? É o Irão?

Em 2003 vimos o então Primeiro Ministro Durão Barroso, agora presidente da Comissão Europeia, a garantir-nos que vira as provas da existência de armas de destruição em massa no Iraque, na posse do ditador Saddam Hussein.
Claro que entretanto descobrimos que não existia nada sequer parecido por lá. Ao fim de 8 anos de ocupação do país, nunca encontraram nada e mais década menos década vão tentar e possivelmente conseguir reescrever a história de forma a que o motivo da invasão seja outro qualquer mais verossímil (petróleo e lobbies não incluídos claro).

Embora as supostas provas viessem dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, o nosso Primeiro Ministro poderia ter ainda informações ainda melhores dentro do seu próprio aparelho de estado. Afinal de contas, ele era Primeiro Ministro de Portugal e tinha sido ministro dos Negócios Estrangeiros, pelo que deveria ter conhecimento das vendas ilegais que Portugal fizera durante os anos 80 ao mesmo Saddam e que devido à guerra Irão-Iraque "sofriam" de um embargo de armas das Nações Unidas.(http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/portugal-vendeu-uranio-ao-iraque-180309)

Naturalmente que nessa altura o Saddam era dos bons. Afinal de contas tinha atacado o Irão, com o apoio de todo o ocidente, arábia saudita e restantes estados do golfo que queriam ver o Ayatollah Khomeini morto e enterrado. É também nessa época que comete os famosos crimes contra a humanidade, sendo as vítimas Iranianos, Curdos e Xiitas (este último é a acusação que o leva à pena de morte em 2006).

Ou seja, enquanto cometia crimes inacreditáveis, "nós" (leia-se o Ocidente) vendíamos-lhe urânio. Quando o seu país estava na miséria e o mundo a precisar de petróleo e um novo bode expiatório para o 11 de Setembro (estava difícil de apanhar o Bin Laden), então atacou-se com provas forjadas.

Isto leva-nos agora ao caso do Irão. Novamente vendem-nos a ideia de que o vilão está de volta, mais forte do que nunca e preparado para destruir o mundo. Temos pena, mas agora já não chega a palavra dos nossos governantes. Vai demorar mais uns 20 ou 30 anos a dizerem a verdade até que nós voltemos a acreditar numa guerra preventiva.

Desta vez, aparece-nos um relatório de IAEA (International Atomic Energy Agency - Agência Internacional de Energia Atómica da ONU) que indica que o Irão poderá estar a avançar no caminho da produção de uma bomba atómica. Por outro lado, o relatório terá sido baseado em documentos anónimos cuja autenticidade não pode ser confirmada. Segundo Robert Kelley, um antigo funcionário da IAEA (http://www.guardian.co.uk/world/julian-borger-global-security-blog/2012/jan/13/iran-nuclear-weapons) este documento era suspeito porque continha erros de Farsi e dificilmente teria sido escrito por um iraniano, não tinha qualquer data associada e, nas palavras de Mohammed ElBaradei (antigo director da IAEA) a fonte era o governo de Israel.

Não gosto de nenhum governo teocrático, sendo o iraniano um dos piores que por aí andam, mas será que nos vamos deixar enganar mais uma vez? O mesmo Ocidente que tanto hesitou em apoiar a Primavera Árabe na Tunísia, Egipto e Yemen (curiosamente não teve dúvidas quando o mesmo aconteceu na Síria...) vai agora atacar com provas altamente duvidosas?

A economia de guerra de Krugman

O nobel da economia, Paul Krugman, e uma gigantesca legião de seguidores defendem que a saída da crise da europa (e não só) passa por gastos massivos do estado que possam arrancar novamente a economia. Dão-nos os exemplos da corrida ao armamento nos anos que antecederam a segunda guerra mundial (e não o New Deal de Franklin D. Roosevelt) para solucionar a crise iniciada em 1929, e dizem-nos que o mesmo deveria ser feito agora.

Numa ocasião, e de forma bastante elucidativa, Krugman mostra-nos que na realidade é indiferente a forma como esse dinheiro é gasto, desde que seja gasto de forma tal que todos os agentes da economia (em especial as famílias naturalmente) o recebam em grandes quantidades: ele propõe que seja dado um alarme mundial de que está prestes a acontecer uma invasão de extraterrestres, que toda a capacidade produtiva da terra seja levantada para nos defender dessa ameaça, e depois de toda a economia estar a funcionar a todo o vapor, que se avise a população mundial de que tudo não passara de um equívoco. É uma ideia interessante, e não sei se já não estará em curso, com uma qualquer ameaça mais ou menos credível de El Nino, Aquecimento Global, Camada do Ozono, Nazismo, Comunismo, Meteorito a caminho da terra, etc.

Existem bastantes pontos em que Krugman e os seus seguidores podem ser contestados. No nosso caso - Portugal - mais endividamento significa deixarmos de o ter, por isso mesmo que a solução dele fosse técnicamente sólida, ela nunca poderia ser feita em Portugal, mas só a nível Europeu. O que nos deixa sem outro caminho que não seja o de fazermos o que os credores nos mandam, ou simplesmente informá-los de que não fazemos quaisquer intenções de pagar (neste último caso teríamos uma série de consequências sérias que nos teríamos que precaver e que noutra ocasião podemos discutir).

Mas o ponto que eu aqui gostaria de colocar em causa dessa teoria do "gastar-até-à-exaustão" é outro. O que estes senhores nos estão a propor é uma economia de Guerra. E como já não existe uma verdadeira economia de guerra desde 1945 (há quase 70 anos) e a esmagadora maioria das pessoas(incluindo várias das que de facto lideram o mundo) não conseguem ler um livro inteiro por ano, ninguém sabe o que verdadeiramente significa uma economia de guerra.

Uma economia de guerra significa total e absoluta submissão ao estado de indivíduos e instituições. Não se julgue que era só na Alemanha nazi, na Itália fascista ou no Império do Japão que isto se passava, mas também na tão livre Inglaterra ou na terra das oportunidades nos Estados Unidos da América. Em 1940, no Reino Unido, e por legislação aprovada por altura da queda da França, o estado passou a ter o direito de requisitar qualquer pessoa para fazer qualquer trabalho, de taxar a 100% quaisquer lucros que considerasse excessivo, de requisitar qualquer imóvel, barco, avião, automóvel, cavalo ou qualquer outro veículo que entendesse. Nos Estados Unidos da América, bem longe do campo de batalha propriamente dito, todos os Nipo-Americanos foram presos em campos de concentração até ao final da guerra. Em todos os países, as cadeias encheram-se de presos políticos, por estarem próximos de alguma ideologia do inimigo. Os ministérios ou serviços de propaganda tomaram conta dos jornais, rádios e cinemas controlando o que era passado ao público. Em suma, o sistema democrático apoiado num mercado livre e amplas liberdades foi substituído por um sistema político absolutista, de economia planeada e sem quaisquer direitos e liberdades.

É verdade que esses sistemas usufruem de pleno emprego, redistribuição pela sociedade da produto gerado e crescimentos produtivos exponenciais, mas isto feito com enormes sacrifícios humanos, sociais e ambientais.

Convinha que as pessoas que defendem esta ideia de dívida massiva explicassem a história toda. Como é que pretendem pagá-la (se é que o pretendem fazer), como é que conseguimos o pleno emprego sem retirar as liberdades, como é que conseguimos consumo para absorver essa produção extra (a própria guerra é um consumidor ávido e insaciável por isso aqui teria que ser substituído por algo), como é que conseguimos que esses gastos do estado não sejam canalizados para fora do país (via importações, fuga ao fisco, offshores, etc.) e como é que se consegue evitar que as grandes empresas encostadas ao estado o façam ainda mais.