Book Review
Publicado em Portugal pela Tinta da China e escrito por John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt, "O Lóbi de Israel e a Política Externa dos EUA" é um livro fascinante que nos leva ao mundo sinistro da política e da diplomacia.
No nosso país, o próprio termo "lóbi" tem uma tal conotação negativa que é usado quase exclusivamente como um insulto ou no âmbito de processos criminais. Obviamente Portugal também tem grupos de interesse, mas não são organizados e legalizados da mesma forma que nos Estados Unidos. Obviamente, também não têm a sua dimensão nem a mesma capacidade de influenciarem os rumos do mundo.
Um dos grandes méritos do livro é que é sério. Não é anti-semita, anti-judeu ou anti-israelita. Não entra sequer na questão se deveriam ou não existir lóbis, mas limita-se a estudar o fenómeno deste lóbi que é tido por muitos políticos americanos como o mais eficaz e agressivo de todos os grupos de interesse a trabalhar em Washington.
A lógica do livro é explicada logo nas suas primeiras páginas e fica perfeitamente definida no seu índice. A primeira parte trata a relação dos EUA com o Lóbi. Começa por provar a relação especial que existe entre os dois países e o apoio financeiro, diplomático e militar que transforma o estado norte americano no "grande benfeitor" de Israel. Depois desmonta os dois grandes argumentos utilizados para explicar esse apoio: o de trunfo estratégico e o da questão moral.
Estrategicamente, a terra santa não é particularmente interessante para os EUA já que não tem nenhum recurso único, escasso ou fulcral para a economia americana. Também o argumento utilizado durante décadas de que Israel seria o único estado que poderia por travão às ambições soviéticas na região, não só está obsoleto, como mesmo antes de 1989 tinha sérias falhas (já que foi o apoio americano a Israel forçou muitos países a pedirem apoio a Moscovo dadas as dificuldades em travarem o estado judáico). Para além disso, mesmo sendo Israel de longe a maior potência militar do médio oriente o facto de ser um estado-pária na região faz com que os próprios americanos não os queiram como aliados nas guerras em que a América se envolve, pelo risco de provocar uma união entre todos os outros do lado contrário. Isto viu-se por exemplo em 1991, durante a operação Tempestade no Deserto, onde não obstante os misséis Scud iraquianos cairem em grandes números sobre Israel, os EUA pediu para que eles nunca retaliassem. O mesmo aconteceu em 2003, quando os norte americanos regressaram para finalizar o trabalho, em que uma aliança de inúmeros países apoiou os estados unidos mas onde Israel ficou novamente de fora. Por fim, o apoio a Israel tem dificultado grandemente a posição política dos aliados árabes dos EUA devido às populações que consideram os seus líderes como fantoches por não se imporem face à flagrante dualidade de critérios dos EUA entre as acções feitas pelos governos israelita e árabes.
Em termos morais, o argumento também é desfeito de várias formas. Por um lado, são muitos os sinais de que o estado judáico representa muito mais um Apartheid do que um estado democrático ocidental. As leis não são independentes da etnia ou religião, e execução destas muito menos. Se o apoio massivo americano dependesse de uma motivação moral, então ele deveria crescer ou diminuir consoante as suas acções. No entanto essa relação não existe. Podemos ver isso quando novos colonato ilegais são construidos por Israel na Cisjordânia, quando invadiram o Líbano contra a vontade americana, etc. em que não houve qualquer diminuição dos fundos concedidos.
Em seguida, o livro trata do que é o lóbi propriamente dito. Não é uma conspiração, não tem uma liderança única nem controla directamente o governo americano. São um conjunto de instituições judaícas conservadoras complementado pelos sionistas cristãos, os neo-conservadores e muitos outros cidadãos americanos que de uma forma ou outra se juntam à causa de Israel. Nem sempre concordam uns com os outros embora façam um esforço notório para manter as suas diferenças longe do grande público. Nunca criticam Israel independentemente de quem é o governo num determinado momento e trabalham a vários níveis influenciando políticos, o mundo académico e - claro - a opinião pública.
Regra geral, os seus métodos são considerados legais nos Estados Unidos embora em algumas situações tenham ultrapassado as marcas. Tipicamente financiam enormes somas de dinheiro para as eleições de congressistas e senadores depois de estes provarem o seu compromisso para com o lóbi e o estado de Israel. Em casos em que algum membro eleito faz frente ao lóbi, procuram no mercado uma alternativa e encontram investidores de todo o país para promoverem este novo aliado. Noutras situações, acusam publicamente personagens que não lhes são próximas de anti-semitismo, organizam e financiam think-tanks de forma a inundar os jornais de artigos de opinião e notícias que sigam os seus interesses e procuram alterar nomeações de professores e conferencistas que não os agradem. Em muitos casos, os seus alvos são judeus que não seguem o discurso pré-definido internamente.
Na segunda parte do livro, os autores mostram como o lóbi se moveu para apoiar financeira, militar e diplomaticamente o estado judaico em diferentes situações tais como o conflito israelo-palestiniano, o Iraque, Síria, Irão e Líbano. Embora todos estes casos estejam muito bem expostos e documentados por Mearsheimer e Walt, o mais interessante na minha opinião foi o da invasão do Iraque de 2003: ao contrário do que muitos defendem, eu próprio já coloquei neste blog o documentário "The Oil Factor: Behind the War on Terror" que segue essa linha de raciocínio, estes autores procuram provar que o motivo estará muito mais na actuação do Lóbi de Israel do que dos Lóbies do Petróleo e Armamento. A sua opinião está extremamente bem defendida e é um dos mais intrigantes capítulos do livro, principalmente porque na época a opinião pública anti-guerra apontou o dedo aos outros dois grupos de interesse referidos.
No seu final, o livro dedica-se às formas que existem para tentar controlar a influência deste lóbi, reverter os danos causados e garantir que os interesses do país (os Estados Unidos no caso) são colocados à frente dos interesses de nações estrangeiras. O caminho que indicam resume-se a:
- identificar os interesses dos EUA no Médio Oriente
- delinear uma estratégia para proteger esses interesses
- desenvolver uma nova relação com Israel
- pôr fim ao conflito israelo-palestiniano (solução de dois estados)
- transformar o lóbi numa força construtiva
Resumindo este novo roteiro, o que se propõe é que os Estados Unidos voltem a comportar-se como árbitro e não como player. Que obrigue - e dada a dependência da ajuda externa quer de Israel quer da Palestina têm isso é possível - a que ambos os lados cedam oferecendo a ambos plena independência e segurança, normalizando as relações de Israel com todos os países árabes (ou seja, pegando novamente no plano saudita entretanto minado e encostado por influência do próprio lóbi). E ainda a criação de novos lóbies judaicos que representem a pluralidade de pensamento que existe na comunidade judaica-americana.
Tudo isto pode parecer utópico, mas como já aqui escrevi inúmeras vezes, não existe outra solução senão continuar a tentar. E pelo menos um raio de esperança nasceu depois da publicação deste livro: em Abril de 2008, um novo lóbi judaico - J Street[1] - tem crescido com ideias muito diferentes dos seus rivais AIPAC, American Jewish Committee, Anti-Defamation League entre outros actores principais do chamado Lóbi de Israel. Este grupo de interesse tem ganho cada vez mais importância e junta a sua voz ao que todo o mundo, incluindo muitos israelitas e palestinanos, pede: paz no Médio Oriente.
Publicado em Portugal pela Tinta da China e escrito por John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt, "O Lóbi de Israel e a Política Externa dos EUA" é um livro fascinante que nos leva ao mundo sinistro da política e da diplomacia.
No nosso país, o próprio termo "lóbi" tem uma tal conotação negativa que é usado quase exclusivamente como um insulto ou no âmbito de processos criminais. Obviamente Portugal também tem grupos de interesse, mas não são organizados e legalizados da mesma forma que nos Estados Unidos. Obviamente, também não têm a sua dimensão nem a mesma capacidade de influenciarem os rumos do mundo.
Um dos grandes méritos do livro é que é sério. Não é anti-semita, anti-judeu ou anti-israelita. Não entra sequer na questão se deveriam ou não existir lóbis, mas limita-se a estudar o fenómeno deste lóbi que é tido por muitos políticos americanos como o mais eficaz e agressivo de todos os grupos de interesse a trabalhar em Washington.
A lógica do livro é explicada logo nas suas primeiras páginas e fica perfeitamente definida no seu índice. A primeira parte trata a relação dos EUA com o Lóbi. Começa por provar a relação especial que existe entre os dois países e o apoio financeiro, diplomático e militar que transforma o estado norte americano no "grande benfeitor" de Israel. Depois desmonta os dois grandes argumentos utilizados para explicar esse apoio: o de trunfo estratégico e o da questão moral.
Estrategicamente, a terra santa não é particularmente interessante para os EUA já que não tem nenhum recurso único, escasso ou fulcral para a economia americana. Também o argumento utilizado durante décadas de que Israel seria o único estado que poderia por travão às ambições soviéticas na região, não só está obsoleto, como mesmo antes de 1989 tinha sérias falhas (já que foi o apoio americano a Israel forçou muitos países a pedirem apoio a Moscovo dadas as dificuldades em travarem o estado judáico). Para além disso, mesmo sendo Israel de longe a maior potência militar do médio oriente o facto de ser um estado-pária na região faz com que os próprios americanos não os queiram como aliados nas guerras em que a América se envolve, pelo risco de provocar uma união entre todos os outros do lado contrário. Isto viu-se por exemplo em 1991, durante a operação Tempestade no Deserto, onde não obstante os misséis Scud iraquianos cairem em grandes números sobre Israel, os EUA pediu para que eles nunca retaliassem. O mesmo aconteceu em 2003, quando os norte americanos regressaram para finalizar o trabalho, em que uma aliança de inúmeros países apoiou os estados unidos mas onde Israel ficou novamente de fora. Por fim, o apoio a Israel tem dificultado grandemente a posição política dos aliados árabes dos EUA devido às populações que consideram os seus líderes como fantoches por não se imporem face à flagrante dualidade de critérios dos EUA entre as acções feitas pelos governos israelita e árabes.
Em termos morais, o argumento também é desfeito de várias formas. Por um lado, são muitos os sinais de que o estado judáico representa muito mais um Apartheid do que um estado democrático ocidental. As leis não são independentes da etnia ou religião, e execução destas muito menos. Se o apoio massivo americano dependesse de uma motivação moral, então ele deveria crescer ou diminuir consoante as suas acções. No entanto essa relação não existe. Podemos ver isso quando novos colonato ilegais são construidos por Israel na Cisjordânia, quando invadiram o Líbano contra a vontade americana, etc. em que não houve qualquer diminuição dos fundos concedidos.
Em seguida, o livro trata do que é o lóbi propriamente dito. Não é uma conspiração, não tem uma liderança única nem controla directamente o governo americano. São um conjunto de instituições judaícas conservadoras complementado pelos sionistas cristãos, os neo-conservadores e muitos outros cidadãos americanos que de uma forma ou outra se juntam à causa de Israel. Nem sempre concordam uns com os outros embora façam um esforço notório para manter as suas diferenças longe do grande público. Nunca criticam Israel independentemente de quem é o governo num determinado momento e trabalham a vários níveis influenciando políticos, o mundo académico e - claro - a opinião pública.
Regra geral, os seus métodos são considerados legais nos Estados Unidos embora em algumas situações tenham ultrapassado as marcas. Tipicamente financiam enormes somas de dinheiro para as eleições de congressistas e senadores depois de estes provarem o seu compromisso para com o lóbi e o estado de Israel. Em casos em que algum membro eleito faz frente ao lóbi, procuram no mercado uma alternativa e encontram investidores de todo o país para promoverem este novo aliado. Noutras situações, acusam publicamente personagens que não lhes são próximas de anti-semitismo, organizam e financiam think-tanks de forma a inundar os jornais de artigos de opinião e notícias que sigam os seus interesses e procuram alterar nomeações de professores e conferencistas que não os agradem. Em muitos casos, os seus alvos são judeus que não seguem o discurso pré-definido internamente.
Na segunda parte do livro, os autores mostram como o lóbi se moveu para apoiar financeira, militar e diplomaticamente o estado judaico em diferentes situações tais como o conflito israelo-palestiniano, o Iraque, Síria, Irão e Líbano. Embora todos estes casos estejam muito bem expostos e documentados por Mearsheimer e Walt, o mais interessante na minha opinião foi o da invasão do Iraque de 2003: ao contrário do que muitos defendem, eu próprio já coloquei neste blog o documentário "The Oil Factor: Behind the War on Terror" que segue essa linha de raciocínio, estes autores procuram provar que o motivo estará muito mais na actuação do Lóbi de Israel do que dos Lóbies do Petróleo e Armamento. A sua opinião está extremamente bem defendida e é um dos mais intrigantes capítulos do livro, principalmente porque na época a opinião pública anti-guerra apontou o dedo aos outros dois grupos de interesse referidos.
No seu final, o livro dedica-se às formas que existem para tentar controlar a influência deste lóbi, reverter os danos causados e garantir que os interesses do país (os Estados Unidos no caso) são colocados à frente dos interesses de nações estrangeiras. O caminho que indicam resume-se a:
- identificar os interesses dos EUA no Médio Oriente
- delinear uma estratégia para proteger esses interesses
- desenvolver uma nova relação com Israel
- pôr fim ao conflito israelo-palestiniano (solução de dois estados)
- transformar o lóbi numa força construtiva
Resumindo este novo roteiro, o que se propõe é que os Estados Unidos voltem a comportar-se como árbitro e não como player. Que obrigue - e dada a dependência da ajuda externa quer de Israel quer da Palestina têm isso é possível - a que ambos os lados cedam oferecendo a ambos plena independência e segurança, normalizando as relações de Israel com todos os países árabes (ou seja, pegando novamente no plano saudita entretanto minado e encostado por influência do próprio lóbi). E ainda a criação de novos lóbies judaicos que representem a pluralidade de pensamento que existe na comunidade judaica-americana.
Tudo isto pode parecer utópico, mas como já aqui escrevi inúmeras vezes, não existe outra solução senão continuar a tentar. E pelo menos um raio de esperança nasceu depois da publicação deste livro: em Abril de 2008, um novo lóbi judaico - J Street[1] - tem crescido com ideias muito diferentes dos seus rivais AIPAC, American Jewish Committee, Anti-Defamation League entre outros actores principais do chamado Lóbi de Israel. Este grupo de interesse tem ganho cada vez mais importância e junta a sua voz ao que todo o mundo, incluindo muitos israelitas e palestinanos, pede: paz no Médio Oriente.