O conflito israelo-árabe tem tantos episódios, peripécias e traições de todos os envolvidos (incluindo as superpotências mundias e as potências regionais) que acredito sinceramente que continuará a ser centro das atenções mundiais durante muitas décadas ou ainda mais do que isso.
Este artigo refere-se à resolução das Nações Unidas de 1967, que conclui a guerra dos 6 dias, onde os exércitos israelitas atacam e vencem uma combinação de países árabes e conquistando a totalidade da Cisjordânia, Gaza, os montes Golan e o Sinai, e representa mais um desses eventos históricos cujas reprecursões se estendem por décadas.
É provavelmente a mais famosa de todas as resoluções da ONU, e em todas as conversações de paz ouvimos a discussão sobre as fronteiras de 1967, objecto desta mesma resolução da ONU.
Mas o mais curioso desta resolução é um pequeno "erro ortográfico". Um que tem permitido a um dos partes defender que está a cumprir a sua parte do acordo, mesmo quando é totalmente evidente que não é verdade. Este quid pro quo tem implicações vastas, mas resume-se a apenas uma palavra: "the", ou seja, o artigo definido "os" que está ausente. Para tornar a questão mais interessante, a resolução está escrita em duas línguas: inglês e francês. E na versão francesa, o artigo definido está lá ("des") o que demonstra o espírito original da resolução que todos estavam a assinar, mesmo que o mínimo bom senso não fosse suficiente.
Vejamos o original: coloquei uma imagem da resolução original em baixo, com uma caixa vermelha a definir o artigo em causa e um sublinhado laranja com a frase (em inglês e françês) que demonstra claramente o que está em causa.
Traduzindo para português temos na versão inglesa:
(i) Retirada das forças armadas de Israel de territórios ocupados durante o recente conflito.
e na versão francesa:
(i) Retirada das forças armadas de Israel dos territórios ocupados durante o recente conflito.
A alteração do artigo definido para o artigo indefinido muda totalmente o sentido. Em inglês, Israel está comprometido a fazer retiradas, sem especificar quais. No francês, Israel terá de desocupar os territórios que conquistou neste conflito, ou seja, todos os relativos à guerra dos 6 dias.
Obviamente isto não foi um erro. Foi uma jogada diplomática. De mau gosto e que custou e continuará a custar muitas vidas. Foi mais uma oportunidade perdida para conseguir paz, segurança e independência para todos os povos da região. E é utilizada pelos governos israelitas para continuarem a ocupar os territórios palestinianos enquanto afirmam que cumpriram a resolução 242 porque retiraram de alguns territórios. Nem que isso tenha sido só um quintal.
só uma curiosidade/preciosismo, qual das versões foi efectivamente "assinada" pelos dirigentes?
ResponderEliminarPelo que consegui perceber o documento tem nas duas línguas. Aliás, aquela imagem que ali coloquei e onde assinalei a parte em causa foi retirado de um PDF que fui buscar ao site da UN.
EliminarÉ um preciosismo sim, mas mostra o nível legalista a que chegam coisas que qualquer mortal não teria dificuldade em compreender o espírito do acordo.