terça-feira, 29 de maio de 2012

Resolução das Nações Unidas 242

O conflito israelo-árabe tem tantos episódios, peripécias e traições de todos os envolvidos (incluindo as superpotências mundias e as potências regionais) que acredito sinceramente que continuará a ser centro das atenções mundiais durante muitas décadas ou ainda mais do que isso.

Este artigo refere-se à resolução das Nações Unidas de 1967, que conclui a guerra dos 6 dias, onde os exércitos israelitas atacam e vencem uma combinação de países árabes e conquistando a totalidade da Cisjordânia, Gaza, os montes Golan e o Sinai, e representa mais um desses eventos históricos cujas reprecursões se estendem por décadas.

É provavelmente a mais famosa de todas as resoluções da ONU, e em todas as conversações de paz ouvimos a discussão sobre as fronteiras de 1967, objecto desta mesma resolução da ONU.

Mas o mais curioso desta resolução é um pequeno "erro ortográfico". Um que tem permitido a um dos partes defender que está a cumprir a sua parte do acordo, mesmo quando é totalmente evidente que não é verdade. Este quid pro quo tem implicações vastas, mas resume-se a apenas uma palavra: "the", ou seja, o artigo definido "os" que está ausente. Para tornar a questão mais interessante, a resolução está escrita em duas línguas: inglês e francês. E na versão francesa, o artigo definido está lá ("des") o que demonstra o espírito original da resolução que todos estavam a assinar, mesmo que o mínimo bom senso não fosse suficiente.

Vejamos o original: coloquei uma imagem da resolução original em baixo, com uma caixa vermelha a definir o artigo em causa e um sublinhado laranja com a frase (em inglês e françês) que demonstra claramente o que está em causa.




Traduzindo para português temos na versão inglesa:

(i) Retirada das forças armadas de Israel de territórios ocupados durante o recente conflito.

e na versão francesa:

(i) Retirada das forças armadas de Israel dos territórios ocupados durante o recente conflito.

A alteração do artigo definido para o artigo indefinido muda totalmente o sentido. Em inglês, Israel está comprometido a fazer retiradas, sem especificar quais. No francês, Israel terá de desocupar os territórios que conquistou neste conflito, ou seja, todos os relativos à guerra dos 6 dias.

Obviamente isto não foi um erro. Foi uma jogada diplomática. De mau gosto e que custou e continuará a custar muitas vidas. Foi mais uma oportunidade perdida para conseguir paz, segurança e independência para todos os povos da região. E é utilizada pelos governos israelitas para continuarem a ocupar os territórios palestinianos enquanto afirmam que cumpriram a resolução 242 porque retiraram de alguns territórios. Nem que isso tenha sido só um quintal.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Gunther Grass - A Vergonha da Europa

Depois do seu polémico poema sobre Israel e a sua capacidade nuclear, o mais conhecido poeta alemão vivo está de volta com um poema violento sobre a europa e a necessidade de esta ser solidária para com a Grécia. É muito fácil para nós (portugueses, gregos e irlandeses) que estamos na posição de devedores pedirmos ajuda e mais dinheiro. Quando isto é dito por um alemão a opinião deve ser considerada com mais cuidado. É que serão precisamente os cidadãos alemães os que maior fatia terão que pagar da factura para que os restantes se aguentem de pé.

Acima de tudo, temos que respeitar quem se disponibiliza a ser solidário.

Europe's shame
A poem by Günter Grass

Close to chaos, because the market is not just,
you're way out of the country that lent you the cradle.

What with the soul searching, you found was,
is now considered, appraised at scrap value.

As a debtor placed naked on the pillory, suffer a country
owe a thank you to you was saying.

Poverty doomed country whose wealth
adorn museums maintained: kept from you loot.

With the force of arms the inselgesegnete country
ravaged wore the uniform Hölderlin in his knapsack.

Barely tolerated country whose colonels of you
were once tolerated as an ally.

Loses right country to which the power law partner
buckled his belt tighter and tighter.

Antigone defying you wearing black and nationwide
mourning clothes, the people whose guest you have.

However, the country has to wake Croesus related
all that glitters golden hoarded in your vaults.

Sauf finally, drink! scream of Commissioners cheerleaders,
but anger is Socrates you back the cup to the brim.

Cursing in the choir, which is characteristic of you are, the gods,
to disown their Olympus Thy will be required.

You'll waste away mindlessly without the country,
whose mind you, Europe devised.


(tradução inglesa: corfublues)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Portugueses no Holocausto

Book Review

Da autoria de Esther Mucznik, este livro, cuja primeira edição acaba de ser imprimida, retrata de forma cuidada o envolvimento dos portugueses no holocausto, durante a segunda guerra mundial. Não só dos judeus de origem portuguesa que foram vítimas do holocausto por se encontrarem no país errado, tal como a França, Holanda ou Grécia ocupadas, mas também das origens desses portugueses, muitos deles descendentes de refugiados da inquisição no século XVI. Acrescenta a estes temas, o das movimentações dos diplomatas e políticos portugueses e a posição do governo de então.

António Oliveira Salazar, então presidente do conselho (o equivalente ao actual primeiro ministro) e ditador de Portugal, acumulando ainda as pastas de ministro dos negócios estrangeiros e da defesa, procurou manter Portugal fora da guerra, conseguindo tornar-se um "neutro útil" quer aos aliados (em especial à Inglaterra) quer ao eixo (nomeadamente à Alemanha). Dessa forma, o seu medo de provocar algum dos lados levou-o a indecisões que acabaram por custar a vida a muitos judeus portugueses, mesmo quando todos os países neutros receberam da Alemanha a permissão para retirar os seus nacionais - incluindo os judeus - dos territórios ocupados.

Mas se a política oficial portuguesa era hesitante, foram muitos os diplomatas portugueses que se mostraram extremamente corajosos ao darem vistos, fecharem os olhos a documentos forjados e confrontarem o governo português com as suas indecisões. Aristides de Sousa Mendes será sem dúvida o mais famoso de todos esses benfeitores, tendo salvo mais de 30 mil judeus, conquistando o seu lugar ao lado de Oscar Schindler (retratado no filme "A Lista de Schindler" de Steven Spielberg) e muitos outros como um "Justo entre as Nações" (uma honra dada a não-judeus pelo estado de Israel para os que arriscaram as suas vidas para salvar judeus durante o holocausto).

Em Portugal, muitos desses judeus refugiados eram levados para longe de Lisboa, para cidades mais pequenas onde foram muito bem recebidos segundo os muitos testemunhos descritos neste livro. Embora muitos ficassem pasmados com o arcaismo de Portugal dos anos 40, a perspectiva da paz, segurança e uma possível viagem para o outro lado do atlântico foi uma dádiva dos deuses para estes judeus perseguidos pela fúria nazi.

Um livro extremamente interessante, de leitura fácil não obstante a seriedade do assunto e que nos ajuda a compreender a posição de Portugal e de muitos portugueses naquele que terá sido o maior crime alguma vez cometido na história da humanidade.

(o lançamento do livro será no dia 29 de Maio, às 18:30 no restaurante do piso 7 do Corte Inglês)

Primo

Nesta semana deparei-me com um filme num dos canais por cabo do qual não estava à espera. Para começar era teatro televisivo, do qual eu estou longe de ser um apreciador. Depois, nunca tinha ouvido falar deste filme, gravado em 2005, embora conhecesse a história de Primo Levi, um judeu italiano que durante a segunda guerra mundial foi enviado para o campo de concentração de Auschwitz na Polónia, e que veio a tornar-se num dos grandes escritores sobre o holocausto judeu. Por fim, não conhecia o actor principal (e único), Antony Sher.

Num palco extremamente simples, e utilizando as câmeras de forma brilhante, olhando o tele-espectador directamente nos olhos em grande parte da peça, Sher retrata num monólogo cativante a história do livro "Se isto é um homem" desde o momento em que é preso até à sua libertação quando o Exército Vermelho liberta o campo.

São tantos os momentos altos, desde a descrição do andar dos presos, a luta pela comida, a angústia de todo o processo, as esperanças do fim da guerra, os rumores, a vergonha da nudez, a revolta para com os outros presos que roubavam a comida e os sapatos até aos heróicos actos de Lorenzo Perrone que demonstrou que mesmo num verdadeiro inferno existem almas capazes de o mais belo dos actos de caridade.

Durante 90 minutos ouvimos e vemos um único actor, praticamente sem efeitos sonoros, com uma roupa discreta, palcos modestos e um jogo de sombras que se vai adaptando constantemente à história. E nem por um segundo ficamos aborrecidos. Depois de o ver a primeira vez, vi uma segunda, e depois uma terceira.

Não achei possível alguém conseguir descrever o holocausto numa peça de teatro. Antony Sher conseguiu-o de forma brilhante. Como se estivéssemos a falar mesmo com um sobrevivente de Auschwitz. Absolutamente perfeito.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A face do fim da Europa

Alexis Tsipras

A Europa poderá estar à beira do colapso. A previsivel saída da Grécia do Euro - e eventualmente até da União Europeia - vai significar que dezenas de milhares de milhões de euros emprestados pelos países europeus vão desaparecer. Os países que já estão em risco sofrerão simultaneamente da falta desse dinheiro e duma desconfiança acrescida por parte dos mercados, dos países irmãos e até dos seus próprios cidadãos, que naturalmente reduzirão o consumo com o vista a preparem-se para o pior.

Como demonstra a teoria dos jogos de John Nash, a atitude racional de cada um dos jogadores não garante um resultado ideal, mesmo quando este existe e é claramente superior ao resultado de equilíbrio. O que temos na Europa pode ser demonstrado desta forma: as opções lógicas de Alemães e Gregos (e outras combinações semelhantes) levar-nos-ão inevitavelmente até um resultado que não agradará a ninguém.

A minha solução é directa, embora não seja consensual. Chama-se Estados Unidos da Europa e já falei dela anteriormente (ver aqui).

Mas parece cada vez mais distantes, e uma face vem ao de cima, e que poderá ficar para sempre lembrada como o carrasco da Europa: Alexis Tsipras, líder do Syriza e provável vencedor das próximas eleições gregas.

Por um lado, a sua posição anti-troika impede-o de aceitar entrar em algum governo liderado pela Nova Democracia ou pelo Pasok. Por outro lado, com as sondagens a darem-lhe vitória nas próximas eleições, não tem quaisquer vantagens políticas em o fazer. Por fim, a sua popularidade é resultado precisamente por ser anti-troika, pelo que uma participação num governo de unidade nacional ou algo semelhante seria um suicídio político. Resultado? Será o próximo primeiro ministro da Grécia. E, provavelmente, a face do fim da Europa.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Richard Falk - Prison Hunger Strikes


Reflections on the Great Palestinian Prison Hunger Strikes of 2012

(fonte richardfalk.wordpress.com)

Ché Guevara was once asked what was at the root of his revolutionary commitment. His response, which we should all take some moments to reflect upon, “it is about love.” Reading the words of Khader Adnan (‘Open Letter to the People of the World’) and Thaer Halahleh (‘Letter to my Daughter’), or the comments of Hana Shalabi’s mother and sister, or Bilal Diab’s father, led me to recall Guevera’s illuminating comment. Only those with closed minds can read such words of devotion without feeling that the animating hunger of these Palestinians is for peace and justice, for love and dignity, and that their heroic strikes would have impossible without cherishing life and future freedom for the people of Palestine. 

The nature of extreme self-sacrifice, provided it is autonomous and nonviolent, is an inherently spiritual undertaking even when its external appearance is political. For Christians, and others moved to tears by the life of Jesus, the Crucifixion exemplifies this encounter between the political and the spiritual.

We can only marvel at the duplicitous double standards of the media. Without the Internet and Al Jazeera the West, especially the United States, would have rendered invisible these challenges to Israeli abuses of human rights and international humanitarian law. Only the settlement of the strike, and to some extent fear of Palestinian unrest should one of these hunger strikes die while in detention, was deemed somewhat newsworthy by the Western press.

As many have observed, the media treatment of the Chinese dissident, Chen Guangcheng, or the global attention given to the Isreael soldier held captive in Gaza, underscores the media victimization of the Palestinian struggle, and exposes the illegitimacy of an information regime that rests upon such a flagrant disregard for objectivity, taking refuge in ill-disguised double standards: magnifying Israeli grievances, disappearing Palestinian wrongs.
The Israeli media did have a cynical preoccupation with the hunger strikes wavering between worries of seeming to give in to pressure exerted by fears if the strikes continued Third Intifada and the characteristic concern of an oppressor that accommodating grievances would be treated as a show of weakness and an encouragement of further Palestinian resistance activity. For this reason the agreement reached to end the main strike has been sharply criticized by Israeli right-wing politicians.

 Israel is not alone in addressing prison hunger strikes in a detached manner that refuses to acknowledge the moral motivation, physical courage and discipline, and the righteousness of the demands for reforms. A 2011 protest hunger strike in a notorious California Pelican Bay State Prison and other prisons around the state led to this monumentally icy reaction from Nancy Kincaid, Director of Communications for California Correctional Health Service: “They have the right to die of starvation if they wish.”  And as the late Kurt Vonnegut so memorably reflected on the terror bombing of Dresden during World War II: “And so it goes.”

The ending of the hunger strikes on the eve of the 64th observance of Nakba Day is above all a protest against the particular reality of these protests against administrative detention, arrest procedures of a police state, and unacceptable prison regulations that include extensive and extended consignment to solitary confinement, taunting of prisoner suffering, denial of family visits (especially for Gaza families), and a variety of forms of inhumane treatment. It also needs to be understood as part of the general Palestinian struggle for protection and rights, above all, the inalienable right of self-determination, which is accorded to every people by virtue of Article 1 of both Human Rights Covenants.

Any agreement reached with Israel should be carefully monitored and scrutinized. It was a disgrace that Israel should have released Hana Shalabi but punitively ‘deported’ her to Gaza where she is required to remain for three years before returning to her family and home in the West Bank village of Burqin.  Without charges to sentence Shalabi to what many have called the world’s largest open air prison is to compound the wrong done by detaining her in the first place, and is an implied admission by Israel that it is a punishment to be required to live in blockaded Gaza.

Throughout this period of hunger strikes that was started by Khader Adnan on the day following his December 17th arrest I and others have taken notice of the IRA strike in the Maze Prison in Northern Ireland in which ten Irish prisoners fasted unto death, including the martyred Irish hero, Bobby Sands. What I have learned of while following the developments in the Palestinian strikes was the earlier celebrated hunger strike of Terrence MacSwiney, the elected lord mayor of county Cork who was arrested, charged, and convicted of his activism in the Irish struggle against British colonial rule.

MacSwiney upon conviction told a stunned court, “I whall be free, alive, or dead, within a month.” He died on October 25, 1920 in the Brixton Prison after an extraordinary 74 day hunger strike, and has been part of the proud tradition of Irish revolutionary iconography ever since. (For a detailed account see Dave Hannigan’s Terrence MacSwiney: The Hunger Strike that Rocked an Empire (Dublin: Obrien Press, 2010)) Unlike the blanket of denial and silence that has accompanied the Palestinian acts of protest, the MacSwiney story “became a worldwide sensation, causing workers to lay down tools on the New York waterfront, sparking riots in Barcelona and mass demonstrations from Buenos Aires to Boston. The international press covered his decline on a daily basis, raising the profile of the cause of Irish Independence to previously unheard-of-heights.” (from back cover material)
Aside from the contrast in media coverage, there is the notable fact that MacSwiney faced charges in an open court, and was allowed to speak in his own defense. Governments that claim to be democracies and respectful of human rights and the rule of law should waste no time in abolishing administrative detention provisions. And if that is not done, at least the pretension of being a constitutional democracy should be abandoned. Is not time that we demanded that ‘power speak truth to the people’!

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Breaking the Silence

Este video mostra os corajosos soldados israelitas Dotan Greenvald e Yehuda Shaul, falando sobre as suas experiências enquanto militares no IDF (Israeli Defense Force). Breaking the Silence tornou-se num dos mais importantes movimentos pacifistas de Israel e é composto por ex-militares que resolveram contar as suas histórias. Existem outros documentários sobre eles (a SIC apresentou um deles na sua série "Toda a Verdade" há uns meses atrás, salvo erro da BBC).

Este video é de 2006, é apenas uma filmagem low budget de uma apresentação de Dotan e Yehuda, mas muito verdadeiro e contado na primeira pessoa. Pela sua coragem e determinação, ambos são hoje considerados traidores pela extrema direita e ultra-ortodoxos. Os dois têm recebido ameaças de morte constantes desde que quebraram o silêncio.



sábado, 12 de maio de 2012

A loucura e os Jihadistas barbudos

Anders Breivik
Há pouco tempo atrás, causei alguns distúrbios num comentário que fiz no Expresso online, quando sairam as primeiras notícias de que tinha acontecido um atentado numa escola judaica em Toulouse. Na altura ainda não era conhecida a autoria do ataque, mas como tinha sido precedido por um outro onde morreram 3 militares franceses de origem magrebina, havia uma séria hipótese de ter origem em movimentos neo-nazis, para além dos suspeitos habituais, os muçulmanos. O artigo do Expresso começava com a frase "Um louco ou um fundamentalista". O meu comentário foi o de que baseado nas vítimas que teria que ser considerado como fundamentalista e que se as vítimas fossem 16 afegãos, então seria um caso de loucura. Num artigo escrito nesses dias, expliquei melhor a questão e que pode ser visto aqui. Baseado na sabedoria mediática, chegamos à conclusão de que um muçulmano que comete um crime nunca é louco, mas sim fundamentalista. Um cristão/judeu que cometa o mesmo crime nunca o faz por fundamentalismo ideológico ou religioso mas sim por problemas psicológicos. Parece ridículo, mas é precisamente isso que nos está a ser ensinado pelos media e opinion makers.

Durante o julgamento de Anders Breivik (acusado dos atentados que levaram à morte de 77 pessoas) este tem defendido que não tem qualquer problema psicológico e que os seus actos devem ser vistos como políticos. Numa frase particularmente interessante ele diz que "Se eu fosse um jihadista barbudo ninguém poria em causa a minha sanidade". Breivik toca na mesma questão que já tinha referido antes: o ocidente tem dificuldade em aceitar que um dos seus seria capaz de fazer rigorosamente os mesmos crimes que acusamos os "outros" de cometer.

Os nossos crimes são racionalizados de forma a serem transformados em auto-defesa, negados ou atenuados ou - se nada mais houver a fazer - actos de loucura de indivíduos. Provamos que Saddam Hussein era um monstro porque utilizou armas de destruição massiva e torturava, mas as bombas nucleares utilizadas pelos EUA, os bombardeamentos incendiários sobre civis feitos pelos aliados na WWII, a tortura em Guntánamo e Abu Graib, são tudo actos que podem sempre ser explicados ou esquecidos.

Ninguém pergunta se Mohammed Merah (o atirador de Toulouse) tinha algum problema psicológico? Subitamente deixou de ser um françês para ser reduzido à categoria de "nascido em França" como se de um acidente se tratasse. E quanto a Breivik? Vão continuar a tentar convencê-lo de que está louco. É que um cristão branco nunca faria tal coisa. Right...

Outros relacionados (externo):
[1] Público: Primeiro-ministro norueguês diz que Breivik "falhou"
[2] Público: Um ano depois dos ataques de Breivik, a Noruega é "um país mais democrático"

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Detenções Administrativas e Tortura

A questão da greve de fome de milhares de presos palestinianos nas prisões de Israel traz à tona muitas das questões que assombram os problemas da Terra Santa. O assunto, que tanto quanto consigo ver continua a estar totalmente ausente das páginas dos jornais portugueses, relembra-nos a urgência de resolver este que é provavelmente o maior barril de pólvora à face da terra. Desta vez, é Ban Ki-moon que mostra a sua preocupação em relação à situação dos prisioneiros, e um porta-voz das Nações Unidas declarou que "(...) os detidos devem receber as suas acusações e ir a tribunal com todas as garantias judiciais ou ser libertados imediatamente".

Desde 1948 - para não dizer antes - que a região é assolada por guerras, limpezas étnicas, violações de direitos humanos e xenofobia. Em seu nome, muitos outros crimes foram ainda cometidos pelo mundo fora e a cada dia que passa a situação parece piorar. Existem períodos de acalmia, mas parecem-se mais com cessar-fogos do que com uma paz verdadeira.

As "detenções administrativas" foi a forma legal de alguém poder ser preso em Israel e nos territórios ocupados da Palestina sem que tenha que ser alvo de qualquer acusação. E isso significa também que não tem que haver provas, testemunhas, advogados ou julgamentos. Estas detenções duram 6 meses, mas podem ser prolongadas por mais semestres indefinidamente. Isto nunca seria aceite facilmente num país democrático, mas em Israel apenas uma pequena parte da população vê algum problema nestas prisões aparentemente aleatórias. A ideia que nos é vendida é a de que isto só acontece quando existe perigo iminente para a segurança de civis, ou seja, de alguém que está prestes a cometer um ataque terrorista. Assim, as "detenções administrativas" deveriam ser um regime totalmente excepcional e a sua utilização mínima.

No entanto, temos milhares de prisioneiros em greve de fome. O que nos leva a crer que os números poderão estar muito longe de ser raros e que este poderá não ser o único motivo da greve. Os números oficiais são de que Israel tem neste momento cerca de 4500 palestinianos prisioneiros, 310 dos quais em detenção administrativa. Mas talvez estes números não mostrem a dimensão do drama das detenções, por isso talvez valha a pena olhar para o que a investigação do The Guardian concluiu: "Desde a guerra de 1967 estima-se que 1/5 da população palestiniana esteve presa em algum momento". Já me tinha apercebido nos anos que passei na Palestina que a grande maioria dos homens que conheci entre os 30 e 40 anos tinham efectivamente estado presos. Muitos ainda adolescentes tinham estado presos por atirar pedras a tanques e acusações semelhantes, outros não sabiam sequer porquê.

Mas a par das detenções, uma outra questão deve ser levantada: a tortura. São muitos os exemplos de tortura nos interrogatórios do Shin Bet. Nos anos 80 e 90, chegou a ser considerada pratica comum e o aparecimento da comissão Landau legalizou a tortura, em vez de a abolir. Definiu até onde os serviços poderiam ir e o que não poderiam fazer. Mesmo assim, esses limites não foram em muitas ocasiões cumpridas e chegaram ao supremo tribunal de Israel acusações que vão desde a tortura até à sodomização. Daniel Byman (no seu livro A High Price) analisa a questão do contra-terrorismo israelita e chama a atenção para o que os abusos de direitos humanos fazem na suposta legitimação de novos ataques terroristas. Por outro lado, cada ataque terrorista tem precisamente o mesmo efeito, tornando os abusos do lado israelita cada vez mais aceites pela sua população, quando não acabam por provocar invasões como em 2006 (ao sul do Líbano) ou em 2008 (a Gaza).

Quando um terrorista islâmico ataca civis israelitas eu levanto a minha voz. E faço o mesmo quando a situação se inverte. Os direitos humanos são para todos. A tortura é um dos mais bárbaros actos que um ser humano pode cometer, e estarei sempre contra seja nos calabouços do Shin Bet ou da Autoridade Palestiniana.

É triste notar que muitas querem saber quem é a vítima e o agressor antes de darem a sua sentença. É triste ver uma situação péssima a deteriorar-se ainda mais. É triste ouvir o silêncio dos que se dizem defensores dos direitos humanos.       

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Greve de Fome na Palestina

Gandhi, inspiração para a resistência passiva
As notícias ainda são algo confusas, mas já se vai sabendo alguma coisa sobre os milhares de palestinianos presos em Israel sem acusação que entraram em greve de fome. A Reuters anuncia a decisão do recurso apresentado pelos advogados de dois presos, Thaer Halahla e Bilal Diab, que se encontram sem comer há 70 dias devido à sua "prisão administrativa", método utilizado para poder deter suspeitos sem ter que usar provas ou testemunhas.

Entretanto, depois destes dois detidos, mais de 1500 outros palestinianos terão entrado igualmente em greve de fome. Ainda segundo a Reuters, na decisão de rejeição, o tribunal terá dito "a detenção administrativa causa mal-estar a todos os juízes, mas que é um mal necessário por causa da constante luta contra o terror em que Israel está envolvido". De acordo com o jornal israelita Haretz, o juiz afirmou que "a dentenção administrativa é uma aberração no campo judicial e, ninguém pode negar, tem que ser utilizada o mínimo possível".

Já aqui tinha falado antes deste estado de Apartheid e dos males que ele causa. Estas decisões e esta sensação de injustiça por parte de pessoas detidas sem acusação causam necessariamente ainda mais problemas no futuro. O ódio de muitos palestinianos a Israel não é explicado por acontecimentos de há 70 anos, mas sim os de anteontem. Estiveram presos, tiveram familiares presos, foram alvos de tortura, humilhações nos check-points, chantagem na utilização de hospitais ou obtenção de vistos para sair da Palestina, etc.

Na Associated Press, algumas outras informações são avançadas: segundo os palestinianos, o número de grevistas será de 2.500 e relata a inspiração destes na desobediência civil do activista e independentista indiano Gandhi. Já tinha reparado nos grafitis com a imagem de Gandhi junto ao check-point de Calendia (que liga Ramallah a Jerusalem), mas é a primeira vez que vejo o seu exemplo ser utilizado nesta escala pelos palestinianos.

Ainda sobre este assunto, e sobre o silêncio sepulcral dos jornais ocidentais (os portugueses incluidos), Richard Falk (United Nations Special Rapporteur on Palestinian human rights) escreve no site da Al Jazeera um comentário extremamente interessante e pergunta-se como é possível que o dissidente chinês Chen Guangcheng tenha mais atenção mediática sozinho do que estes milhares de palestinianos presos sem acusação e em plena greve de fome. Dualidades próprias da hipocrisia dos nossos media.

Eles sabem o que se passa. Recebem as notícias da Associated Press e Reuters, mas por algum motivo não os consideraram merecedores de umas linhas de tinta ou um artigo virtual nas versões online.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Vencer a Guerra

George Marshall - Prémio Nobel da Paz 1953
Olhando para a história dos últimos 100 anos, fica claro que foram muitos os líderes que souberam como começar guerras, mas muito poucos que souberam como as acabar. Vários conflitos arrastaram-se por muitos anos ou décadas (Índia-Paquistão, Coreias, Israelo-Árabe, Angola, URSS-Afeganistão, Irão-Iraque, etc.), outros foram mais curtos mas com perdas humanas e materiais de dimensões nunca vistas como a primeira e segunda guerras mundiais.

Em todos essas guerras, podemos dizer que existem sempre perdedores, mas nem sempre vencedores. A Grande Guerra de 1914-1918 vê vários países a serem desfeitos e outros criados. Mas mesmo os supostos vencedores acabaram por se ver envolvidos em nova guerra mundial. Os erros do tratado de Versailles criaram uma bomba relógio que iria explodir duas décadas depois na forma do Nazismo alemão. Como disse o grande general francês Ferdinand Foch "Isto não é paz, mas um cessar-fogo de 20 anos". Uma guerra sem vencedores.

A segunda guerra mundial teve 3 grandes vencedores, mas as suas vitórias não são iguais. O Reino Unido que durante anos lutou só contra uma europa continental dominada por Berlim, foi bravo e desafiador. Mas no final da guerra começou a perder as suas colónias uma a uma e perdeu o seu estatuto de super-potência. A União Soviética, garantiu não só a sua sobrevivência, mas trouxe para debaixo da sua esfera de influência toda a europa de leste, incluindo uma parte substancial da Alemanha e um seu velho inimigo, a Polónia. Mas essa vitória trouxe também as sementes para o fim do comunismo soviético. Foi nessa mesma Polónia, no muro de Berlim e em Praga que a queda da super potência começou. Mas o grande vencedor terá sido mesmo os Estados Unidos. Conseguiu não só a vitória militar, como a vitória política total. Todos os estados por si ocupados na Europa e Ásia formaram regimes duradouros que seguiram o formato democrático americano e tornaram-se aliados verdadeiros. Japão, Itália e Alemanha (RFA) serão os principais exemplos.

De todas as guerras desde essa época até hoje, será difícil encontrarmos uma situação em que a potência derrotada fica ligada de forma tão honesta e amigável ao vencedor. Conseguimos sequer imaginar o Iraque ou o Afeganistão a pararem de resistir aos aliados? A juntarem-se a estes num mundo democrático, livre e de direito? Ou o Irão, se for o próximo nessa longa lista de conflitos que ainda seremos obrigados a assistir?

Para mim, a diferença não está nos povos, nas religiões ou na raça. O que mudou foi a liderança dos vencedores. Não temos homens como Churchill, Roosevelt ou Marshall há frente destes países. E por isso, mesmo que os militares ganhem as guerras, os políticos vão garantir que estas são perdidas na mesma. Em vez de programas de reconstrução (como o plano Marshall), vemos pilhagens medievais aos recursos locais. E com isso garantem o ódio eterno dos que já sofreram com os ditadores, depois com a invasão e depois com a pilhagem. Afeganistão e Iraque foram guerras ganhas rapidamente por guerreiros, mas quase tão rapidamente perdidas pelos seus políticos.

Que fazer? Escolher líderes menos messiânicos e mais pragmáticos. Que tenham lido uns livros e ouçam o que as pessoas desinteressadas dizem, em vez de serem fantoches dos lobbies e os seus orçamentos multi-milionários.

Assim... não ganham uma guerra.

Crianças de Chernobyl

Uma reportagem da SIC/Expresso de 2006, gentilmente aconselhada por um dos nossos leitores, depois de aqui ter colocado um outro documentário sobre o acidente de há mais de duas décadas (pode ser visto aqui). Este documentário de Daniel Cruzeiro, Renato Freitas e Gonçalo Freitas acompanha a tragédia da cidade abandonada de Prypiat na Ucrânia, que tinha mais de 50.000 pessoas, de Chernobyl que teria até 350.000 habitantes, e acima de tudo das crianças que ainda hoje sofrem com os resultados e que dependem da ajuda do governo cubano.

Descubra as diferenças

Descubra as diferenças.

Find out the differences.





Não existem. O problema está dos dois lados. A solução também.

There are none. The problem is on both sides. And so is the solution.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Líbano - A Guerra de Julho 2006

Depois do Hizbullah raptar/capturar (podem escolher a palavra dependendo da vossa afiliação ideológica ou religiosa) dois soldados israelitas na fronteira entre Israel e o Líbano, Israel inicia uma invasão do Líbano e um ataque total a toda a infraestrutura do Hizbullah, assim como do governo central libanês.

Líbano, 2006
Nesta entrevista à Sky News, canal de televisão pertença do agora caído em desgraça Rupert Murdoch, o deputado inglês George Gallaway desfaz a entrevistadora que se encontrava em Jerusalém do primeiro ao último segundo. Embora não concorde com tudo o que ele diz, a verdade é que diz uma série de verdades extremamente inconvenientes sobre o sucesso do ataque (mais detalhes sobre o falhanço dos tanques Merkava podem ser vistos aqui) e sobre o facto de a entrevistadora declarar que o ataque israelita é legítimo por o Hizbullah ter recebido misseis de média distância do Irão (ao que Gallaway responde com as ogivas nucleares israelitas, que foram recentemente alvo de grande atenção depois do poema de Gunther Grass disponível aqui).

Não me lembro de ver um entrevistador levar tamanha humilhação em directo...