domingo, 29 de abril de 2012

Zeppelin, Concorde e Space Shuttle

Três maravilhas tecnológicas do século XX colocadas na prateleira, sem que existam quaisquer planos credíveis para os substituir. Três veículos voadores que tiveram a sua época de ouro e deixam o planeta mais pobre enquanto brilham nos grandes museus do mundo.

Costumamos dar por garantido que a tecnologia avança sempre no mesmo sentido, para o futuro. Mas a verdade é que nem sempre isso acontece e há muito que já se soube e que se perdeu, e muitas outros conhecimentos que se perderam para serem redescobertos séculos ou milénios mais tarde.

Ainda hoje nos peguntamos como no antigo Egipto se conseguiram transportar e colocar no lugar as grandes pedras que compõe o topo das pirâmides com a tecnologia que sabemos que tinham na época. A resposta é simples: eles tinham tecnologias que nós não sabemos que eles tinham. Se, hoje, dessem aos melhores engenheiros do mundo milhares de escravos e as matérias primas dessa época eles não conseguiriam construir a grande Pirâmide de Gizé. Agora imaginemos o que poderíamos fazer com esse pequeno pedacinho de tecnologia associado aos materiais modernos e a tudo o resto que aprendemos entretanto.

Noutros casos, o breakthrough foi conseguido mas ninguém se aperceu da utilidade da nova invenção. Na Grécia Antiga, Hero de Alexandria constrói o primeiro motor a vapor - o Aeolipile - mas não obstante o espectáculo causado pela prova de conceito, ninguém tentou utilizar a ideia para bombear água, criar movimento numa carruagem ou navio ou criar máquina de tecelagem até um milénio e meio depois.

Num artigo anterior partilhei a história do Ekranoplano, uma maravilha da era soviética destruído pelo conservadorismo da (então) recém chegada liderança de Bresnev ao Partido Comunista da URSS. Uma tecnologia que depois de ter conseguido dar os primeiros e mais difíceis passos foi deixada ao abandono. Embora existam presentemente algumas ideias para a reavivar, e mesmo com uma corrida ao armamento que é mantida discreta aos olhos do público, não é provável que o veremos a atravessar os nossos mares nas próximas décadas.


Hindenburg, os últimos segundos
É por este passado onde tantas coisas foram inventadas, perdidas e reinventadas novamente que me entristece ver estas três conquistas tecnológicas a serem esquecidas. O Zeppelin conseguia transportar confortavelmente 72 passageiros com uma qualidade como ainda nem os Airbus A380 conseguem para além de levar uma tripulação superior a 50 pessoas. Conseguiam transportar pesos imensamente superiores aos aviões dessa época e, mesmo hoje, estão a ser vistos como alternativa para transportar peças para... o Airbus A380, dada a sua dimensão e peso não serem comportáveis por qualquer outro veículo não marítimo. Mas entretanto perderam-se os engenheiros, os técnicos e as tripulações especializados em Zeppelins. Ainda existem bastantes dirigíveis, mas muito mais pequenos e utilizados para voos turísticos e principalmente para publicidade estática sobre as cidades. Se a morte do Ekranoplano foi resultado de opção política, a do Zeppelin foi o resultado do acidente do Hindenburg a 6 de Maio de 1936. As filmagens dramáticas dos últimos segundos Hindeburgo com as suas letras a desaparecerem as chamas ditaram o seu fim e mesmo 86 anos depois são relembradas impedindo que essa tecnologia seja devidamente explorada e comercializada.

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Muitos anos depois, voltamos a ver uma situação em tudo semelhante. O Concorde, orgulho da indústria aeronáutica europeia, o avião comercial mais rápido do mundo sofre um acidente a descolar do aeroporto Charles de Gaulle. Mais uma vez, um acidente, uma imagem que choca o mundo e mais um caminho que se transforma num beco sem saída. Deixa saudades aos amantes da aviação, da tecnologia e dos poucos que tiveram o previlégio de nele voarem. Em substituição... nada. Há 20 anos atrás era possível fazer Londres a Nova York em poucas horas, hoje não. O que deveria ser uma tecnologia que acabaria por se tornar comum a todo o público, tornou-se numa lembrança de tempos idos.

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Shuttle, a última viagem

Por fim, o Space Shuttle, obra prima da NASA e da superioridade tecnológica americana usado até ao limite durante três décadas e finalmente abandonado. Ao todo 135 lançamentos dos quais um (Challenger) explodiu na decolagem e outro (Columbia) na reentrada. E novamente, sem ninguém que o substitua nem no programa espacial americano, nem em nenhum outro.


O avanço tecnológico é doloroso, cheio de falhanços e esforços inglórios. Repleto de heróis e vítimas. A qualidade de vida que temos hoje, a nossa esperança de vida, a economia global e o conhecimento acessível a um cada vez maior número de pessoas é resultado directo desses avanços. Mas nada nos garante que um dia não haverá uma nova idade média, talvez provocada pela má utilização dessas mesmas tecnologias. E nessa altura, muitos olharão para os mais estranhos artigos arqueológicos e perguntarão: como é que foi possível eles construirem isto?

Ekranoplan - O Monstro do Mar Cáspio

Por vezes somos levados a pensar que os políticos são todos iguais e que as suas decisões têm pouco efeito nas nossas vidas. A história do Ekranoplano, uma espécie de avião ou barco que utilizava um fenómeno denominado de "efeito solo" é um dos grandes inventos da guerra fria, quando a União Soviética e os Estados Unidos lutavam em todas as frentes possíveis e imaginárias pela supremacia mundial. Esta invenção militar soviética é fruto não só de uma equipa brilhante de cientistas e engenheiros que desenharam e construiram um veículo sem igual, como também da direcção política da União Soviética de Krushev, uma época onde a tecnologia e a inovação eram apoiadas ao mais alto nível.

O video que acompanha este artigo mostra toda a história do Ekranoplano, como de uma ideia se chegou à produção (embora limitada), como os americanos o descobriram por imagens de satélite e não conseguiram perceber do que se tratava, até ao seu infeliz final com as mudanças políticas na URSS, quando Bresnev chega ao poder e o conservadorismo toma conta do país.

Ao analisarem as imagens deste barco voador, os militares americanos colocaram várias hipóteses interessantes e imaginaram que seria um hidroplano de grande dimensão. No entanto, pelas suas contas, com asas tão curtas ele não conseguiria voar pelo que o mistério manteve-se durante décadas. Chamaram-lhe - e assim fica para a história - o "Caspian Sea Monster".

Quando olho para o Ekranoplano, em termos militares, vejo algumas características extremamente interessantes para a época: Conseguia transportar quantidades enormes de soldados e equipamento militar pesado. Como voava a apenas uns metros de altura deveria ser praticamente invisível aos radares comuns. Conseguia fazer os desembarques directamente em terra numa escala incomparavelmente superior ao que as lanchas de desembarques da WWII conseguiam. Por outro lado, as suas velocidades são comparáveis às de uma avião comercial a jacto moderno, pelo que conseguia movimentações que aos barcos são impossíveis, para além de estarem fora do alcance dos submarinos inimigos.

Como tantas outras tecnologias militares, também é possível que se tornasse interessante em termos civis, para "voos" comerciais de longa distância com custos de combustíveis inferiores (embora eu tenha as minhas dúvidas de como o Ekranoplano lidaria com o mau tempo).

Mas acima de tudo, acho que o sentimento mais forte que tiro deste documentário é a frustração dos homens que dedicaram a sua carreira a fazer uma obra de engenharia brilhante e que foram obrigados a assistir enquanto decisões políticas o atiravam para o esquecimento. Fica aqui o meu pequeno contributo para relembrar estes homens.




quinta-feira, 26 de abril de 2012

A Grande Guerra pela Civilização

Book Review

Para alguém que queira comprender o imbróglio em que o Médio Oriente se encontra, não há um livro melhor do que esta obra prima de Robert Fisk. Não é um livro de história, mas também não é um livro de notícias. Fisk escreve na primeira pessoa, descreve o que sente e não se amedronta de confrontar Presidentes, Reis e Sheikhs com os seus actos. Se há conclusão que se tira deste livro, é que não devemos ter o mais pequeno respeito pelos líderes que conduziram toda a esta região a um constante estado de guerra. Desde Blair, Bush, Bin Laden, Arafat, Sharon e Hussein (os vários com este nome...) até aos arquitectos "originais" do Médio Oriente, os grandes diplomatas que dividiram esta região depois da primeira guerra mundial, Fisk não poupa um.

Iniciou a sua carreira de correspondente internacional (ou de guerra, embora ele não goste do título) na revolução portuguesa do 25 de Abril. O seu trabalho levou-o depois a Belfast, capital da Irlanda do Norte, durante uns anos (e sobre o qual escreveu dois livros) e finalmente ao Médio Oriente. 

A viver há mais de três décadas na sua adorada Beirut, este inglês viveu todos os momentos históricos recentes da região (num sentido mais lato que vai desde Marrocos às fronteiras da Índia). Atravessou o Afeganistão numa coluna militar russa durante a invasão soviética. Conversou com Bin Laden nas grutas controladas pelos Mujahedeen, assim como no Sudão. Entrevistou o Ayatollah Khomeni a seguir à revolução islâmica no Irão. Assistiu a inúmeras batalhas da guerra Irão-Iraque dos dois lados do conflito. E naturalmente cobriu a interminável guerra civil libanesa e as várias intervenções sírias e israelitas nesse país.

Umas notas sobre as poucas vezes em que o nome do nosso país aparece nas páginas dos seus livros: achei particularmente interessante a forma como confrontou Ayatollah Khomeni sobre as atrocidades que estavam a ser cometidas imediatamente a seguir à sua chegada ao poder, perguntando-lhe por que motivo a revolução iraniana não poderia seguir o caminho pacífico da revolução portuguesa. Khomeni ter-lhe-á respondido simplesmente "O Irão não é Portugal". Olhando para os últimos 30 anos, e mesmo sabendo as dificuldades porque passámos, não tenho dúvidas que seguimos o caminho certo. Khomeni não.

Numa ocasião menos feliz, Portugal fica associado aos massacres do governo argelino sobre o seu povo através do chamado "Soares Report" de 1998, a missão das Nações Unidas responsável por procurar informação sobre a situação e liderada pelo antigo Presidente português Mário Soares. Sobre esta análise (mais informação no site das Nações Unidas), Fisk é extremamente crítico já que permitiu ao governo argelino continuar a sua actuação criminosa debaixo de uma aprovação implícita da ONU disfarçada de uma guerra ao terrorismo. Fisk não poupa no entanto os grupos islâmicos que lutavam contra o governo e que têm as suas mãos igualmente manchadas de sangue.

É um daqueles livros que quando o compramos parece grande e quando acabamos parece pequeno. Robert Fisk é viciante: depois do primeiro livro, é inevitável que fiquemos todas as semanas à espera do seu próximo artigo no The Independent. E é uma questão de tempo até termos na prateleira o "Pity the Nation: Lebanon at War". Sobre este livro espero ter oportunidade de escrever também um book review em breve.

Voltando ao "A Grande Guerra pela Civilização, A Conquista do Médio Oriente" o resumo é muito simples: leiam. Se julgam que não terão tempo para o ler, experimentem ler as primeiras trinta páginas. A partir daí vai ser muito fácil inventar o tempo necessário para o ler até à última página.

Chernobyl - O outro 25 de Abril

Chernobyl, 26 de Abril de 1986
Na noite de 25 para 26 de Abril de 1986 uma sucessão de eventos levou ao maior desastre nuclear não militar da história. São muitos os documentários sobre o evento e o que o provocou e suas implicações humanas, ecológicas e políticas.

Com o fim da União Soviética, muitos dos seus segredos foram revelados e novos dados conseguiram revelar um pouco mais do trabalho dos heróis que nos dias, meses e anos que se seguiram evitaram que os danos tivessem sido incomparavelmente maiores. Ainda é muita a informação que não foi desclassificada pelos governos ucraniano e russo, pelo que este assunto ainda nos fará gastar muita tinta. Talvez daqui a umas décadas tudo seja mais claro...

Tanto quanto sei, nenhum documentário será melhor do que este que vos apresento aqui: "A Batalha de Chernobyl" de 2006 realizado por Thomas Johnson.








quarta-feira, 25 de abril de 2012

Merkava - God's Chariot

Merkava (imagem retirada da internet)
Foi na estrada que fazia a longa descida até ao Mar Morto, em pleno território palestiniano que vi um tanque israelita Merkava ao vivo pela primeira vez. Carregado na parte de trás de um camião, a imagem é impressionante e só conseguimos imaginar no medo que seria o vê-lo a avançar na nossa direcção. A sua dimensão é invulgarmente grande, mesmo para um tanque moderno. Mais tarde voltei a vê-los nos enormes quarteis militares israelitas, estacionados às dezenas lado a lado e posteriormente procurei mais informação sobre aquele tanque que tanto me impressionara. Não conseguia imaginar como era possível que as forças palestinianas pudessem fazer fosse o que fosse a estes Merkava apenas munidos das suas impecavelmente limpas AK-47 e os seus uniformes novinhos em folha.

Orgulho do IDF (Israeli Defense Force), o Merkava representa a superioridade militar de Israel no Médio Oriente e não tem nenhum oponente à altura na região. Com cerca de 2000 tanques contruídos, o investimento nesta arma já terá ultrapassado os 6500 milhões dólares e é alvo de bastante controvérsia no seu país de origem sobre a utilidade do investimento e a sua - até agora - incapacidade de exportação.

Foi criado depois das desilusões da guerra de Yom Kippur de 1973 que travaram contra Egipto e Síria, onde as suas forças blindadas dependiam dos ultrapassados tanques americanos Patton e dos ingleses Centurion. O ataque egípcio atravessando o Canal de Suez para recuperar a província perdida do Sinai, destruíu centenas de tanques israelitas utilizando misseis anti-tanques e forçou Israel a repensar todas as suas estratégias militares.

Com o objectivo de manterem a sua independência territorial sem dependências a terceiros (mesmo em relação aos seus maiores aliados), decidiram criar os seu próprio modelo de tanques. O Merkava foi desenhado para que Israel nunca mais perdesse uma batalha contra os seus vizinhos, os mais óbvios sendo o Egipto e a Síria, já que o Líbano e a Jordânia têm forças armadas bastante mais débeis e sem qualquer hipótese numa uma guerra convencional contra o estado Hebraico.

Desde então, várias versões foram feitas com progressivas melhorias, e embora tenham garantido a suprioridade que procuravam, as últimas guerras em que estiveram envolvidos mostraram que não são adequados a todos as ocasiões. Os acordos de paz com o Egipto e Jordânia, reduziram em muito o seu propósito e a frente da Síria através dos Montes Golan mostraram-se mais estáveis do que poderia ser previsto nos anos 70.

Foram no entanto utilizados na Cisjordânia e Gaza onde causaram enorme destruição mas não conseguiam controlar as populações que lhes respondiam com pedras e cocktails Molotov, com igual ineficiência. Em lutas urbanas, guerrilha e contra-terrorismo a utilização de tanques provou-se não só inútil como consegue promover mais violência. Também nas várias invasões sobre o Líbano mostraram-se capazes de chegar onde queriam, mas não de manter uma ocupação ou fazer algo pelo controlo dos campos de refugiados onde tipicamente se encontravam os seus alvos.

Mas o seu grande desafio chegou em 2006, quando tiveram que combater um oponente formidável e determinado, o movimento libanês shiita Hizbullah, que respondeu aos enormes tanques com armas anti-tanques utilizadas a curtíssima distância. Táticas de guerrilha descritas brilhantemente por David Hirst no seu livro "Beware of Small States - Lebanon, Battle of the Middle East", que utilizaram não só estas armas mas túneis, bunkers e milícias bem treinadas. Não só este modern day Blitzkrieg falhou violentamente, sem que os seus objectivos fossem conseguidos (a recuperação dos soldados israelitas raptados na fronteira pelo Hizbullah), como não conseguiu impedir o contra-ataque de bombardeamentos violentos e indiscriminados contra várias cidades israelitas, incluindo Haifa.

A enorme propaganda feita por Israel sobre os seus tanques nas televisões e internet, permitiram ao Hizbullah estudar cuidadosamente o seu inimigo sem sequer precisar de fazer um esforço financeiro significativo. Cuidadosos documentários mostravam o tanque com enorme detalhe e são passados regularmente em canais como o Discovery e o History Channel.  Em 2007, a televisão Al Jazeera fez o seu próprio documentário sobre o Merkava, mostrando os seus sucessos e falhanços. Cobre toda a sua história e os principais conflitos em que teve envolvido, incluindo entrevistas com militares israelitas assim como representantes do Hizbullah (videos do documentário incluídos abaixo).

Numa altura em que uma guerra entre Israel e Irão pode estar prestes a estalar, não será surpreendente se este tanque já quase esquecido pelo mundo volte ao campo de batalha. E com a ligação religiosa, financeira e política entre Hizbullah e Irão, é previsível que um ataque de Israel ao Irão leve a novo confronto nesta longa batalha pelo sul do Líbano. 

Para bem de todos os que terão que ver um Merkava de frente, esperemos que não...




segunda-feira, 23 de abril de 2012

Vaga de Emigração

Desde criança que me lembro de ouvir falar das Remessas de Emigrantes. Nos anos 80, esta era uma das principais componentes da economia portuguesa e chegou a representar quase 10% do PIB. Numa altura em que centenas de milhares de portugueses se lançam para o estrangeiro à procura de oportunidades para trabalhar ou de melhorar os seus salários e oportunidades de carreira, as remessas de emigrantes e o conhecimento adquirido destes profissionais poderão voltar a ser um trunfo para Portugal. Mas para que isto aconteça, os nossos governantes terão que agir em conformidade e não permitirem que esta oportunidade seja perdida.

Muita coisa mudou desde os anos 80, o país deu um salto de gigante na modernização das suas infraestruturas rodoviárias, transportes públicos, ensino, judiciais, etc., a integração europeia permitiu um enorme investimento em muitas áreas críticas, a população nacional aumentou muito o seu nível de escolaridade e várias áreas económicas foram abandonadas e outras descobertas. Para além disso, beneficiamos também de muitos desenvolvimentos tecnológicos das últimas três décadas que permitiram uma mudança radical no estilo de vida e na forma de trabalhar tais como a internet ou o telemóvel. Muitas das ferramentas ao dispor dos governos desapareceram, tais como o controlo fronteiriço e os impostos alfandegários (dentro da UE) ou controlo cambial.

Não obstante todos esses progressos (e em alguns casos retrocessos), Portugal encontra-se novamente numa situação de emergência financeira, económica e social. A situação em que o estado português se encontrava em 2011 e subsequente pedido de resgate colocou o país novamente na mira de especuladores, reduziu brutualmente o investimento e apoios dados pelo estado e por efeito quer psicológico quer real levou os portugueses a consumirem muito menos, adiando todas as compras e investimentos grandes e tornando-se super sensíveis ao preço dos consumos e investimentos aos quais não podem fugir. Para além disso, o nível de impostos necessários para cobrir o buraco das finanças públicas continua a subir atingindo recordes históricos e o número também inédito de desempregados faz com que o número de pessoas dependentes do estado aumente enquanto os que são contribuintes líquidos diminua.

Neste contexto, o número de emigrantes disparou enquanto muitos dos imigrantes regressaram aos seus países de origem ou arriscaram em novas paragens. Quanto mais tempo durar a crise, maiores são as probabilidades de estas pessoas irem cortando os seus laços a Portugal e de não voltarem mais. Para termos noção dos números, e segundo o secretário de estado das comunidades portuguesas, José Cesário, mais de 100 mil portugueses emigraram em 2011 (cerca de 1% da população), para além de milhares de estrangeiros que regressaram aos países de origem (em especial angolanos e brasileiros cujos países crescem neste momento muito acima dos países europeus) e de uma espectável quebra no regresso de emigrantes. A mesma fonte adiantou ao ionline.pt que este vaga começou há cerca de 5 anos e os dados do governo brasileiro mostram que os pedidos de residência permanente por parte de portugueses entre Junho 2010 e Dezembro de 2011 ultrapassaram os 325 mil. Não deverá por isso haver dúvidas da quantidade de pessoas que estão a mudar a sua vida para o estrangeiro.

Naturalmente, o governo português em nada se opõe a este movimento migratório. Aliás, em várias ocasiões, o primeiro ministro e outros membros do governo apoiaram-na publicamente aconselhando os jovens a aproveitar as oportunidades que existem fora do país para ganhar dinheiro e experiência, e construir carreiras que neste momento lhes estão inevitavelmente negadas em Portugal. Não pretendo aqui entrar nas polémicas que foram geradas à volta dessas declarações, limitando-me a dizer que não é diferente do que os meus pais me disseram e do que muitos outros dizem aos seus filhos à medida que vêm as portas fecharem-se uma após a outra dentro do território nacional.

A minha questão é: o que pretendemos fazer em relação a isto para fazer com que estas pessoas não deixem de ser portuguesas ao fim de uns anos ou décadas?

O país fez investimentos colossais no sector da educação durante as últimas décadas. Em 2010 este valor atingiu os 8559 milhões de Euros, só ultrapassado pela Saúde e Segurança Social. Agora outros países vão beneficar destes recursos, uma geração mais qualificada do que qualquer outra que a tenha precedido em Portugal.

Mas as crises não duram para sempre. Nem mesmo esta que ainda nos causará muitas dores antes de ser finalmente esquecida. E o país deve-se preparar para poder receber novamente estes emigrantes e as suas famílias, com os seus conhecimentos adquiridos, capacidade de investimento e know-how do que se faz noutras paragens. Também os conhecimentos pessoais adquiridos noutras paragens (vulgo networking) poderá ser um factor importante para ajudar o crescente sector exportador português a conquistar novos mercados que até aqui nem sabíamos que existiam ou que nos pareciam incrivelmente distantes.

No entanto os emigrantes não voltaram todos a correr ao primeiro sinal de crescimento. Cada um tomará a sua decisão independentemente dos demais e certamente terá como principais factores o emprego e os laços familiares. Os que se casam e têm filhos no estrangeiro terão bons motivos para não regressarem. Mas também são muitos os que tiveram que emigrar deixando para trás a sua família e provavelmente regressarão a Portugal muito mais cedo. Em qualquer caso, estamos a falar de muitas pessoas, muitos conhecimentos e muito dinheiro.

O que eu espero deste e dos próximos governos no que se relaciona a esta temática é que crie todas as condições para que as pessoas voltem, invistam o seu dinheiro, comprem casa nas suas aldeias, que tenham as suas poupanças protegidas, que se esforcem para garantir que os filhos destes não perdem o acesso à língua de Camões, que conseguem visitar Portugal com regularidade. Muitas destas acções não involvem sequer dinheiro significativo, tais como a facilidade de dar vistos de residência e turismo aos familiares dos portugueses residentes no estrangeiro e casados com pessoas de outras nacionalidades. Que as remessas de emigrantes sejam protegidas de taxação excessiva, que a diplomacia portuguesa redobre os seus esforços juntamente com a CPLP de forma a que o ensino da nossa língua no estrangeiro seja facilitado ao máximo.

Não somos o primeiro país passar por uma vaga de emigração. Não é sequer a primeira vez que isto acontece a Portugal. Compreender o fenómeno e perceber como podemos tirar partido dele quando chegar o momento certo pode ser mais um contributo para podermos ver Portugal novamente de cabeça erguida.

domingo, 22 de abril de 2012

A High Price

Book Review

"A High Price, The triumphs and failures of Israeli counterterrorism" é um livro de Daniel Byman, professor da Georgetown University e que trabalhou para o governo norte-americano e na comissão 9/11.

Para além da questão de fundo Israelo-Palestiniana, acredito que é uma área interessante do problema procurarmos saber o que foi feito correcta e incorrectamente pelos serviços secretos e militares israelitas nas suas operações anti-terroristas, já que nenhum país no mundo terá provavelmente sofrido tanto com este tipo de ataques.

Qualquer que seja a nossa posição política ou religiosa, e por muita a ou pouca razão que possa ser dado a cada um dos lados, ninguém terá dúvidas que esta guerra assimétrica entre o judeus israelitas e os árabes que os rodeiam gerou mais ataques terroristas do que qualquer outro conflito desde a segunda guerra mundial.

Não entrarei aqui em grandes questões sobre a definição do que é um acto terrorista aceitando a dada por Byman como sendo "(...) non-state actor's use of or threat of violence against noncombatants for political reasons to produce a broader psycological effect". Tirando a parte do non-state actor (porque acredito que existe que o (terrorismo de estado é um tipo de terrorismo, possivelmente até o mais letal), estou de acordo.

Daniel Byman fez uma pesquisa bastante completa sobre os acontecimentos, incluindo relatos e entrevistas que tornam o livro interessante pois percebemos não só os factos históricos mas também o que alguns dos seus intervenientes e testemunhas pensaram. O próprio admite que o número de fontes e entrevistas terá sido desequilibrado a favor de Israel, o que é notório na forma como utiliza vezes sem conta a frase "em resposta...". Passo a explicar: Num conflito que dura há mais de 60 anos e cujas origens directas remontam ao final do século XIX e ao movimento Zionista, ou se quisermos até dois milénios atrás durante a expulsão dos judeus pelos Romanos, existe sempre um acontecimento anterior. Todos os ataques, de qualquer um dos lados, são sempre uma resposta a todos os acontecimentos anteriores. Para os fanáticos pró-Palestinianos, cada bombista suicída é um movimento de auto-defesa de resposta a um bombardeamento, targeted killing ou invasão. Para os fanáticos pró-Israelitas, cada ataque é uma resposta um bombista suicida, um atentado à bomba ou um rapto. Qualquer pessoa minimamente fria não deveria ter dificuldade em perceber que há muito que ambos os lados estão carregados de culpas. Qualquer pessoa minimamente conhecedora da situação também saberá que em ambos os lados milhões de pessoas procuraram genuinamente a paz e demasiadas vezes são empurradas para aceitar estas "auto-defesas" por serem vítimas da infindável propaganda feita pelos dois lados para além de muitos interesses terceiros. Infelizmente, o autor cai constantemente no erro de referir os acontecimentos como "Palestiniano fez, Israel respondeu, Palestiniano ataca, Israel responde, etc." pondo em causa a independência e liberdade de pensamento que genuinamente procura seguir em todo o seu livro.

Bastante interessantes são as suas descrições de como os acontecimentos vão influenciando as várias decisões ao nível operacional, e que hoje se vão tornando comum não só à El Al (companhia aérea israelita), aeroporto Ben Gurion e outras acções de contra-terrorismo e espionagem, mas também ao nível político e militar, em que as forças do IDF (israeli defence force), Mossad (serviços secretos externos) e Shin Bet (serviços secretos para Israel e Palestina) tiveram que alterar profundamente o seu alcance e metodologia.

Diz-se muitas vezes que não há ética na guerra, e os múltiplos conflitos israelo-árabes mostram que efectivamente não terá sido em conta, com todos os lados a cometerem assassinatos de personagens políticas e diplomáticas, mau tratamento e tortura de prisioneiros e acima de tudo vítimas civis em larga escala resultado de ataques directos (por oposição a vítimas colaterais). Pegando apenas nos mais óbvios de ambos os lados, os atentados suicidas e os bombardeamentos indiscriminados são exemplos disso. No entanto, não concordo que a ética e as leis da guerra não sejam factores a considerar e parece-me que terão sido esquecidos vezes demais pelos actores em causa. O fanatismo religioso tem estado a crescer nas últimas décadas quer em Israel quer na Palestina, Líbano, Egipto e Síria. As invasões do Líbano (como a operação Litani e a operação Small/Big Pine) causaram tantas baixas civis que não estavam de forma alguma envolvidas na resistência palestiniana que levaram à criação do Hizbullah (o "Partido de Deus" constituído por libaneses shiitas) e que se tornou rapidamente num opositor muitíssimo mais temível do que a PLO (Palestinian Liberation Organization) alguma vez fora. Por outro lado, os foguetes Qassam lançados pelo Hamas sobre a pequena cidade de Sderat, não obstante a sua fraca capacidade, mostram a vontade do Hamas de procurar baixas civis tornando Sderat numa espécie de "cidade mártir" para os judeus. Ataques suicídas sobre civis são ainda mais devastadores e se é verdade que assustam a população israelita, por outro levam os seus oponentes a procurar políticos e propostas políticas cada vez mais agressivas e opressoras em relação à Palestina aos israelitas de origem árabe. Em ambos os lados, o custo altíssimo da guerra só é aceite porque cada acto ilegal e imoral do inimigo legitíma mais um passo na escalada da violência.

Todas estas questões - da autoridade moral proclamada por cada um dos lados - não são suficientemente exploradas por Daniel Byman. E não haverá paz nem contra-terrorismo que funcione se cada acção que fazemos ajuda a criar mais umas centenas de terroristas e mais uns milhares de apoiantes de regimes mais violentos.

No entanto, parece-me que Byman chega a uma importante conclusão em relação ao contra-terrorismo israelita e com a qual concordo: os sucessos operacionais têm sido postos em causa pelas más decisões políticas.

A decisão de Ariel Sharon de invadir o Líbano (posteriormente forçada ao primeiro ministro Begin) em 1982 para criar uma zona de segurança conseguiu apenas criar o Hizbullah e matar milhares de civis. A vitória pírrica contra a PLO, levando Arafat para o exílio na Tunísia, não impediu a sua continuação nem o seu posterior regresso à Palestina. No final regressaram às fronteiras originais. A última invasão em 2006 com o mesmo objectivo de criar uma zona de segurança unificou o Líbano debaixo da bandeira do Hizbullah. A prisão de dezenas de milhares de crianças e homens durante as Intifadas criou duas gerações de potenciais terroristas e guerrilheiros. A criação do muro evitou certamente muitos ataques, mas por ter definido novas fronteiras e sempre em prejuízo dos palestinianos, criou um novo problema junto da comunidade internacional e reduziu as hipóteses de uma paz duradoura.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A Panaceia da Educação

Desde que me lembro que ouço a mesma conversa de que a educação é remédio para todos os males do país e dos seus cidadãos. Não tenho dúvidas de a educação é importantíssima e que as nossas vidas seriam muito diferentes - para pior - se todos dependessemos exclusivamente da lições aprendidas na "universidade da vida". No entanto, se isto pode ser uma verdade a um nível estratégico não significa que os seus detalhes sejam indiferentes.

A minha apreensão começou com uma famosa gaffe do então Primeiro Ministro António Guterres, sobre a sua conhecida "paixão pela educação". Depois de afirmar que os gastos com a educação deveriam subir até atingir até aos 5% do PIB, um dos jornalistas presentes pergunta-lhe qual é o valor disso. Guterres começa a gaguejar qualquer coisa como "O PIB são 3.000 milhões de contos... cinco vezes três... quinze... é uma questão de saber fazer as contas".

Os media fizeram a festa durante semanas pelo facto de o primeiro ministro não ter sido capaz de fazer a conta de cabeça, mas não pareceram notar o facto de existirem dois erros bem mais graves na declaração.

Em primeiro lugar, que o PIB naquela altura era de 15.000 milhões de contos, e é muito grave que um primeiro ministro não tenha noção sequer da ordem de grandeza do PIB. Não conseguiu sequer acertar no número de dígitos. Mas adiante...

O segundo erro, mais profundo, é esta vontade de gastar dinheiro, de resolver os problemas inundando-os de contos (ou euros hoje em dia). A própria frase demonstra que o objectivo é o de atingir um determinado nível de gastos, medido pelo dinheiro investido, e não o de conseguir objectivos ao nível de licenciados, de cobrir falhas específicas, de corrigir desequilíbrios entre oferta e procura de recursos humanos ou de aposta numa ou outra área que o país pretende apostar no futuro.

Não obstante o enorme incremento do número de licenciados, conhecemos todos demasiados casos de gente que (1) acabou os seus estudos e emigrou, (2) que estudaram para acabarem empregados em áreas diferentes (muitas vezes profissões "piores" aos olhos dos próprios) ou (3) que continuam a fazer mestrados, doutoramentos e outras especializações por falta de lugar no mercado de trabalho.

São três situações que parecem cada vez mais comuns e onde o país (em conjunto com as famílias) não consegue capitalizar o esforço que fez na educação das pessoas. Para que fique claro, não ponho de forma alguma em causa a opção destas pessoas que legitimamente estão a tentar tomar conta de si e dos seus. E quando o fazem, seja emigrando, aceitando empregos em áreas diferentes ou aproveitando as oportunidades de continuar a estudar, estão a tomar decisões legítimas e lógicas. Mas o investimento do país está feito. E tentar, como o nosso antigo Primeiro Ministro, simplificar a "paixão pela Educação" a um número em euros. Ou continuaremos a cometer o erro de gastar milhares de milhões que são depois desaproveitados ou aproveitados apenas por outros países.

Há quantas décadas sabemos que o número de advogados, biólogos e professores de inúmeras áreas são muito mais do que as necessidades do país? Por que motivo continuamos a promover que mais e mais estudantes sigam esses caminhos? Há quantas décadas sabemos que faltam médicos, informáticos e técnicos especializados? Por que motivo continuamos a impedir a criação de universidades e escolas para algumas dessas áreas e ceder a chantagens de grupos de pressão?

Eu não tenho dúvidas de que a Educação é a mais poderosa de todas as formas de tirar uma pessoa ou um povo da pobreza. Mas isso não significa que todo e qualquer Euro lá gasto seja bem gasto.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Gunther Grass - O que tem que ser dito

Aqui fica o poema de Gunther Grass publicado recentemente e que já foi recebido com a habitual crítica de "anti-semitismo". Naturalmente, como falou daquele elefante na sala que todos fingem ignorar (as bombas nucleares de Israel), o veredicto dos media não poderia ser outro. Como a isso se associa ainda a hipocrisia dos media ocidentais e o complexo de culpa alemão, a situação só poderia mesmo piorar...

O que há a dizer
(tradução "Jornal de Negócios")

Porque guardo silêncio, há demasiado tempo,
sobre o que é manifesto
e se utilizava em jogos de guerra
em que no fim, nós sobreviventes,
acabamos como meras notas de rodapé.

É o suposto direito a um ataque preventivo,
que poderá exterminar o povo iraniano,
conduzido ao júbilo
e organizado por um fanfarrão,
porque na sua jurisdição se suspeita
do fabrico de uma bomba atómica.

Mas por que me proibiram de falar
sobre esse outro país [Israel] onde há anos
- ainda que mantido em segredo –
se dispõe de um crescente potencial nuclear,
que não está sujeito a qualquer controlo,
já que é inacessível a qualquer inspecção?

O silêncio geral sobre esse facto,
a que se sujeitou o meu próprio silêncio,
sinto-o como uma gravosa mentira
e coacção que ameaça castigar
quando não é respeitada:
“anti-semitismo” se chama a condenação.

Agora, contudo, porque o meu país,
acusado uma e outra vez, rotineiramente,
de crimes muito próprios,
sem quaisquer precedentes,
vai entregar a Israel outro submarino
cuja especialidade é dirigir ogivas aniquiladoras
para onde não ficou provada
a existência de uma única bomba,
se bem que se queira instituir o medo como prova… digo o que há a dizer.

Por que me calei até agora?
Porque acreditava que a minha origem,
marcada por um estigma inapagável,
me impedia de atribuir esse facto, como evidente,
ao país de Israel, ao qual estou unido
e quero continuar a estar.

Por que motivo só agora digo,
já velho e com a minha última tinta,
que Israel, potência nuclear, coloca em perigo
uma paz mundial já de si frágil?
Porque há que dizer
o que amanhã poderá ser demasiado tarde,
e porque – já suficientemente incriminados como alemães –
poderíamos ser cúmplices de um crime
que é previsível,
pelo que a nossa quota-parte de culpa
não poderia extinguir-se
com nenhuma das desculpas habituais.

Admito-o: não vou continuar a calar-me
porque estou farto
da hipocrisia do Ocidente;
é de esperar, além disso,
que muitos se libertem do silêncio,
exijam ao causante desse perigo visível
que renuncie ao uso da força
e insistam também para que os governos
de ambos os países permitam
o controlo permanente e sem entraves,
por parte de uma instância internacional,
do potencial nuclear israelita
e das instalações nucleares iranianas.

Só assim poderemos ajudar todos,
israelitas e palestinianos,
mas também todos os seres humanos
que nessa região ocupada pela demência
vivem em conflito lado a lado,
odiando-se mutuamente,
e decididamente ajudar-nos também.




What must be said
(tradução "themovingsilent")

Why I am silent, silent for too much time,
how much is clear and we made it
in war games, where, as survivors,
we are just the footnotes

That is the claimed right to the formal preventive aggression
which could erase the Iranian people
dominated by a bouncer and moved to an organized jubilation,
because in the area of his competence there is
the construction of the atomic bomb

And then why do I avoid myself
to call the other country with its name,
where since years – even if secretly covered -
there is an increasing nuclear power,
without control, because unreachable
by every inspection?

I feel the everybody silence on this state of affairs,
which my silence is slave to,
as an oppressive lie and an inhibition that presents punishment
we don’t pay attention to;
the verdict “anti-Semitism” is common

Now, since my country,
from time to time touched by unique and exclusive crimes,
obliged to justify itself,
again for pure business aims – even if
with fast tongue we call it “reparation” -
should deliver another submarine to Israel,
with the specialty of addressing
annihilating warheads where the
existence of one atomic bomb is not proved
but it wants evidence as a scarecrow,
I say what must be said

Why did I stay silent until now?
Because the thought about my origin,
burdened by an unclearing stain,
had avoiding to wait this fact
like a truth declared by the State of Israel
that I want to be connected to

Why did I say it only now,
old and with the last ink:
the nuclear power of Israel
threat the world peace?
Because it must be said
what tomorrow will be too late;
Because – as Germans and with
enough faults on the back -
we might also become deliverers of a predictable
crime, and no excuse would erase our complicity

And I admit: I won’t be silent
because I had enough of the Western hypocrisy;
Because I wish that many will want
to get rid of the silence,
exhorting the cause of a recognizable
risk to the abdication, asking that a free and permanent control
of the Israel atomic power
and the Iran nuclear bases
will be made by both the governments
with an international supervision

Only in this way, Israelis, Palestinians, and everybody,
all people living hostile face to face in that
country occupied by the craziness,
will have a way out,
so us too

segunda-feira, 2 de abril de 2012

AK-47

Decidi escrever sobre esta espingarda de assalto quando estava a olhar para as minhas prateleiras e reparei na quantidade de capas que as incluem. Tenho bastantes livros sobre o Médio Oriente e o mundo Árabe fruto de intensas viagens durante os últimos 6 anos e embora alguns sejam sobre cultura e artes, a maioria são sobre história e guerra.

Esta arma de fogo, criada em 1947 na antiga União Soviética por Mikhail Kalashnikov (daí o nome AK-47), tornou-se no símbolo de todas as revoluções desde os anos 50. É conhecida por ser uma arma de enorme potência e tão simples de usar que pode ser transportada e disparada por uma criança, o que infelizmente aconteceu e continua a acontecer em grande escala em tantos conflitos da África, Médio Oriente, Ásia e América Latina.

O simbolismo da Kalash é tal que é a única arma de fogo que aparece numa bandeira de um país (Moçambique). Existem mais uns poucos com armas, como a Arábia Saudita, Swazilandia ou Sri Lanka mas todos eles são países recentes com armas cerimoniais clássicas na bandeira.

Já me deparei com AKs diversas vezes durante a última década em muitos lugares diferentes. Na televisão, os documentários do Discovery e History Channel sobre esta arma, comparações entre esta e a americana M16 entre muitos outros programas onde a dita, não sendo a protagonista, aparece constantemente nas mãos das figuras centrais em causa. Nos meus livros, saltam à vista as capas de "A High Price" de Daniel Byman, "O Palestiniano" de Antonio Salas, "Meninos Soldados" de Jimmie Brigs e o "The Great War for Civilization" de Robert Fisk. Este último autor descreve num dos seus livros uma entrevista que fez ao criador da arma, procurando entender o que este sente em relação à sua utilização, mas o resultado da conversa é deprimente. Talvez a mais exemplificativa descrição desta assault rifle venha no entanto de Hollywood, no filme "Lord of War" onde um traficante de armas (representado por Nicolas Cage) se refere a uma como sendo a verdadeira arma de destruição massiva.

Nos media escritos, é sempre curioso o fenómeno destas armas receberem um "prefixo" de russian made ou soviet era. É como se os jornalistas nos quisessem relembrar de que existe uma maldade implícita e especial nestas armas que não encontraremos numa M-16 ou numa G3. Não tinha notado estas mensagens subliminares até ver este fenómeno descrito num dos artigos de opinião de Robert Fisk no "The Independent". Desde então tenho mantido um controlo mais apertado e de facto isto acontece com uma regularidade impressionante.

Felizmente nunca tive nenhuma apontada na minha direcção, e talvez por isso consigo olhar para a AK-47 de forma fria, nos seus impactos na história da região em que me habituei a viver e no brilhantismo técnico desta máquina de ceifar vidas. O mesmo não posso dizer de outras armas competidoras, como a M-16 que tive apontada a centímetros do meu peito, mas essa história terá que ficar para outra ocasião.

Salvo erro, encontrei a Kalashnikov pela primeira vez nos desertos do Sahara Ocidental quando numa longa viagem de descoberta por Marrocos resolvemos sair do caminho previsto para espreitar por este território ocupado. Nessa altura, a própria noção de ocupação era-me completamente estranha e se não fosse pela fluência em espanhol dos habitantes mais velhos da região provavelmente teríamos ficado sem saber que muitas das pessoas à nossa volta eram colonos. Enviados pelo governo marroquino em grandes números, estes "novos" Sahrawi vão rapidamente alterando a demografia do país de forma a que quando o inevitável referendo chegue, os votos pró-Marrocos possam sair vencedores. Para garantir este desfecho, o referendo vai sendo adiado vezes sem conta e 20 anos depois ainda não foi feito.

Ao contrário de Marrocos propriamente dita, onde a presença policial não é significativa, no Sahara Ocidental os check points seguem-se uns atrás dos outros, por vezes com distâncias de centenas de metros entre eles e onde as AK-47 são rainhas. Não estive em contacto com os rebeldes da frente Polisario (os independentistas) mas não será difícil de imaginar que terão às costas as mesmíssimas armas russas. Essa viagem tornou-se algo sui generis, e entre as viagens feitas no Sahara Ocidental e o sudeste de Marrocos (algo marcado no nosso guia como disputed territory) os check-points sucediam-se sem que conseguíssemos perceber exactamente quem nos estava a mandar parar. Em pelo menos uma situação o motorista do autocarro pediu para nos escondermos debaixo dos bancos, aparentemente porque a presença de estrangeiros estava a atrasar a viagem a toda a gente. Não é muito claro o que teria acontecido se os guardas notassem, mas por algum motivo estava bastante confiante que não aconteceria nada de especial.

Uns anos mais tarde, visitei todas as repúblicas da ex-Jugoslávia onde embora esta arma não estivesse particularmente visível, os seus estragos estavam por todo o lado, especialmente nas cidades bósnias de Sarajevo e Mostar. Tinham-se passado poucos anos do fim da guerra civil e do terrível cerco de Sarajevo, e as cicatrizes de balas e explosões de morteiro estavam em todo e qualquer edifício. Embora para a história fique o terror causado pelos atiradores furtivos no que ficou conhecido como o sniper alley, esta guerra foi feita com todas as armas disponíveis pelos três lados do conflito e tendo sido construídas até hoje 100 milhões de AK-47's não é de estranhar que milhares destas tenham sido utilizadas nesta guerra. Terão sido estas as armas utilizadas no ínfame massacre de Srebrenica, onde 8000 homens e rapazes bósnios foram assassinados. Um video que incluí extrema violência no youtube, e do qual naturalmente não posso confirmar a autenticidade, mostra a utilização dessas armas durante o massacre de Julho de 1995 (http://www.youtube.com/watch?v=SpJKYQwDcFM).

Continuei a vê-as vezes sem conta até me habituar à sua presença durante os anos que vivi na Palestina. Oficialmente a Palestina não tem exército pelo que percebi, por isso debaixo de uma insígnia de polícia, homens armados com AK-47 e com uniformes de aparência militar guardavam as principais ruas de Ramallah, as residências oficiais dos políticos e os ministérios. Felizmente não passei durante todo esse tempo nenhuma situação digna de nota com estes polícias/militares e as poucas vezes que fui parado em operações stop por estes agentes foram sempre perfeitamente pacíficas.

No entanto, aconteceu um evento relacionado que acho que vale a pena relatar. Aconteceu em 2008 quando o tempo começava a aquecer. Assisti a um jogo de futebol da liga dos campeões do Liverpool com um pequeno grupo que incluia um inglês, um palestiniano e mais uma ou outra pessoa. Devido à diferença horária, os jogos da Champions passam bastante tarde e quando acabou decidimos ir à zona central de Ramallah (Al Manara) para tentar comer alguma coisa. Enquanto nos dirigíamos de carro começavamos a ver carrinhas pick up cheias de gente com os tradicionais Keffiyeh carregados de AK-47 e outras armas de fogo. Faziam imenso barulho e disparavam ocasionalmente para o ar.

Nós - os estrangeiros - olhávamos uns para os outros sem saber muito bem o que dizer dada a total ausência de comentários do palestiniano em relação ao evento que parecia retirado de um filme de guerra do Médio Oriente. A conversa manteve-se ainda durante algum tempo sobre os detalhes do jogo de futebol que acabáramos de assistir durante o percurso de Al Bira para Ramallah (são menos de 5 minutos de viagem).

Quanto mais nos aproximavamos de Al Manara mais carrinhas víamos e mais o tiroteio se tornava audível. Nesta praça, facilmente reconhecível pelas estátuas de leões tipicamente pintadas de forma bastante amadora, encontra-se sempre uma visível presença policial da Autoridade Palestiniana, pelo que achamos que estaria mais calma. Não só era neste local que se encontrava a origem das rajadas que vínhamos ouvindo como isto estava a acontecer em frente dos polícias e militares que mostravam um sorriso descontraído e satisfeito.

É quando o carro fica estacionado que finalmente desbloqueamos a pergunta que exigia resposta urgente. Afinal de contas, e mesmo sendo Ramallah uma cidade bastante mais heterogénea e cosmopolita do que a maior parte da Palestina, ser estrangeiro chama sempre mais a atenção. E não é bom ser o centro das atenções quando está toda a gente munida de AK-47's e em modo trigger happy:

- Queres-nos explicar o que é que se passa?

- São só os universitários que estão todos felizes porque pela primeira vez em muitos anos, as eleições da associação de estudantes foram ganhas pelo grupo próximo da Fatah [partido de Yasser Arafat e Mahmoud Abbas e que controlavam nesta altura a Cisjordânia, onde se encontra Ramallah]

- E não devíamos ter cuidado por causa de todas essas armas aos tiros?

E a resposta final foi feita com um sorriso troçista:

- Se não estão a apontar para ti não precisas de te preocupar.

Com mais algum tempo e bastante mais curiosidade, lá acabamos por perceber que as eleições estudantis são aceites na Palestina como um indicador da sociedade. Depois de Gaza e a Cisjordânia virarem as costas (o primeiro ficando debaixo do controlo do Hamas e o segundo da Fatah), e sabendo que o Hamas era o legítimo vencedor das eleições dois anos antes (Janeiro de 2006), estes resultados deram força a Mahmoud Abbas (presidente da Autoridade Palestiniana) e a Salam Fayyad (primeiro ministro) e seu governo formados na base de "emergência nacional" pelo presidente em 2007.

Suspeito que ainda verei muitas mais AK-47 na minha vida. Que tenha sempre a sorte de estarem apontadas ao céu ou adormecidas...