quarta-feira, 28 de novembro de 2012

24 hours for Palestine

Carta que recebi do Avaaz e cuja assinatura da petição online recomendo. Para já, pelo que percebi para além de Portugal, também a Espanha e França votarão favoravelmente à entrada da Palestina nas Nações Unidas como estado observador não-membro.




Only 24 hours until the UNGA vote, we are winning country after country across Europe with our massive push. Click below to sign up and send a direct message:

Dear Avaazers,


In 24 hours the UN will vote on whether to recognise a Palestinian state. 1.6 million of us have helped get over 100 countries to back this historic peace initiative! But Israel's far-right government is furiously opposing it and many countries are still on the fence -- let's get to 2 million voices for Palestinian freedom!  

Sign the petition
In 24 hours, the UN will face a historic vote on Palestinian statehood. While extremists in Israel and Gaza killed civilians on both sides last week, responsible leaders backed this peace initiative, and it needs our help to win.

UN recognition of Palestine could help end 40 years of repression and lead to two states -- Israel and Palestine -- living in peace and security side by side. 1.6 million of us have signed on and helped get over 100 countries to support the bid! But Israel's far-right government is lobbying hard and many countries are still on the fence.

Heads of state are deciding right now. Our petition is already being widely covered in the media and delivered through actions like a 4 storey-high flag (at right) in front of key government buildings. Click below and let's get to 2 million voices for a freedom and peace that the Palestinian people have not known for a generation:

http://www.avaaz.org/en/palestine_worlds_next_nation_eu_rb/?bVEOXbb&v=19616

After the terrible violence and killings in Gaza and Southern Israel in recent weeks, the urgency for a sustainable solution could not be more obvious. This is a legitimate, non-violent proposal that could turn the tide on endless bad-faith 'peace' talks that simply provide cover for the steady illegal colonization of Palestine by Israeli ‘settlements’. This bid could rescue the path to a fair peace process between two states.

The Israeli and US governments are strangely calling the Palestinian bid ‘unilateral’, when in fact it's a massively popular initiative and all it's asking is for the world to vote. The UN, World Bank and IMF say that the Palestinians are ready to run their own state, if only the Israeli military occupation would end.

Last year the US alone blocked a Palestinian bid at the UN Security Council. But in the UN General Assembly, all nations vote and this resolution could end the US hegemony over this conflict. It can't make Palestine a UN member, but it can declare Palestine a state that could have access to a range of international organisations, and it is a crucial step towards ending the occupation.

After our mega campaign in Europe, France and Spain appear to be voting yes! If we all raise our voices now we can persuade all countries to stand on the right side of history and back a Palestinian state. With firm support and financial aid, this could be a turning point. Join the urgent petition to support the bid now:

http://www.avaaz.org/en/palestine_worlds_next_nation_eu_rb/?bVEOXbb&v=19616

Palestinian statehood will not bring a resolution to this intractable conflict overnight, but UN recognition will change the dynamics and will begin to unlock the door towards freedom and peace. Across Palestine, people are preparing, with hope and expectation, to reclaim a freedom their generation has never known. Let's stand with them.

With hope and determination,

Dalia, Alice, Jeremy, Marie, Ricken, Aldine, Nick, Pascal and the rest of the Avaaz team

MORE INFORMATION

Two-State Solution on the Line (New York Times)
http://www.nytimes.com/2012/11/26/opinion/global/brundtland-carter-two-state-solution-on-the-line.html

UK to back upgrading Palestinian UN status (FT)
http://www.ft.com/intl/cms/s/0/2cc62538-37f3-11e2-b8d3-00144feabdc0.html

Palestinian statehood wins European backing (The Guardian)
http://www.guardian.co.uk/world/2012/nov/19/palestinian-statehood-wins-european-backing

France indicates support for Palestinian UN vote (Reuters)
http://www.reuters.com/article/2012/11/22/france-palestine-vote-idUSL5E8MMCID20121122

Palestinian Authority rejects calls to postpone statehood bid (RT)
http://rt.com/news/abbas-palestine-un-statehood-504/

Q&A: Palestinian bid for upgraded UN status (BBC)
http://www.bbc.co.uk/news/world-middle-east-13701636

sábado, 17 de novembro de 2012

Mais uma guerra em Gaza

Tropas israelitas na fronteira com Gaza
 nos seus Caterpiller D9 - 17 NOV 2012
(Imagem CNN)
Voltamos ao mesmo. Subitamente a tensão entre o governo do enclave de Gaza nos territórios ocupados da Palestina e Israel sobe[1] e começam as acusações de parte a parte[2][3]. Ambos os lados falam em auto-defesa e no entanto cada um dos dois é culpado de cada passo na escalada para um conflito total. Como em 2008, na Operação Cast Lead[4], os eventos sucedem-se e arriscamos-nos a assistir nos próximos dias a uma invasão terrestre[5]. Entretanto cada um dos lados vai mostrando o que aprendeu nos últimos 4 anos e as suas novas capacidades militares. Pelo meio, milhões de civis israelitas e palestinianos fogem para onde podem sem conseguir viver uma vida normal. A comunidade internacional vai-se colocando nas suas posições habituais preocupando-se muito pouco com os factos que levaram a isto e o que pode ser feito para evitar o pior. A esquerda e os países de maioria muçulmana colocam-se do lado do Hamas, a direita e os países ocidentais do lado de Israel[6][7][8].

É difícil voltar ao início e perceber o que aconteceu. Provavelmente teríamos que voltar até 1948 e à criação do estado de Israel[9] ou ao final do século XIX e ao aparecimento do movimento Sionista[10]. Num tempo mais recente, vimos a liderança palestiniana partir-se em duas depois de o partido islâmico Hamas, baseado na tradição egípcia da Irmandade Muçulmana que agora governa o Egipto, ter tomado conta da faixa de Gaza no que esteve perto de se tornar na primeira guerra civil palestiniana[11]. Desde então, Israel e o governo de Gaza têm mantido um estado de guerra que levou a uma invasão total em 2008. Israel mantém ainda um bloqueio ao território deixando passar apenas o mínimo essencial à sobrevivência da população. Este bloqueio é considerado ilegal pela maioria dos especialista em direito internacional[12]. Por outro lado, quer o Hamas quer o governo israelita foram acusados pelas Nações Unidas, no famoso relatório Goldstone liderado pelo juiz Richard Goldstone, de crimes de guerra[13] durante a Operação Cast Lead de que falamos anteriormente. Não ficarei de todo surpreendido se daqui a uns meses estivermos a ler um novo relatório a dizer rigorosamente o mesmo.

Mas não obstante as dificeis condições em Gaza, os eventuais rockets Qassam atirados sobre Sderot[14] e os ocasionais ataques da força aérea israelita[15][16], a situação parecia nos últimos meses estar relativamente controlada. É complicado aceitar isto como uma situação normal, mas comparado com o que estamos a ver hoje, era menos mau.

No final de Outubro, o Emir do Qatar Sheikh Hamad bin Khalifa Al Thani tornou-se no primeiro chefe de estado a visitar a faixa de Gaza desde que o Hamas tomara o controlo da mesma[17]. Prometeu investimentos e ajudas para reconstruir o país e beneficiou de, com a queda do governo de Mubarak no Egipto e da subida da Irmandade Muçulmana ao poder, Gaza ter agora acesso ao mundo e um novo aliado às portas. Também o Primeiro Ministro egípcio, Hisham Qandi, foi também ao território confirmar esse apoio já em plena crise (no dia 16 de Novembro)[18] declarando publicamente que o mundo tem que parar a "agressão israelita em Gaza". Uma outra das estrelas da Primavera Árabe, a Tunísia, através do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros Rafik Abdesslem visitou a cidade de Gaza afirmando que "[Israel] não tem total imunidade e não está acima da lei internacional".

Apenas horas depois do Emir do Qatar sair de Gaza, Israel e o Hamas já voltavam à sua rotina. O Hamas atirando com morteiros e foguetes enquanto a Força Aérea Israelita bombardeou causando 4 vítimas[19].

A partir daí, os relatos são confusos porque ambos os lados justificam todas as suas acções como auto-defesa ou contra-ataques. Nas suas mentes endurecidas por décadas de violência, tudo o que fazem é compreensível e não existe nenhum outro caminho a seguir. Para os civis de ambos os lados, a vida é um inferno vivendo sob uma chuva constante de ataques[20][21].

Eu próprio, que procuro acompanhar os acontecimentos na Palestina com algum cuidado por lá ter vivido durante anos, quando olho para trás vejo o erro que é procurar cair na discussão de quem começou primeiro. Um lado e outro (à semelhança do que acontece na fronteira norte de Israel entre este e o Hizbullah) mantém normalmente um certo nível de violência. Depois fazem os seus planos e utilizam o seguinte ataque do adversário para iniciar o seu próprio movimento, tipicamente preparado com bastante antecedência. Aconteceu assim em 1982, como ficou brilhantemente descrito em "Israel's Lebanon War" dos israelitas Ze'ev Schiff e Ehud Ya'ari[22]. E voltou a acontecer o mesmo, nas palavras da própria imprensa israelita que admite que "A resposta de Israel de quarta-feira estava planeada há muito mas tinha sido adiada devido à campanha eleitoral"[23].

Mas alguns eventos são relativamente claros, embora nem todos tenham tido a mesma reprecursão na imprensa internacional. No dia 5 de Novembro, o IDF (forças armadas israelitas) admitiu ter morto um palestiniano desarmado que se aproximou demasiado da barreira que separa Gaza de Israel no dia anterior[24]. O homem, que não reagiu aos avisos feitos pelos militares israelitas sofria de perturbações mentais e foi alvejado por não se ter afastado. Infelizmente não fico surpreendido pelo evento. Nas anos que passei na Palestina tive que cruzar check points israelitas centenas de vezes, para além das entradas nas fronteiras terrestres (para a Jordânia) e no aeroporto Ben Gurion (perto de Tel Aviv). Diz-me a experiência que embora estas travessias (em especial as das fronteiras) fossem lentas e aborrecidas, normalmente não eram arriscadas. Não era incomum ser revistado e interrogado inúmeras vezes e passar 4 a 6 horas no processo de segurança. O processo era mais simples e mais profissional quanto mais velhos e experientes fossem os militares ou seguranças envolvidos no processo. No entanto, por vezes tinha o azar de encontrar alguns acabados de entrar no serviço. E com esses assisti ou fiz parte de algumas situações bastante mais complicadas. Numa ocasião, num check point à saída de Nablus (Cisjordânia) um jovem militar israelita que parecia ainda não ter saído da adolescência entrou subitamente em pânico quando se apercebeu que eu tinha um casaco vestido, enquanto os restantes passageiros estavam apenas de t-shirt. O facto de ser um pouco mais friorento que os meus colegas valeu-me um susto grande já que o guarda acreditou que eu poderia ser um bombista suicida e o casaco esconder os explosivos. Apontou-me a M16 (salvo erro) ao peito enquanto dava alertas e me gritava num inglês difícil de compreender para abrir o casaco imediatamente. A situação também era resultado de umas horas antes um comando israelita (provavelmente do Shin Bet) ter entrado na cidade de Nablus para uma operação na cidade e de cidade ter sido fechada ao mundo durante horas, mas essa história ficará para outro dia. Numa outra situação, esta no check point imediatamente antes de chegarmos ao Aeroporto de Ben Gurion, o meu taxista (apropriadamente chamado Arafat) estava preocupado por o guarda que fazia a revista ao seu Mercedes novinho em folha estar a ser muito pouco cuidadoso. Enquanto procurava bombas debaixo do carro, com um espelho pendurado na ponta de um tubo de ferro, o aparelho acertava continuamente no carro deixando o pobre Arafat desesperado. O jovem militar israelita entrou subitamente em stress quando viu a forma como o taxista olhava para ele, apontou-lhe uma arma ao corpo e desatou aos gritos. Só a intervenção de um militar mais veterano impediu que a troca de palavras que se seguiu acabasse de forma mais dramática.

Mas voltemos ao incidente que levou à morte do doente mental palestiniano. Não é difícil imaginar que algum soldado mais inexperiente tenha disparado em pânico. Terá sido provavelmente um acidente. Típico quando há armas a mais e juízo a menos, mas ainda assim um acidente. Mas existe ainda outra questão em relação a esse disparo, que é a total impunidade de qualquer militar israelita quando mata um palestiniano. Essa inexistência de accountability leva também a que estes eventos se repitam em inúmeros check points. Seja porque alguém não ouviu a ordem, porque não a compreendeu (sei por experiência que muitas vezes as ordens são dadas em hebraico e não em árabe ou inglês), ou qualquer outro motivo. O facto é que todos sabem que nada acontecerá a um israelita que dispare num palestiniano. E isso já é um problema político e uma questão de justiça, não um acidente. Para piorar, neste caso específico, as equipas médicas do lado de Gaza foram impedidas de se aproximar do homem durante horas, acabando este por morrer[25]. Não sou jurista, mas quase que aposto que isto seria um crime de guerra, se estes crimes se aplicassem a todos os países e não só aos derrotados.

Uns dias depois, a 8 de Novembro, Ahmed abu Daqqa de 13 anos, é morto a tiro enquanto jogava futebol com os amigos a cerca de 1500 metros de um posto israelita. Morreu pouco depois[26].

Durante todo esse período, também o Hamas não esteve parado.  Entre dia 4 e 9 de Novembro, cinco rockets Qassam foram atirados sobre território israelita sem causar feridos ou mortos. A partir de dia 10, os ataques intensificam-se com 25 rockets atirados no dia 10 e cerca de 100 no dia que se seguiu.


A 14 de Novembro, Israel inicia a Operação Pilar de Defesa assassinando Ahmed Jabari, líder militar do Hamas[27] e alegadamente envolvido no rapto do soldado israelita Gilad Shalit[28]. No seguimento do ataque, ambos os lados sobem a parada e no dia seguinte já tinham perdido a vida 3 israelitas e 11 palestinianos, na sua maioria civis[29]. Pela primeira vez desde a guerra do Golfo (em 1991, quando Saddam disparou um grande número de mísseis Scud sobre Israel[30]) que ninguém nas principais cidades israelitas ouvia as sirenes de alerta de ataque. Agora voltou a acontecer em Jerusalém[31]. Também Tel Aviv foi alvo de mísseis disparados de Gaza[32]. Para já o novo sistema de defesa israelita Iron Dome tem conseguido interceptar uma parte considerável dos ataques, mas o facto de existirem já 3 vítimas civis israelitas prova que não é um sistema perfeito[33].

Neste momento em que vos escrevo (madrugada de 17 para 18 de Novembro), acabo de ouvir na SIC Notícias Henrique Cymerman anunciar que mais de 1000 rockets foram disparados da faixa de Gaza e mais de mil ataques aéreos e navais foram feitos pelas forças israelitas. Dezenas de milhares de reservistas estão a ser chamados para a fronteira de Gaza e toda a gente se prepara para o pior.

Veremos que novidades os próximos dias nos trarão. Mas só podemos esperar o pior. Infelizmente devemos estar prestes a ver mais uma invasão. Mais combates no meio de civis. Mais umas centenas ou milhares de vítimas que não têm para onde fugir. Mais um ataque com os indescritíveis IDF Caterpiller D9[34]. Mais uma guerra que deveria acabar com a "infraestrutura terrorista", mas que servirá apenas para criar milhares de novos recrutas para os movimentos fundamentalistas islâmicos. Nem tudo é igual. A nível político (em especial para a Irmandade Muçulmana) está muito em jogo. Mas para os civis de um lado e outro, voltamos ao mesmo. Uma guerra que é ainda pior do que a podre paz em que viviam.





sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Al Qaeda - A História do Islamismo Radical

Book Review

Nos meses que se seguiram ao 11 de Setembro de 2011, inúmeros livros foram publicados sobre Bin Laden e a sua Al Qaeda. Aproveitando a onda de interesse, editores e autores apressaram-se a escrever qualquer coisa com os poucos dados que eram conhecidos, sabendo que o sucesso dessas edições estava garantido à partida. Foi por isso que na altura recusei comprar um único desses livros. As minha expectativas eram simplesmente demasiado baixas. Como nota lateral, lembro-me de uma semana depois dos atentados, em entrevista a uma das televisões portuguesas um responsável por uma das lojas de livros em Portugal explicava que tiveram que adaptar a sua oferta aos novos interesses, detalhando que "as pessoas de baixo nível cultural compravam Nostradamus enquanto as de um nível superior procuravam o Al Corão". Mas com o tempo mais informação foi sendo desclassificada e um sem número de reporteres de guerra lançaram a sua atenção nesta organização e nos países que a albergaram e defenderam durante anos. Um destes foi Jason Burke, que nos trouxe este magnífico "Al Qaeda - A História do Islamismo Radical" publicado em Portugal pela Quetzal Editores. Este inglês, redator chefe do Observer, esteve no terreno nos vários teatros de guerra em que a Al Qaeda controlava operações ou influenciava os movimentos locais e publicou este livro em 2003 embora o seu trabalho já o tivesse anteriormente levado ao Afeganistão e Paquistão anteriormente.

A forma como descreve a Al Qaeda é interessante, mas provavelmente ainda mais relevante é a forma como esta organização se foi transformando ao longo do tempo. Já em 2003 Jason Burke colocava a Al Qaeda ao nível mais de uma ideia do que de uma organização formal. Já nesta altura mostrava que Bin Laden se tinha transformado mais num símbolo do que num líder operacional, que em muitos sentidos nunca fora. Ideias que só foram aceites e compreendidas muitos anos depois, quando inúmeros grupos terroristas se começaram a auto-denominar Al Qaeda. Na realidade, para se ser Al Qaeda, basta declará-lo e estar minimamente alinhado nos seus princípios.

No pós 11 de Setembro ou, para ser mais rigoroso, com o colapso do governo Taliban, a Al Qaeda perde toda a sua estrutura formal e passa a um estado de clandestinidade. Os seus campos de treino são bombardeados, os seus financiadores sauditas e dos reinos do golfo pérsico afugentados, os seus protectores afegãos perseguidos. No entanto, a sua imagem de mártires e de vingadores dos povos muçulmanos oprimidos fica mais forte do que nunca. Bin Laden cresce para um estatuto de lenda, muito mais do que Mohammed Atta e outros que de facto criaram e levaram a operação até ao fim.

Antes disso, uma combinação de eventos e características pessoais levam Bin Laden a tornar-se neste ponto central do financiamento do terrorismo islâmico internacional: a invasão soviética do Afeganistão cria uma onda de apoio entre os milionários e governos árabes no sentido de parar o avanço do comunismo ateísta. Bin Laden, de uma família multimilionária Saudita de origem no Yemen tinha, para além de dinheiro, uma vida simples e sem luxos enquanto voluntário Mujahedeen. Isto levava a que fosse visto como a pessoa perfeita para canalizar o dinheiro árabe para a luta armada. Não tinha necessidade dele porque era rico e o seu estilo de vida garantia que o dinheiro seria utilizado para os fins a que se propunha. Desta forma a Al Qaeda (que durante muito tempo não tinha sequer nome) funcionava mais como uma fundação, que subsidia bons projectos e dá-lhes as condições financeiras, logísticas e humanas para que sejam bem sucedidos. Houve por isso diferentes graus de envolvimento da Al Qaeda com os actos a que está ligada. Por vezes organização tudo do princípio ao fim, com todos os detalhes tratados e garantidos por si, enquanto noutras situações só deram dinheiro e treino para projectos que estavam totalmente desenhados e planeados.

Este livro é, naturalmente, muito anterior à captura e morte de Bin Laden. É também anterior a alguns dos actos a que a Al Qaeda aparece associada, como a guerra na Síria e Líbia. No entanto, não posso dizer que o livro esteja ultrapassado. Jason Burke escreve o caminho que Al Qaeda seguiu e previu com muita exactidão aquilo em que esta se iria tornar nos anos após o atentado de 11 de Setembro. Um livro que provavelmente cairá no esquecimento, mas que li com enorme interesse e que certamente consultarei de vez em quando para compreender um pouco melhor esta "Guerra contra o Terror", que teve data de início mas - não obstante já não se falar muito - não tem ainda data de fim.

sábado, 3 de novembro de 2012

Importa-se de repetir Sr. Embaixador?

Ehud Gol - Embaixador de Israel em Portugal
Não admira que homens como Norman Finkelstein falem na existência de uma "indústria do holocausto"[1]. Esta semana o embaixador de Israel em Portugal, Ehud Gol, foi à conferência "Portugal e o Holocausto, aprender com o passado, ensinar para o futuro" para nos presentear com um conjunto de afirmações que roçam o insulto à inteligência e à memória histórica[2]. Em plena Fundação Gulbenkian, Gol afirmou que Portugal "foi o único país que colocou a sua bandeira a meia haste durante três dias" por morte de Adolf Hitler e acrescentou ainda que "É uma nódoa que para nós, judeus, vai aparecer sempre associada a Portugal". 

Este tipo de chantagem psicológica aparenta ser mais uma das muitas táticas utilizadas pelo lóbi de Israel para conseguir concessões ou pagamentos directos do país, ao estilo dos relatos de John J. Mearsheimer e Stephen M. Walt[3]. Mas começo por dizer que, tendo os judeus sido vítimas daquele que provavelmente será o maior crime alguma vez cometido, bandeiras a meia haste deveria ser o menor dos seus problemas.

Durante os anos fatídicos de 1933, quando Hitler ascende ao poder, até à sua queda em 1945, o povo judeu foi assassinado aos milhões com a ajuda dos governos fantoches ou legítimos da Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Noruega, Áustria, Checoslováquia, Polónia, Croácia, Itália, Estónia, Letónia, Lituânia, Grécia, etc. Em praticamente toda a europa, as polícias secretas em conjunto com a Gestapo procuravam e deportavam todos os judeus enviando-os para a morte. Portugal, nessa altura, protegeu não só os cidadãos portugueses de religião judaica como também fez vista grossa a milhares de judeus ilegais que entraram no país com vistos falsificados ou produzidos por embaixadas como a de Bordéus cuja validade legal era duvidosa[4]. Tudo isto enquanto o governo de António Oliveira Salazar se via a braços com uma potencial invasão espanhola e/ou alemã de Portugal continental e de uma invasão dos aliados nas ilhas dos Açores pelo que necessitava de manter uma postura o mais neutra possível para evitar ser empurrado para a mais destrutiva guerra de todos os tempos[5]. Se todos os países tivessem tido o mesmo comportamento que Portugal, nem teria existido guerra.

A bandeira a meia haste por Hitler é, obviamente, uma estupidez. A guerra estava decidida e já não havia qualquer interesse em manter a neutralidade. Portugal, aliás, já tinha feito algo bem mais importante do que isso e com efeitos directos na capacidade militar alemã ao proibir finalmente a venda de volfrâmio à Alemanha uns dias antes do Dia D[6]. E, para finalizar o comentário à ridícula conversa da bandeira, atrever-me-ia a dizer que todos ficaríamos muito felizes se Israel em vez de ter expulsado 750 mil palestinanos civis da Palestina e assassinado muitos milhares em 1948 tivesse limitado a sua ação a colocar a sua bandeira a meia haste pela morte de uma qualquer persona non grata dos palestinianos. Estaríamos hoje todos muito melhor.
Aristides Sousa Mendes

Mas como um disparate nunca vem só, o embaixador Ehud Gol acrescenta ainda que lhe foi pedido por parte da Fundação Aristides Sousa Mendes ajuda pelo facto da antiga casa deste estar a ruir. Acrescenta orgulhosamente que não só não ajudará como para não pedirem ajuda aos Estados Unidos. Fiquei um pouco surpreendido por ver um embaixador israelita a falar em nome do governo dos EUA, mas dado o nível de influência do lóbi judeu no congresso americano[7], talvez esta até seja a atitude mais pragmática. Nas suas palavras "Façam vocês algo para promoverem a imagem dos vossos justos". Os justos entre as nações é um título atribuído por Israel e não por Portugal[8]. Nós temos os nossos próprios prémios carreira para os cidadãos portugueses que se distinguem por algum motivo. E somos nós, através dos nossos governos democraticamente eleitos, que decidimos como, quando e a quem apoiaremos dentro das nossas parcas possibilidades. Não cabe ao embaixador de Israel dizer como é que Portugal deve premiar os heróis de Israel. Mais uma vez, o excelentíssimo Ehud Gol parece ter enormes dificuldades em compreender o seu job description. Ele é embaixador de Israel, e não de Portugal ou dos Estados Unidos da América.
Soldados israelitas e o escudo humano

Continuando a sua jihad retórica, o supracitado considera que Portugal tem obrigação de ser um membro e não um observador na task force internacional para a Educação, Memória e Investigação do Holocausto. Para além de estarmos neste momento precisamente a tentar acabar com o "investimento" do estado em inúmeras fundações e observatórios por falta de dinheiro, o estudo do Holocausto não é a prioridade da nossa educação. Felizmente Portugal não teve qualquer envolvimento nesse crime nem, dada a sua dimensão e frágil posição, poderia ter feito algo mais para o impedir. Temos no entanto imensas "nódoas" (para usar mais uma expressão de Gol) no nosso passado que devemos relembrar e fazer todos os possíveis para que não aconteçam nunca mais. Estou a falar por exemplo da tortura ou do racismo de estado que foram cometidos durante séculos no Império Português. Pesadelos que devemos relembrar para que nem nós nem ninguém os volte a repetir. Uma lição que o embaixador poderia até levar para o seu país que sistematicamente viola os direitos humanos, torturando e assassinando os israelitas árabes e os palestinianos[9][10][11][12][13][14].

Por fim, e em jeito de moral da história, temos a afirmação do embaixador de que "(..) os países têm que assumir responsabilidade pelo seu passado". Curiosamente referia-se a Portugal. O meu conselho seria que pegasse nessa lição e a levasse para Tel Aviv para ver se Netanyahu restitui aos palestinianos tudo aquilo que Israel lhes roubou nestes últimos 70 anos[15]

PS: Só faltou mesmo a conversa do ouro nazi, corolário óbvio de toda esta chantagem psicológica. Suponho que essa conversa ficará para quando Portugal tiver mais dinheiro.